A emergência partidária do PAN

Tomás Albino Gomes
Tomás Albino Gomes

O PAN está a viver um período de emergência partidária. Depois de em 2019 o Pessoas-Animais-Natureza ter conseguido a eleição de quatro deputados para a Assembleia da República, mais três do que em 2015, nas eleições legislativas do passado dia 30 de janeiro o partido ficou reduzido a uma deputada única no Parlamento, tendo conseguido apenas a eleições da líder Inês de Sousa Real pelo círculo de Lisboa.

Em dois anos, o partido passou de 174.511 votos, a nível nacional, para 82.250. O PAN perdeu mais de metade dos votos e perdeu-se no seu próprio ecossistema. Podemos dizer que esta espiral se iniciou em junho de 2020 quando o eurodeputado Francisco Guerreiro e a deputada Cristina Rodrigues abandonaram o partido "por divergências políticas com a direção", mantendo-se ambos nos cargos, o que expôs algumas fragilidades naquele que, na altura, era um caso de estudo de crescimento de um partido.

Desde então que se somam casos que não abonaram a favor da imagem do PAN:

  • Segundo, durante a campanha eleitoral, a ideia de que o PAN tanto poderia vir a viabilizar um governo minoritário do Partido Socialista como do Partido Social Democrata não terá sido do agrado de todos os membros e simpatizantes;
  • Em terceiro, o fraco resultado eleitoral;

O resultado das últimas eleições, o ponto mais gravoso, levou a que André Silva, ex-líder do partido no período em que este conseguiu a entrada no Parlamento e o resultado histórico de 2019, escrevesse um artigo de opinião no jornal Público que veio definitivamente abanar as estruturas do PAN.

“Apregoar que os resultados são fruto dos ataques de alguns setores que o PAN belisca, dos efeitos do voto útil, ou, pasme-se, do sistema eleitoral que prejudica os pequenos partidos é um insulto à inteligência, pois, como dizia o meu avô agricultor, ‘a boa fazenda nunca fica por vender’”, escreveu André Silva.

O ex-deputado do Partido-Animais-Natureza defende que o desaire nas eleições de domingo se deveu à “postura errática” do partido liderado por Inês de Sousa Real e que o PAN “deixou de marcar a agenda política em áreas que fazem parte da sua matriz”.

Considerado que “chegou o momento de falar perante o definhar do partido” que ajudou a erguer, André Silva considera que “a campanha de 2019 foi bem mais agressiva e hostil” para o partido, que não era sequer conhecido, mas conseguiu impor-se.

“Nas legislativas de 2019, o nível de escrutínio ao PAN e à minha pessoa foi tal que, e na falta de lenha para a fogueira, o material dos meus sapatos até foi objeto do Polígrafo”, lembra, sublinhando que nessas eleições, “com menos palco mediático, ataques constantes e com o mesmo sistema eleitoral, o PAN elegeu quatro deputados”.

Descreve ainda que “o desaire do passado dia 30 tem, sobretudo, causas internas e inteligíveis”, exemplificando: “De partido estrategicamente dialogante com o PS, o PAN passou a comportar-se como seu afilhado”.

“E não ficou por aqui. De afilhado nas autárquicas, o PAN passou a porta-estandarte do OE. No encerramento do debate do documento orçamental, assisti a uma intervenção do PAN que sei que alguns deputados do PS não seriam capazes de fazer, tal foi a devoção na defesa do documento e arremessando em direção a tudo o que mexia contra o PS”, insiste.

Para mostrar a postura errática do partido, André Silva acrescenta: ”Depois deste tango com o partido do Governo, e para pasmo de tantos, não passaram muitos dias até que o PAN viesse anunciar que também queria dançar com o PSD”.

Assumindo-se disponível para ajudar à criação de outra liderança no partido, André Silva abanou definitivamente o PAN.

No domingo, em declarações à Lusa depois da reunião da Comissão Política do PAN — que arrancou na tarde de sábado e terminou durante a noite de ontem –, Inês de Sousa Real afirmou que o partido decidiu “promover a auscultação dos filiados e filiadas” para que se possam exprimir “quer em relação aos resultados eleitorais, quer em relação à estratégia” do partido.

Depois de o ainda deputado Nelson Silva ter pedido a organização de um Congresso eletivo para “apurar responsabilidades” pelo resultado das eleições legislativas — o PAN perdeu o grupo parlamentar e voltou a ter um único deputado –, Sousa Real disse que essa possibilidade “não ficou afastada”, mas reiterou que é necessário ouvir as bases “para perceber se daqui resulta também essa sua vontade”.

Numa reunião em que se debateram as responsabilidades pela perda de mandatos, Inês de Sousa Real afirmou que houve “múltiplos fatores” que concorreram para o resultado do PAN, designadamente o “receio pela ascensão da direita”, a “questão do voto útil” e as “polémicas” que procuraram “pôr em causa o trabalho do partido”.

A reunião culminou na notícia que marca a atualidade política de hoje que dá conta de, pelo menos, 10 demissões na Comissão Política Nacional do PAN, entre os quais o ainda deputado Nelson Silva e os porta-vozes regionais dos Açores e Madeira, alegando “asfixia democrática interna”.

Numa primeira reação, Inês de Sousa Real disse que “esta direção não terá qualquer tipo de receio, muito pelo contrário, de ir a congresso”, defendendo que o “momento que o partido vive e o momento que o país também vive” exige “um elevado sentido de responsabilidade, de união, de maturidade e não de dissidência”.

Em declarações à agência Lusa, a líder do partido defendeu que “o PAN precisa de reflexão, precisa de trabalho interno e não de dissidências que a este tempo só vêm pôr interesses pessoais à frente daquilo que possam ser os interesses coletivos” e recordou que as pessoas que agora põem em causa a direção “faziam parte” dela.

A pergunta que se impõe é até quando — e como — pode o PAN salvar-se desta crise antes de chegar a um ponto de não-retorno, isto depois de umas eleições em que os eleitores se mostraram implacáveis em relação a partidos inundados em polémicas internas, como foi o caso do CDS que, pela primeira vez desde a história democrática de Portugal, ficou fora da Assembleia da República.

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