A minha ida a um thriller sobrenatural foi algo inédito, apesar de ter passado várias vezes em frente ao Criterion Theatre, o teatro onde o '2:22 Uma História de Fantasmas’ - ou ‘2:22 A Ghost Story’, em inglês - esteve em Londres, em Piccadilly Circus. Nunca gostei de filmes de terror e tinha medo que o conceito do sobrenatural fosse algo que não gostasse.
Porém, depois de entrevistar uma das protagonistas da adaptação portuguesa, Joana Seixas, para o SAPO24, quando a peça já estava nos últimos dias em Lisboa, ganhei coragem e dei-lhe uma oportunidade, algo que não poderia ter tido um melhor resultado.
A peça, encenada por Michel Simeão, com um texto original de Danny Robins e uma tradução de Ana Sampaio, foi uma das maiores surpresas que vi num teatro português, mesmo no fim do ano. Dou especial destaque ao brilhantismo da construção do texto, que nos leva por um enredo inesperado até ao último minuto da peça.
Existem momentos de suspense e de alguma ligação ao mundo sobrenatural, mas nunca nada que nos faça levantar da cadeira e fugir. É entretenimento no seu melhor, ao mesmo tempo que nos deixa a pensar sobre os mistérios do sobrenatural, que vão aparecendo ao longo da peça.
Em palco estão quatro atores, Ana Cloe, Joana Seixas, João Jesus e Pedro Laginha, e a ação acontece num jantar normal entre amigos. A dona da casa, Joana, interpretada por Ana Cloe, acredita que a sua casa está assombrada, e daí desenrolam-se uma série de conversas sobre este e outros temas, passando pelos problemas dos dois casais em cena, a relação dos amigos, histórias do passado em comum, o sobrenatural, as diferenças de classe social, a família, o amor, o álcool e todos os tópicos que se podem discutir até às 2h22, hora a que têm de estar acordados para descobrir o mistério da peça.
O mais fascinante de toda a narrativa é o final totalmente inesperado, mesmo com as inúmeras pistas dadas ao longo do texto, saímos da sala a rever tudo o que vimos e a tentar decifrar pormenores no fim óbvios, mas que nunca verdadeiramente interiorizamos durante a peça. A sensação é a de que fomos enganados, no bom sentido, pelo texto, o que é uma sensação diferente de uma peça normal com uma narrativa mais linear.
É um espetáculo com ritmo do princípio ao fim, com diversos apontamentos de humor, com suspense, onde as interpretações brilhantes dos quatro atores conseguem cativar o espectador do princípio ao fim, fazendo até os mais céticos acreditar em fenómenos sobrenaturais.
Não existem falhas a apontar, a não ser ao já envelhecido e sexagenário Villaret, que não proporciona a experiência ideal ao nível de conforto, com cadeiras incómodas, e de som. Esta é uma peça com diálogos constantes e que se socorre frequentemente de efeitos sonoros, que aumentam a sensação de imersão. Paralelamente, em momentos específicos, não é possível ouvir com clareza as falas, nomeadamente nas últimas filas do espaço, deixando a ideia de que esta peça merecia uma sala mais moderna e com melhor tecnologia.
Lamentei não ter dado uma oportunidade à peça original em West End, que agora está em digressão pelo Reino Unido. Talvez tivesse mais orçamento, mais efeitos e melhores cenários. Porém, se estivesse igual a esta adaptação portuguesa já estaria no patamar do que melhor se faz em teatro.
A peça '2:22 Uma História de Fantasmas’ esteve no Teatro Villaret, em Lisboa, até ao dia 30 de dezembro passado, e vai agora percorrer o país com bilhetes à venda para a Figueira da Foz e Santa Maria da Feira.
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