Há sempre mais uma palavra para Ricardinho

Tomás Albino Gomes
Tomás Albino Gomes

Sejamos honestos, é difícil evitar. Não é que Ricardinho tenha carregado Portugal às costas ou tenha vencido sozinho o Mundial. Dizer isso seria terrivelmente injusto para todo o conjunto de jogadores que se sagrou campeão do mundo no domingo, depois de ter batido a Argentina (2-1), em Kaunas, na Lituânia, e em particular para aqueles que se destacaram durante a competição como foi o caso de Pany Varela, o segundo melhor marcador do torneio com oito golos, apenas atrás do brasileiro Ferrão (nove), e autor dos dois tentos que deram a taça à equipa das Quinas.

Não é isso. Há muitas razões pelas quais Ricardinho podia merecer mais uma palavra, mas esta razão em particular é dedicada aos últimos seis meses. Quais seis troféus de melhor jogador do mundo, quais três Ligas dos Campeões com SL Benfica e Inter Movistar, qual Europeu, quais campeonatos, qual discussão se o capitão da seleção portuguesa é o melhor da história da modalidade. Há seis meses, “o mágico” estava numa cama de hospital a lutar contra a pior lesão da carreira. Venceu, superou a recuperação para disputar na melhor condição possível o seu último Mundial da carreira aos 36 anos.

É uma verdadeira odisseia a que nem Marcelo Rebelo de Sousa, no momento em que condecorou jogadores e staff da seleção nacional ​​com a Ordem de Mérito do Infante Dom Henrique, resistiu.

“É evidente que o Pany também merece uma referência, todos merecem uma referência, mas o Ricardinho merece porque já estava na história e decidiu fazer uma última vez história. Já tinha ganho tantas vezes o lugar de melhor do mundo, que a carreira estava feita. E o tendão não ajudava. E todos nós passámos a discutir o tendão do Ricardinho como um problema nacional”, afirmou o chefe de Estado português.

A dúvida sobre se “ia recuperar, não ia”, ou se “seis meses chega, não chega” e se “consegue dar a volta ou não” pairou sobre o capitão da seleção, mas Marcelo lembrou que “ele é muito teimoso” e não iria “perder esse momento” de consagração de Portugal.

“De facto, não perdeu esse momento. Já estava na história, veio fazer um bocadinho mais de história. Na mesma que já é nossa também, desde a vitória na Europa, e agora com a vitória no mundo. Para ele vai um abraço especial que não é de despedida. Ele continua presente, porque esse é outro espírito fundamental da FPF e desta equipa que trabalhou ao longo destes anos. Ninguém é esquecido, ninguém é deitado fora, todos continuam presentes”, destacou Marcelo Rebelo de Sousa.

Antes, já o presidente da FPF tinha também usado o exemplo e a mentalidade de Ricardinho para introduzir as palavras com que destacou “um grupo unido e inspirador", que "sorriu nas horas do golo e se uniu nos momentos mais sofridos”.

“O Ricardo [Ricardinho] teve a pior lesão que um futebolista pode ter. E quando o corpo faltou, a mente sobrou. E foi essa mente brilhante, essa ideia permanente de que era capaz, que o levou a uma luta solitária e o fez acreditar que era possível recuperar. É o melhor jogador de futsal da história. E é nosso, continuará nosso e lutará sempre por Portugal”, elogiou Fernando Gomes.

Mas não foram só a mais alta figura do Estado e do futebol português que não resistiram em dar mais uma palavrinha ao 10. Já no domingo "o homem lá em cima" se tinha antecipado.

“Foi muito difícil, mas quis fazer o meu último Mundial em condições e consegui. Parece que o homem lá em cima tinha alguma coisa guardada para nós”, disse o capitão da seleção nacional de futsal no final do encontro com a Argentina, no domingo.

O homem que disse que não se importava de dançar o tango, desde que no fim se tocasse o fado, que ouviu A Portuguesa antes do derradeiro encontro lavado lágrimas de emoção, que recebeu mais um prémio, o de melhor jogador do Mundial, que há três anos já tinha sido condecorado com a Ordem do Mérito, juntamente com os colegas que venceram o Campeonato da Europa, merece mais uma palavra porque ele, mais uma vez, também deu tudo para ajudar Portugal a conquistar mais um título e a ficar na história do futsal.

Aquele que joga com a humildade que a magia dos pés lhe permite, que não vive para o estrelato e em campo é guerreiro e capitão, tantas vezes lá atrás a ser tampão essencial do processo defensivo, ganhou tudo o que havia para ganhar. E por isso não é exagerado, não pode ser exagerado, dar-lhe mais uma palavrinha. Porque, se afinal Marcelo diz que futsal é criatividade, Ricardinho é o nosso Salvador Dalí, o nosso Van Gogh, o nosso Leonardo da Vinci, é tudo o que cabe num retângulo com 38 metros de comprimento e 20 metros de largura. É possibilidades infinitas que não se findam nem nos maiores obstáculos.

Talvez tenha sido por isso que o homem que tem sempre direito a mais uma palavra pediu permissão ao Presidente da República para dar mais uma palavra aos colegas no momento da condecoração.

“Obrigado por tudo o que dão ao nosso país. É um orgulho ser o vosso porta-voz, o vosso capitão. Só quero dizer que se sintam orgulhosamente portugueses, porque vocês conquistaram o mundo. Para mim, escrevemos com letras douradas o nome de Portugal na página mais bonita do livro do futsal. Vocês são históricos”, exultou Ricardinho enquanto tentava não se emocionar.

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