Festa do Sporting: um verdadeiro campeonato de desresponsabilização

Inês F. Alves
Inês F. Alves

O Ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, e a inspetora-geral da Administração Interna, Anabela Cabral Ferreira, apresentaram na sexta-feira, 16 de julho, o Relatório de Inquérito relativo à intervenção da PSP no quadro das celebrações promovidas pelo Sporting Clube de Portugal (SCP).

A conclusão, pode ler-se, é de que "considerando o que antecede, a intervenção da PSP no quadro das celebrações promovidas pelo SCP, ocorridas nos dias 11 a 12 de maio, não é digna de censura disciplinar".

Apesar da apresentação ter ficado marcada pelas críticas do ministro ao Sporting, que acusou de falta de colaboração no inquérito, e pela resposta pronta do clube a desmentir o governante, a verdadeira atenção deveria estar neste "considerando o que antecede", que hoje, com acesso ao documento, fomos aprofundar.

A pergunta que se impõe — tricas à parte — é a seguinte: quem organizou e autorizou os festejos dos leões nos moldes em que ocorreram? Vale então entrar no detalhe:

1) O primeiro contacto do Sporting com o MAI para marcar uma reunião com vista à preparação dos festejos teve lugar dois meses antes da festa. Ficou sem resposta porque era "prematuro" tratar disso. Resultado? Os preparativos começaram a ser feitos apenas oito dias antes.

2) O Sporting alega que "o plano executado na celebração do título foi resultado de uma proposta discutida, aceite e planeada por todas as partes, sendo que inclusive a proposta original não surge por parte do Sporting CP". Ora, não é isto que diz o relatório: A PSP sempre se manifestou contrária à realização de um cortejo de Alvalade até ao Marquês de Pombal e a DGS sugeriu mesmo que não existissem festejos, mas o clube, "apesar de dizer sempre que aceitaria qualquer modalidade de festejos que fossem decididos, nomeadamente, nada a realizar, o seu posicionamento perante a apresentação de alternativas demonstra o contrário. O SCP seria irredutível na decisão de promover o desfile". Além disso, "nunca colocou a hipótese de, simplesmente, não se realizarem quaisquer festejos fora do estádio".

3) Mesmo tendo a Juventude Leonina informado a CML de que ia realizar uma "manifestação" com "a presença de um veículo onde iriam transmitir o jogo e com música", a autarquia lidou com o tema como se se tratasse efetivamente de uma manifestação igual às outras. Lê-se no relatório que "apesar de ser altamente questionável que estas iniciativas das associações desportivas pudessem ser enquadradas como manifestações, é certo que foi assim que a entidade promotora as classificou e a CML as aceitou". O problema é que com isto a CML "condicionou a atuação da PSP", que não teve oportunidade de endereçar o evento à luz das "disposições do regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos".

Eis uma passagem que vale destacar: "Rematando, [indivíduo não identificado] ilustrou a falta de competências da CML para apreciar ou limitar o direito à manifestação dizendo que "se um manifestante quiser fazer um porco no espeto, se quiser fazer o que a Iniciativa Liberal fez, que foi o bailarico do outro dia, a Câmara Municipal de Lisboa não opina sobre o que o manifestante quer fazer. Eu espero que o Sr. não se lembre de organizar um festival como manifestação".

Fica-se ainda a saber que a CML afirma desconhecer um e-mail enviado pela PSP onde as autoridades manifestavam a sua posição relativamente a esta "manifestação" e apelavam a que a câmara recusasse à claque a possibilidade de transmitir o jogo em ecrãs gigantes junto ao estádio, o que naturalmente iria promover ajuntamentos.

Ora, no dia em que foi apresentado o relatório, questionado sobre esta "manifestação" de adeptos do Sporting, Eduardo Cabrita disse se tratou de um uso abusivo  da figura do direito de manifestação, mas acrescentou que as comunicações sobre manifestações são apresentadas às câmaras municipais, neste caso foi a de Lisboa, não tendo o Ministério da Administração Interna (MAI) qualquer “competência de proibição de manifestação”.

Fica a pergunta: afinal, quem decide?

4) Só um dia antes da festa, a 10/05/2021, é que sai a seguinte nota assinada por Eduardo Cabrita do MAI: "As três alternativas referidas foram analisadas [festejos no interior do estádio, o que era a preferência da PSP, festejos em zona exterior controlada, cortejo com trio elétrico] na reunião de de sexta-feira passada. A Câmara de Lisboa e o SCP acordaram com a terceira alternativa". São então dadas ordens por parte do MAI para que a PSP se articule com a CML e o SCP para garantir a segurança dos festejos.

Os leões, quando responderam à acusação do ministro sobre a alegada falta de colaboração, fizeram questão de lembrar que "não é o Sporting CP que impõe regras à DGS, PSP, Ministério da Administração de Interna ou ao Governo".

Faz sentido, mas não é isso que dá a entender a nota do MAI.

5) O que parece ponto assente é que a DGS se manifestou contra a realização dos festejos e a PSP desaconselhou em diversas ocasiões, e por escrito, a realização de um cortejo com trio elétrico de Alvalade ao Marquês "por comportar um elevado grau de imprevisibilidade relativamente à manutenção da ordem pública e riscos elevados".

Em que falhou a PSP? A "manifestação" da Juventude Leonina estava marcada para as 14h00, mas a essa hora não estava ainda montado o dispositivo de segurança pela PSP. O Posto de Comando Operacional só é ativado às 14h30 e só pelas 16h00 chegou ao Estádio José Alvalade, quando os ecrãs gigantes estavam estacionados no local. Segundo o relatório, a PSP "ainda aguardava a resposta da CML à recomendação da Polícia para que fosse impedido aos promotores a colocação dos meios de transmissão vídeo e áudio no local".

Além disso, durante os festejos uma criança de 13 anos acabou por ser atingida na cabeça por disparo da polícia e um inquérito foi aberto. A IGAI vai ainda abrir um processo de inquérito para acompanhar as queixas-crime decorrentes da ação policial que forem denunciadas à justiça, tendo sido até ao momento apresentadas duas.

O que se conclui das conclusões?

  • O parecer da DGS em tempo de pandemia foi desconsiderado;
  • O parecer da PSP, entidade a quem cabe garantir a segurança num evento desta natureza, foi "completamente subestimado";
  • À CML não compete verificar se uma manifestação não é um falso pretexto para outro tipo de evento;
  • Ao MAI não cabe proibir manifestações;
  • Ao Sporting não cabe "impor as regras", basta apenas não aceitar alternativas;
  • É do MAI a nota que dá aval à realização do cortejo, mas a missiva faz recair a responsabilidade na CML e no SCP.

É assim que, nas palavras do relatório, “considerando o que antecede” os festejos, se percebe que há muito barulho das luzes para iludir o que salta à vista: faltou capacidade de coordenação e quem tinha de decidir não quis tomar uma decisão impopular. E assim se estragou a festa de todos.

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