O ano de 2016 que está a chegar ao fim, com a realidade acelerada, fica, como todos os outros, carregado de notícias negativas, que causam tristeza ou revolta: é a vergonha do mundo civilizado na Síria, é o êxodo de centenas de milhar de refugiados confrontados com sofrimentos e luta duríssima pela sobrevivência, é o terrorismo que alastra, é a corrupção entranhada, é o desprestígio da política tradicional, é o desrespeito pela pessoa.
Mas também há coisas que saíram bem. O ano de 2016 também tem notícias que suscitam satisfação e, nalguns casos, até excitação.
O conhecimento, progrediu imenso. Um momento histórico alcançado neste ano é a prodigiosa primeira observação das ondas gravitacionais. É a confirmação da equação mais famosa da história (E=mc2), que define a relação entre massa e energia. Este complexo avanço significa a prova direta da teoria da relatividade geral enunciada por Einstein há um século, mas até agora por comprovar. Fica assim firme um pilar fundamental da Física Moderna e está aberta uma janela extraordinária para que possa ir mais longe a observação e estudo do universo. Vai ser possível explorar questões cruciais como a formação dos famosos buracos negros e a mais procurada: o momento da criação do universo. Também neste 2016, através do telescópio espacial GAIA, numa exploração liderada pela Agência Espacial Europeia, passámos a ter um mapa detalhado, em 3D, da Via Láctea. O primeiro mapa desta missão indica a posição precisa e o brilho de 1142 milhões de estrelas. Abre caminhos para o estudo da composição, formação e evolução dinâmica e química da nossa galáxia. Significa, portanto, mais mundo conhecido e a conhecer, estima-se que dois mil milhões de estrelas, é formidável. A inteligência artificial, a biologia e a medicina também tiveram relevantes progressos nestes 12 meses. Há avanços constantes contra o cancro e frente às doenças degenerativas do cérebro e outros transtornos neurológicos.
Este 2016 também tive relevantes progressos diplomáticos: o Irão deixou de estar no “eixo do mal”, passou a ser – apesar de recorrentes desconfianças ocidentais, apesar dos choques entre reformistas e imobilistas em Teerão – um aliado do Ocidente. A reintegração do estratégico Irão na comunidade internacional é uma boa notícia para nós todos no planeta. O Irão tem uma palavra a dizer em todas as muitas tensões no Médio Oriente.
Em março deste 2016 o Air Force One, com o presidente dos EUA, a bordo sobrevoou a cidade de Havana, antes de aterrar no aeroporto da capital cubana. Obama teve a coragem de começar a acabar com 56 anos de embargo (“el bloqueo”) e, ao visitar a ilha de Fidel, impulsionar a aproximação entre dois mundos tão distantes apesar de tão perto no mapa. Está para ver se Trump não vai fazer levantar um novo muro naquele mar.
Também tivemos a grande notícia do acordo de paz que põe fim a 50 anos de guerra interior na Colômbia, um conflito que levou mais de 220 mil vidas e que provocou a migração de sete milhões de colombianos. São bravos os que forçaram a paz. Mas está pela frente um caminho complexo, o da desmilitarização e da integração da guerrilha na vida cívica do país. Sendo que as vítimas têm direito à reparação do sofrido.
Quase todas as idas a votos em 2016 apontaram a tendência nacionalista e anti-sistema. Houve a exceção austríaca: os eleitores criaram a boa surpresa de terem barrado o caminho a um candidato da ultra-direita com discurso neonazi. Elegeram para presidente o respeitado Alexander Van der Bellen, um ecologista com discurso solidário. Mas, para 2017, a extrema-direita promete dar que falar: Geeret Wilders lidera as intenções de voto para as eleições de março na Holanda; Marine Le Pen é dada como certa num dos dois lugares da finalíssima da eleição presidencial francesa, em abril e maio; também incertezas em volta do voto alemão em setembro.
Neste 2016, os académicos de Estocolmo, 18 anos depois de terem escolhido Saramago, atribuíram o primeiro Nobel à palavra cantada. É uma abertura que dá gosto.
É um ano em que os portugueses passaram a respirar melhor. A política está de volta, no melhor sentido da procura do melhor para as pessoas. Marcelo é determinante, já conquistou até quem não votou nele, mostra como ser presidente é ser servidor e impulsionador dos cidadãos. Costa também é um motor para o crescimento de alguma confiança. Sabe fazer política como não se via desde o tempo em que Mário Soares liderou o PS. Sente-se que ao comando está gente que se bate pela gente que somos todos.
