Depois da cimeira sem consenso, há esperança para a paz? Sim, mas...
Os líderes mundiais reforçaram, este domingo, o seu apoio à independência e integridade territorial da Ucrânia, bem como à necessidade de eventuais negociações com a Rússia sobre o fim da guerra. No entanto, questões-chave de como e quando continuam sem solução.
Dezenas de países estiveram reunidos numa cimeira de paz na Suíça e reforçaram o seu apoio à independência e soberania territorial da Ucrânia, mas destacaram que Kiev deve negociar o fim da guerra com Moscovo.
Nem a Rússia, nem a China estiveram presentes na reunião, contudo Zelensky admitiu reunir com ambas as nações. A cimeira terminou assim com uma declaração aprovada por quase 80 dos 92 países participantes. Brasil, Índia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos não apareceram na lista de países que apoiaram a declaração final.
Já Portugal apoiou o documento final, juntando-se a outros Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), designadamente, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. No sábado, questionado sobre a ausência de vários membros da CPLP, Marcelo Rebelo de Sousa disse acreditar que mesmo aqueles que não participam na cimeira partilham o desejo de que seja alcançada a paz na Ucrânia.
“Tanto quanto nós podemos saber, vários deles, dos que aqui não estão aqui representados, estão sintonizados, porque o têm dito, com a paz, o caminho para a paz e a importância de todos os passos que forem dados para a paz”, declarou.
Mais de dois anos após a invasão russa da Ucrânia, líderes e autoridades de mais de 90 países estiveram reunidos num luxuoso complexo hoteleiro em Burgenstock, Suíça, para tentar pôr fim ao maior conflito na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. "Acreditamos que alcançar a paz requer o envolvimento e o diálogo entre todas as partes", afirma o documento consultado pela AFP.
A declaração também reafirmou "os princípios de soberania, independência e integridade territorial de todos os Estados, incluindo a Ucrânia", apelou à troca de prisioneiros e ao regresso a casa de crianças deportadas para a Rússia.
"Devemos fazer o nosso trabalho, não vamos pensar na Rússia, vamos fazer o que temos que fazer. Neste momento, a Rússia e seus líderes não estão prontos para uma paz justa. É um facto", declarou o presidente ucraniano, Volodimir Zelensky. O presidente tinha prometido no sábado apresentar propostas de paz à Rússia assim que fossem validadas pela comunidade internacional.
"Realidade no terreno"
A cimeira concentrou-se este domingo na segurança nuclear e alimentar e no regresso das crianças ucranianas deportadas pela Rússia.
A reunião ocorreu num momento delicado para a Ucrânia no campo de batalha, onde as forças russas são mais numerosas e mais bem equipadas. E depois do presidente russo, Vladimir Putin, ter dito na sexta-feira que negociaria com a Ucrânia desde que retire suas tropas das quatro regiões que Moscovo reivindica e ocupa parcialmente, e renuncie à adesão à NATO. Kiev, NATO e Estados Unidos repudiaram as condições de Moscovo.
O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, insistiu que não há "ultimato", mas uma "iniciativa de paz que considera a realidade no terreno". "A atual dinâmica na frente mostra claramente que a situação continua a piorar para os ucranianos", disse.
E enquanto se discutia como acabar com a invasão da Ucrânia o Ministério da Defesa russo reivindicava a tomada de Zahirne, na região de Zaporizhzhia, sul da Ucrânia.
Crianças, segurança alimentar e nuclear
As discussões na Suíça basearam-se em pontos consensuais do plano de paz apresentado por Zelensky no final de 2022 e nas resoluções da ONU sobre a invasão russa.
Este domingo, os participantes foram divididos em três grupos de trabalho: segurança nuclear, assuntos humanitários, segurança alimentar e liberdade de navegação no Mar Negro.
A secção de assuntos humanitários focou-se em questões relacionadas aos prisioneiros de guerra, detidos civis, internados e desaparecidos. Abordou também a repatriação de crianças ucranianas, retiradas pela Rússia dos territórios parcialmente ocupados.
As conversas sobre segurança alimentar analisaram a queda da produção agrícola e das exportações, com efeito cascata em todo o mundo, já que a Ucrânia era um dos celeiros do planeta antes da guerra.
E o Presidente do Gana, Nana Akufo-Addo, chegou a defender que África foi a maior vítima da guerra na Ucrânia, pelas consequências do conflito no comércio internacional de alimentos, com um aumento significativo de preços e da inflação.
Alemanha, Brasil, Coreia do Sul, Espanha, Israel, Quênia, Reino Unido, Tailândia e Turquia fizeram parte dos 30 países deste grupo.
Também o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, parece concordar com o Presidente do Gana e até defendeu que isso pode levar a que mais gente esteja do lado do documento final desta cimeira. É possível trazer mais países de diversos continentes para “o lado do direito internacional” sensibilizando-os para a questão da segurança alimentar.
“Todas as partes têm de ser chamadas. Nós podemos pôr do lado do direito internacional, do lado da soberania e da independência da Ucrânia, do lado da integridade territorial, todos estes parceiros se lhes mostrarmos, como lhes estamos a mostrar, que isto é crítico também para eles”, disse Rangel, que representou hoje Portugal numa ‘mesa-redonda’ sobre segurança alimentar, no segundo e último dia da cimeira realizada em Burgenstock, nos arredores de Lucerna, Suíça.
As discussões também abordaram a destruição de terras férteis durante a guerra e os riscos contínuos representados pelas minas e artefatos não detonados. A falta de segurança do tráfego marítimo no Mar Negro também contribuiu para o aumento dos preços.
O terceiro grupo analisou a segurança das centrais nucleares ucranianas, especialmente a de Zaporizhzhia, a maior da Europa, ocupada pelos russos. O objetivo era reduzir os riscos de ocorrência de um acidente.
Este grupo foi composto por Argentina, Austrália, França, Indonésia, Itália, Japão, México, Filipinas, África do Sul e Estados Unidos.
Até haver paz continuará a ajuda
Depois de ontem Kamala Harris ter anunciado mais um apoio à Ucrânia, hoje foi a vez da Noruega. O país nórdico anunciou que destinará 1,1 milhões de coroas norueguesas (cerca de 96 milhões de dólares) à Ucrânia para reparar as suas infraestruturas energéticas, danificadas pelo conflito local, e assim garantir o fornecimento de eletricidade no próximo inverno.
E vai ainda aumentar a sua ajuda à Ucrânia com mais 50 milhões de coroas norueguesas (4,3 milhões de euros) para a área da proteção civil, anunciou hoje o Governo do país nórdico.
Os recursos para a proteção civil serão fornecidos pelo Comité Internacional da Cruz Vermelha e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância.
“A guerra ilegal da Rússia contra a Ucrânia continua em pleno andamento. A Noruega está muito preocupada com a situação da proteção civil na Ucrânia e não está menos preocupada com a situação das crianças, razão pela qual está a aumentar os seus esforços de proteção”, disse o primeiro-ministro norueguês, Jonas Gahr Støre, citado no comunicado.
*Com AFP e Lusa