Estudantes em luta pela Palestina. O que se passa em Coimbra?
Vários estudantes estão acampados há 24 dias junto à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra para exigir um posicionamento claro da reitoria contra a ofensiva de Israel na Faixa de Gaza e fim de acordos com instituições israelitas.
Quanto começou este movimento e o que é exigido?
A “Acampada Estudantil pelo Fim ao Genocídio em Curso na Palestina” começou em 21 de maio, mobilizando dezenas de estudantes, que se vão revezando, e, mesmo em altura de exames, asseguram que não está nos seus planos qualquer tipo de desmobilização.
Os estudantes exigem que a reitoria da Universidade de Coimbra assuma um posicionamento por um cessar-fogo imediato e permanente no território palestiniano, o hastear da bandeira da Palestina na torre da universidade e o fim de todos os programas ou acordos com empresas, instituições e universidades israelitas, assim como a recusa de qualquer financiamento em currículo académico pelo Estado de Israel.
Junto à entrada da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC), há mais de dez tendas, cadeiras, um sofá, observam-se várias tarjas que apelam à luta contra a ofensiva israelita na Faixa de Gaza, panfletos e até uma das estátuas à frente do edifício está mobilizada para a luta, com um ‘keffiyeh’ (lenço associado ao movimento nacionalista palestiniano) ao pescoço e uma bandeira da Palestina na mão.
“O nosso conhecimento não é uma arma para o vosso genocídio”, pode ler-se numa das tarjas no local.
Este movimento é inspirado no que se passa no estrangeiro?
Sim. Atentos ao movimento estudantil nacional e internacional que tem lutado pela mesma causa, estudantes da cidade decidiram avançar com uma acampada para exigir um posicionamento claro da reitoria da Universidade de Coimbra, depois de perceberem que havia projetos em parceria com instituições israelitas que “estão diretamente ligadas ao regime de ‘apartheid’ e ocupação”, disse à agência Lusa a estudante Mariana Costa, de 25 anos, estudante de Psicologia Forense, envolvida na luta solidária pela Palestina desde o fim de 2023 na cidade.
“Achámos que tínhamos de adotar outro tipo de ação para chamar a atenção dos nossos representantes”, acrescentou.
Há conversações com a Universidade de Coimbra?
Até ao momento, o grupo já teve dois encontros com o reitor da Universidade de Coimbra (UC), Amílcar Falcão, em 21 de maio e na terça-feira, mas sem sucesso em assegurar uma mudança da instituição.
Segundo Mariana Costa, registou-se também um aumento da presença de seguranças privados junto à acampada, que estão “muito vigilantes”.
Para além disso, em três ocasiões diferentes, foi fechada a Porta Férrea, uma das quais na terça-feira, dia em que os estudantes entregaram um abaixo-assinado com mais de 800 assinaturas, refere César Sousa, aluno de Direito que também participa na ação.
“A Universidade tem parcerias com entidades israelitas que depois beneficiam do esforço de guerra. Isso é algo concreto que nós podemos combater e, para mim, foi óbvio que se a malta ia fazer um acampamento eu também iria”, contou à Lusa o estudante, que questiona o porquê de a reitoria não mostrar abertura sequer para defender um cessar-fogo imediato, “algo plenamente razoável”.
Apesar de notar alguma intransigência por parte da reitoria, Mariana Costa sublinha que não há qualquer pretensão de desmobilizar até verem respondidas as suas reivindicações.
Os estudantes têm também procurado mobilizar a Associação Académica de Coimbra, através de moções em assembleias magnas, mas sem sucesso, contou César Sousa, referindo que nenhum membro da direção-geral esteve no local nos 24 dias de duração desta iniciativa.
O que diz a Universidade de Coimbra sobre o protesto?
“A Universidade de Coimbra está sempre em linha com o Direito Internacional Público e acompanhará sempre o posicionamento da República portuguesa”, afirmou hoje a reitoria, em resposta escrita enviada à agência Lusa, na sequência da acampada estudantil e de um abaixo-assinado de 162 docentes e investigadores que pediam a defesa do cessar-fogo por parte da instituição.
Na resposta, a Universidade de Coimbra não faz qualquer referência a um apelo a um cessar-fogo imediato e permanente no território palestiniano ocupado, nem responde à pergunta sobre o porquê de não hastear a bandeira da Palestina na torre da UC, quando, no passado, o mesmo monumento apresentou as cores da bandeira ucraniana, numa alusão à invasão russa.
Questionada sobre se estaria a ser ponderado o fim de programas com instituições israelitas que possam estar associadas com a ofensiva em Gaza, a UC referiu que “distingue os povos dos regimes ou de governos”.
A Universidade de Coimbra, “salvo em circunstâncias excecionais, tem a responsabilidade de manter e reforçar pontes de diálogo e de tolerância entre os povos, em especial quando o mundo político ergue muros”, afirmou a reitoria, que em 2023 cessou o contrato com um professor russo acusado de ligações com o Kremlin, sem ter associado ao processo qualquer documento comprovativo das alegações veiculadas.
Para a UC, a necessidade de diálogo materializa-se “na existência de acordos com universidades palestinianas e israelitas, bem como no facto de estudantes palestinianos e israelitas frequentarem a UC”.
Questionada sobre as afirmações de estudantes da acampada que referiam que a segurança tinha sido reforçada junto ao local, a reitoria afirmou que os “reforços pontuais de segurança” estiveram ligados às exigências da organização do arranque oficial das comemorações dos 500 anos do nascimento de Luís de Camões, que contou com a presença do presidente da República.
“Como espaço de liberdade, igualdade e diálogo, valores basilares da sua matriz identitária, a reitoria da Universidade de Coimbra reuniu (por três vezes) com os estudantes da acampada”, acrescentou.
Na resposta à Lusa, a reitoria optou por não responder a várias questões, nomeadamente se condenava a ofensiva israelita em Gaza, tal como o tinha feito em relação à invasão da Ucrânia pela Rússia, ou se promoveu ou se se associou a alguma iniciativa de recolha de donativos para apoiar os afetados pela guerra em Gaza, tal como o fez em relação à ajuda ao povo ucraniano.
*Com Lusa