Há um regresso especial: o de Steven Spielberg, que em The Post recupera o cinema político e celebra o jornalismo de qualidade. O filme trata a épica da revelação, em 1971, dos chamados “papéis do Pentágono”, mais de sete mil páginas de análise à estratégia militar dos EUA no sueste asiático, onde ficou demonstrado que os governos dos Estados Unidos de então – era o tempo de Nixon – mentiam aos cidadãos sobre o curso da guerra no Vietnam, ao esconderem os relatórios militares que deixavam claro que a América só podia sair derrotada.
The Washington Post abriu, com esta revelação, uma época de grande confiança dos cidadãos no jornalismo e no combate para a decência na nação. Curiosamente, quem primeiro conseguiu os reveladores documentos do Pentágono foi um jornalista do The New York Times, Neil Sheehan. Ficou logo a saber-se que aquilo tinha o efeito de bomba: expunha as mentiras da presidência Nixon, no caso, sobre a guerra do Vietnam, tema principal na América de então. Mas, numa ação relâmpago, a Casa Branca conseguiu uma decisão judicial que proibiu o The New York Times de publicar ou sequer referir aqueles documentos, classificados como secretos, cuja obtenção foi considerada como “um ato de espionagem”, em “conspiração”, para acesso “ilegal a documentos que são propriedade do governo”.
Perante a proibição ao Times, impôs-se a prioridade do dever jornalístico: os documentos foram passados ao The Washington Post que de imediato os publicou. Veio logo a seguir a ter a proteção do Supremo Tribunal dos EUA que, numa histórica sentença, lembrou que a Constituição do país, na sua primeira emenda, proíbe a prática governamental de supressão de informação embaraçosa.
O desejo da presidência Nixon de amordaçar a imprensa ficou derrotado. Há quem veja na escolha deste tema por Spielberg um paralelo entre os tempos de Nixon e, agora, os de Trump.
No filme The Post que em breve chegará a ecrãs portugueses, Spielberg escolhe Meryl Streep para desempenhar a personagem de Katharine Graham, a lendária e exemplar proprietária do Post. Tom Hanks interpreta o também mítico e implacável chefe de redação, Ben Bradlee.
A revelação destes documentos do Pentágono veio a acelerar o fim da trágica guerra do Vietnam. A investigação sobre a presidência dos EUA viria a ser continuada pelo The Washington Post, em processo ainda mais complexo, com o caso Watergate, que levou à renúncia de Nixon, em agosto de 1974 – tudo contado em Os Homens do Presidente, o filme de Alan J. Pakula que também é emblema do bom cinema sobre a épica do jornalismo.
O filme Os Homens do Presidente foi considerado, em 1977, pela Academia de Hollywood, como o melhor do ano e foi premiado com oito Óscares. Há dois anos, Spotlight, o filme sobre a paciente investigação jornalística de uma equipa do The Boston Globe sobre abusos a jovens por sacerdotes do estado do Massachussets, recebeu seis Óscares de Hollywood, entre eles, o de melhor filme.
Agora, em 2018, os prémios do cinema também tendem a premiar o jornalismo como pilar da democracia, desta vez num filme realizado por Spielberg. É certo que a concorrência é forte, como ficou à vista nas nomeações para os Golden Globe. The Shape of Water (A Forma da Água), o filme do mexicano Guillermo del Toro, já premiado em Veneza com o Leão de Ouro, é grande cinema, poesia visual sobre a empatia com quem é diferente, a partir de uma fábula protagonizada pela guarda muda de um prédio e uma peculiar criatura aquática. Há bom cinema para ver e que pena que tanto fique por mostrar.
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