Se analisarmos os gráficos da valorização de algumas empresas cotadas em bolsa no último ano e meio, é fácil encontrar um padrão: na semana de 13 a 19 de março de 2020, muitas apresentam uma quebra significativa no preço das suas ações. Não é uma coincidência este ser precisamente o período que se seguiu à declaração do Covid-19 como uma pandemia, a 11 de março. No entanto, no caso da AMC, a maior cadeia de cinemas do mundo, o declínio já se verificava muito antes de um vírus aparecer e “encerrar” as suas salas por tempo indeterminado.

No início de 2017, as ações da empresa valiam cerca de 26 dólares. No período homólogo de 2020 (pré-vírus), o preço já estava nos 7 dólares, mesmo depois de a AMC ter apresentado, em 2019, 3.3 mil milhões de dólares em receitas, o melhor resultado dos quinze anos anteriores. Três fatores ajudam a explicar este fenómeno:

Para cobrir os custos que gerir 1.000 cinemas no mundo inteiro implica, a AMC tinha contraído um nível de dívida significativo, que colocava a autonomia da empresa em risco caso não a conseguisse pagar.

Havia, de ano para ano, menos pessoas a ir ao cinema e as receitas recorde só estavam a ser possíveis graças a uma subida de preços generalizada, também ela pouco sustentável e com um impacto negativo nas audiências do “grande ecrã”.

O streaming fazia com que cada vez mais pessoas decidissem ficar no conforto do seu sofá e que começassem a ser mais seletivas no tipo de filmes que realmente valiam a pena o esforço financeiro do cinema.

Como sobreviver à pandemia

2020 foi um ano dramático para a AMC, com um decréscimo de 80% nas suas receitas.

Por um lado, depois de meses de salas vazias, a recuperação da indústria praticamente não aconteceu. As portas voltaram a abrir no verão, mas a desconfiança dos clientes face ao perigo do vírus e o medo dos estúdios de Hollywood de lançarem um filme cujo orçamento não iam conseguir recuperar fez com que a situação difícil que AMC atravessava não melhorasse.

Por outro lado, a transformação digital que a maior parte dos negócios foi “obrigada” a fazer, não estava à disposição da empresa dado que o online já incluía os serviços (Netflix, HBO, Disney+) que eram os seus principais rivais (e onde muitos estúdios estavam a colocar os seus filmes para recuperarem o investimento). E, mesmo que quisesse ir por esse caminho, ia exigir um investimento que não tinha meios para fazer devido às restrições financeiras que já trazia do passado.

  • Solução: ir buscar financiamento para as suas operações aos mercados, emitindo mais ações da empresa para serem negociadas em bolsa. E foi isso que fez na segunda metade de 2020 e no início de 2021. Antes da pandemia, a AMC tinha cerca de 52 milhões de ações suas em circulação. Em junho de 2021, tem mais de 500 milhões.

Afinal, o segredo era ser um meme

No início de 2021, a história da GameStop encheu as capas de todos os meios de comunicação social. Resumidamente, aconteceu o seguinte:

  • Um conjunto de investidores anónimos identificou algumas empresas que tinham um elevado nível de short-selling: um número significativo de investimentos a apostar na sua desvalorização. Entre elas estava a GameStop (que se tornou o nome mais sonante), mas também outras como a Blackberry, a Nokia e, claro, a AMC. Estas ganharam a denominação de meme stocks, ações sem razão aparente para crescer sem ser o facto de se tornarem um dos tópicos mais discutidos nas redes sociais.
  • Comunidades de investidores individuais em plataformas como o Reddit, o Telegram e o Twitter começaram cada vez mais a incentivar o investimento nestas empresas, fazendo subir o preçodas suas ações e obrigando quem tinha investido “contra” a replicar o comportamento para minimizar as perdas.
  • De seguida, o valor destas empresas, sem que algo o justificasse, disparou e criou um frenesim nos mercados...

Na semana passada, foi a vez da AMC ter o protagonismo. Depois de anunciar que ia emitir mais ações para recolher 230 milhões de euros (que ia utilizar para expandir o negócio), o valor das ações da empresa atingiu os 72 dólares, levando a que passasse a valer mais 3600% do que aquilo com que tinha começado 2021 (chegaram a valer 2 dólares em janeiro). Dada esta volatilidade, surgiram novamente vozes a demonstrar preocupação com fenómenos como este e com os perigos que podem representar. 80% das ações da AMC, após sucessivas emissões, já estão nas mãos de investidores individuais e não de grandes fundos de investimento e, nos últimos dias, as transações de ações da AMC já ultrapassaram os 7 mil milhões de dólares (10x as receitas da AMC em 2020).

A AMC, por seu lado, não parece muito preocupada e deu indicações de até querer tirar proveito deste “movimento”. Para isso, criou o AMC Investor Connect, uma plataforma de comunicação com os investidores da empresa na qual estes terão direito a benefícios como pipocas grátis e convites para ante-estreias dos seus filmes favoritos.

No futuro… até existem boas notícias para o cinema e para a AMC. As campanhas de vacinação estão a dar confiança às audiências para se colocarem diante de um grande ecrã novamente e, nos EUA, as receitas de filmes como “Godzilla vs Kong” e “Quiet Place 2” já estão a atingir níveis pré-pandémicos.

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