Ser maior do que o vírus, nos pequenos grandes gestos de cada dia
É o ritual que a pandemia impõe: dizer adeus sem abraços nem beijos, por vídeochamada. Não sabemos se Margarida Oliveira está a ler este texto — ou se leu a reportagem hoje publicada pela Agência Lusa —, mas sabemos que o seu gesto de profunda solidariedade marcou uma família no momento da despedida.
“Recebi uma chamada depois das 23:00 – ninguém liga a essa hora se for para dar esperança – de uma médica espetacular do Pedro Hispano. Chama-se Margarida Oliveira. Quando tudo isto passar vou procurá-la. Se calhar dá conforto a 100 pacientes e a 100 famílias por dia, mas eu quero agradecer-lhe. E combinámos uma videochamada pelo telefone dela. Não sei se ele nos ouviu, mas dissemos o que tínhamos a dizer. De alguma forma despedimo-nos”. O relato é de Adriana Ribeiro, entre a última visita que fez ao pai e esta chamada passaram vinte dias.
Num tempo em que as despedidas são curtas e os rituais são reduzidos ao máximo, parte do desafio está em reaprender a lidar com o luto. “O sofrimento de pensar que pode não ter sido como gostariam que tivesse sido. Quem trabalha no luto tem de estruturar isto muito bem. É importante que não se abandone estas pessoas enlutadas no tempo que vai chegar porque elas podem não ficar prisioneiras da covid-19, mas ficam prisioneiras de sentimentos de culpabilidade, impotência, abandono, com raiva dirigida para quem morreu ou para quem tratou de quem morreu”, descreve Eduardo Carqueja, presidente da Delegação Regional Norte da Ordem dos Psicólogos (OPP-DRN).
Este coronavírus virou-nos a vida do avesso e sabemos hoje que teremos de aprender a conviver com ele. A vida não pode parar até que uma vacina ou tratamento cheguem, como assinalava ontem António Costa. Para já isso significa planear a vida a 15 dias de cada vez, mas são gestos como o de Margarida Oliveira que nos fazem acreditar na capacidade humana de ser maior do que a adversidade.
E falo em planear a vida a 15 dias de cada vez porque tudo aponta para uma renovação do Estado de Emergência — vontade que Marcelo já tinha manifestado e que hoje reiterou — até ao início de maio.
"Se abril correr até ao fim como esperamos, então em maio os portugueses vão começar a habituar-se à ideia de conviverem socialmente com a realidade de um vírus que foi vencido naquilo que representava de gravíssimo para a sociedade portuguesa e que passa a ser um dado da vida do dia-a-dia", disse o Presidente, abrindo portas a uma retoma progressiva da (nova) normalidade.
Entretanto, segundo o boletim epidemiológico hoje publicado, Portugal regista 599 óbitos por covid-19 e um total de casos confirmados que ascende a 18.091 casos. O número de casos recuperados aumentou de 347 para 383. Estamos a assistir ao aplanar da curva, mas ainda longe de poder gritar vitória.
Todavia e já com o pensamento no que se segue, a Comissão Europeia deixou hoje três recomendações aos Estados-membros — que podemos assumir como um ponto de partida para a dita convivência. Antes de se começarem a levantar restrições os Estados Membros devem assegurar o seguinte: 1) os dados epidemiológicos devem mostrar que a propagação do novo coronavírus diminuiu significativamente e estabilizou; 2) os sistemas de saúde devem ter suficiente capacidade de resposta, designadamente a nível de cuidados intensivos, camas disponíveis e acesso a medicamentos e produtos farmacêuticos; 3) deve haver uma capacidade de monitorização apropriada, incluindo capacidade de testes em grande escala para detetar a propagação do vírus e eventuais novas vagas.
A marcar o dia de hoje esteve também o anúncio de Trump de que vai deixar de financiar a Organização Mundial de Saúde por "má gestão" da crise do novo coronavírus, o que desencadeou reações várias, incluindo de Portugal. Na resposta ao Presidente norte-americano, o diretor-geral da OMS disse simplesmente que “não há tempo a perder. A única preocupação da OMS é ajudar todas as pessoas a salvar vidas e acabar com a pandemia de Covid-19".
Em jeito de nota final, destaque para um alerta do Infarmed: andam a ser vendidas embalagens falsificadas de cloroquina, medicamento validado para a malária que tem sido usado na pandemia em doentes de covid-19. A autoridade de saúde está a pedir a todas as entidades que tenham sido contactadas para o adquirir, ou que o tenham adquirido, que o informem através do email dil-ins@infarmed.pt .
Posto isto, despeço-me com sugestões:
- Para ler: "Por estes dias de pandemia todos estão em risco, uns mais do que outros. Neste grupo estão os toxicodependentes, que, sem possibilidade de reabilitação, se colocam a si e a terceiros em perigo. A Farol, que recuperou várias vidas, como aquelas cujo testemunho deixamos, receia fechar portas se a situação se mantiver". Uma reportagem da Isabel Tavares para ler aqui.
- Para ouvir: A Casa da Música faz 15 anos e está a celebrar com uma vasta programação online;
- Para ver: Acabou de sair mais uma newsletter da nossa rubrica Acho que Vais Gostar Disto. "Eu, Mariana Falcão Santos, me confesso: adoro reality shows, das melhores produções à trash tv. As minhas obsessões mais recentes?"— e clicar no link para ver. Se quer receber estas sugestões confortavelmente no seu e-mail, basta subscrever a rubrica em formato newsletter através deste link.
- Para planear: A cidade de Lisboa vai celebrar, "excecionalmente, o mês da liberdade dentro de portas", com animação cultural em casa, a partir de quinta-feira e até 30 de abril. Saiba como aqui.
O meu nome é Inês F. Alves e hoje o dia foi assim.