E quem imaginava que um português chegaria ao topo da ONU? António Guterres conseguiu-o e a diplomacia portuguesa mostrou como é competente.
Temos o papa Francisco, um líder a puxar pela solidariedade, pela tolerância e por um mundo menos injusto, também a dar a mão a quem está no limbo.
Portugal é um país na moda, se calhar até demasiado, talvez esteja a ficar com demasiados hotéis, hostels e tuque-tuques. Mas o turismo está a puxar por tudo – é devido elogiar Adolfo Mesquita Nunes, secretário de Estado do Turismo no anterior governo, ele soube afinar a estratégia de promoção da sedução portuguesa, com Lisboa e Porto como capitais vitais e várias outras regiões de Portugal.
Os vinhos portugueses já há muito se libertaram da época tosca, tiveram a produção afinada, as castas autóctones estão preservadas, há novos criadores e a excelência amplia-se do Douro ao Alentejo. Tal como a produção de azeites. O peixe do mar português, já há muito sabemos, é magnífico. E há gente a cozinhar com mestria.
Há criadores e investigadores portugueses que se chegam à linha da frente por meio mundo. Os starting grants de excelência Ana Patrícia Gonçalves, Beatriz Viçoso, Bruno Correia, Francisco Freire, Joaquim Gaspar, Miguel Cardina e Pedro Barquinha são alguns de muitos exemplos. E há os empreendedores como os que cresceram na primeira Web Summit de Lisboa. Os exportadores mexem-se. Também os artistas. Temos o gosto de ouvir Carminho a cantar com Chico Buarque e Bethânia, depois de já ter juntado a voz com a de Caetano e Milton. Também a força da voz de Gisela João. Sempre Ana Moura, também Zambujo e a bela nostalgia no som dos Capitão Fausto. Também Samuel Úria, também companheiro nas crónicas aqui no SAPO 24. É gente que o que faz e bem feito, dá gosto. Como o cinema de João Pedro Rodrigues. A poesia de Rui Nunes. E a grande empresa de Frederico Lourenço com a versão em português da imensa Bíblia Grega. Teremos sempre uma livraria ou biblioteca como lugar de conforto.
Evidentemente, também há as euforias desportivas, com a seleção portuguesa de futebol e Cristiano Ronaldo no topo da Europa. Tal como Sara Moreira e Patrícia Mamona, campeãs no atletismo. E vários outros feitos de atletas.
É uma evidência: temos boas notícias da vida em todos os âmbitos. Com gente que mostra que vale lutar pelas ambições, pelo nosso futuro. Mas sem perder a noção de que os tempos estão complexos e com alta carga dramática.
MAS TAMBÉM HÁ AS NOTÍCIAS QUE DEIXAM VAZIO
O ano que acaba deixa-nos ausências que custam, gente que de alguma forma fez parte da nossa vida, mesmo que sem que alguma vez tenhamos falado com essas pessoas ou estado fisicamente perto delas: deixa-nos um buraco negro não haver mais Umberto Eco, nem Leonard Cohen, nem João Lobo Antunes, nem André Jorge, nem Mário Moniz Pereira, nem Kiarostami, nem Diogo Seixas Lopes, nem Prince, nem Pierre Boulez, nem Elie Wiesel, nem Zaha Hadid, nem Johann Cruyff, nem Muhammad Ali, nem Gene Wilder, nem Nuno Theotónio Pereira, nem Nicolau Breiner, nem Kurt Masur, nem George Michael. Perdemos políticos inteligentes e cultos como Almeida Santos e Miguel Veiga. Também com Fidel, “el comandante” e Shimon Peres, um Nobel da Terra Santa, é um tempo da nossa vida que chega ao fim. Eles todos foram protagonistas e passaram de algum modo pela vida de nós todos. Este 2016 teima até às últimas horas do ano em levar-nos gente estimada.
É uma pena que a presidência Obama chegue ao fim sem uma saída harmoniosa e consistente para a trágica tensão sem fim entre Israel e a Palestina.
Primeiras páginas escolhidas hoje: esta e esta. Também esta.
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