Miguel Duarte, com 24 anos, decidiu praticar a solidariedade activa, aquela que implica arregaçar as mangas e leva ao confronto com realidades que, nos dias que correm, deveriam ser inexistentes. Não o fez sozinho, estava integrado numa organização não-governamental (ONG) e agora, junto com quem estava ao seu lado e queria estender a mão a outros, pode ser condenado a 20 anos de prisão. Não um. Nem dois. Vinte anos de prisão.
Quem acusa é o Estado italiano que alega apoio à imigração ilegal. Apoio humanitário diria, mas o Governo italiano, cujas linhas ideológicas são mais ligadas à extrema direita do que a princípios e valores, acha que não.
Integrado na ONG alemã Jugend Rettet, no navio Iuventa, Miguel praticou o bem e agora o bem é transformado em argumento político e legalista. Há onze dias foi iniciada uma campanha de crowfunding da ONG Humans Before Borders (o nome diz tudo) que procura reunir recursos financeiros para defender Miguel Duarte e outros nove membros da tripulação do navio Iuventa (em Portugal, a campanha pode ser encontrada aqui). A acompanhar a campanha exibe-se o hastag #EuFariaoMesmo. A mobilização das pessoas tem sido extraordinária e foram já reunidos mais de 38 mil euros (à data da publicação deste artigo, quarta-feira, 19 de junho).
Em entrevista ao Observador, Miguel Duarte relata o seu espanto e desalento e diz coisas óbvias como “estas pessoas não vêm por escolha própria. Uma mãe nunca deveria ter de pôr os seus filhos num barco em mar alto, com tão poucas probabilidades de sobreviver”.
Aluno de doutoramento em Matemática no Instituto Superior Técnico de Lisboa, Miguel Duarte viu a sua vida mudar três vezes: a primeira quando optou por ir ajudar numa situação que sabia ser difícil; a segunda quando assistiu à tragédia que é a realidade dos refugiados, aos campos sem água potável, ao sofrimento mais atroz de homens, mulheres e crianças; a terceira quando foi acusado sendo real a possibilidade de ir preso.
A Itália, ignorando todos os preceitos humanistas, qualquer eventual orientação cristão, tem um governo que advoga que o melhor é combater com acções legais as ONG que salvam pessoas no Mediterrâneo. A acusação que Miguel Duarte terá de combater, tal como os restantes voluntários, não é caso único, existem muitas outras.
O Governo português mandou dizer que está a vigiar e que esperava justiça, mas, já agora, acrescentou que os voluntários que têm resgatado milhares de pessoas da morte certa são, "mesmo que involuntariamente" “cúmplices de imigração ilegal ou tráfico de pessoas”. Foi um tiro no pé, mais valia não dizer nada e remeter-se para aquela coisa politicamente correcta de optar pelo abençoado silêncio.
Cúmplices? Esquecemos então os direitos humanos porque o enquadramento legal pode ser considerado? Os voluntários que deixam as suas casas, as suas famílias, as suas vidas organizadas para ajudar todos aqueles que não têm a quem recorrer mereciam melhor. Miguel Duarte merecia melhor. O consolo que a operação de crowfunding pode trazer é apenas isso, um consolo.
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