“O ecossistema de empreendedorismo em Portugal está no bom caminho porque entendemos todos que o anterior ecossistema, que é bom saber que existia, já não tinha mais frutos para dar”, diz José Ribau Esteves, presidente Câmara Municipal de Aveiro ao SAPO24. O autarca, recentemente reeleito, foi o anfitrião do maior fórum de tecnologia a nível nacional, os Techdays. A iniciativa, criada pelo Instituto de Telecomunicações (IT) da Universidade de Aveiro, nasceu para acontecer uma vez, em 2015, mas Ribau Esteves viu algo que não podia morrer ali, que não podia ser pontual. Assim, a Câmara assumiu a organização do evento e o compromisso de o realizar anualmente. E porque como quem organiza tem de ser quem também lidera o ecossistema de inovação tecnológica e empreendedorismo que se vive em Aveiro, a Universidade de Aveiro (UA), o IT e os clusters com berço aveirense são convidados a integrar a organização.
Vivemos na era das startups e esse é um movimento que Aveiro conhece bem. Surgem novas empresas, fala-se de investidores e de pôr as ideias a andar. E com uma grande diferença: na economia pós-crise, pós-emprego para a vida, pós-too big to fail, as pessoas têm menos medo de arriscar. “Fazendo uma comparação com há seis anos, aquilo que nós fizemos foi muito arriscado. E não havia esta mentalidade de risco, do risco de avançar. E outra coisa que não havia eram meios. Nós tivemos o concurso de investimento Building Global Inovators, mas ou era o único ou era quase”, confessa Susana Sargento ao SAPO24.
Além de professora universitária, Susana Sargento é cofundadora da Veniam e venceu em 2016 o 1.º prémio Mulheres Inovadoras da União Europeia, que distingue mulheres com ideias de vanguarda. Hoje em dia as coisas são diferentes, diz-nos. “Agora há muito mais concursos de inovação, muito mais formas de financiamento. Talvez existissem antes, mas não eram conhecidas. Também quando comecei a entrar no meio percebi que ideias existiam, havia eram poucas que eles [os investidores] quisessem financiar”, explica Susana.
Mas se o paradigma mudou, muito se deve também à Universidade, explica-nos. “Do lado da Universidade houve uma grande abertura. E esse é um dos grandes objetivos, não é? É as universidades não servirem apenas para ensinar, para fazer investigação, mas existir também para formar pessoas, emprego fora da universidade”.
Os empreendedores mudaram. Antes “eram os filhos dos pais, eles próprios empreendedores, empresários que se fizeram do nada, e que na sucessão geracional criaram empreendedores”, diz José Ribau Esteves, sublinhando que atualmente existe “a consciência de que esse mundo terminou e que não é a ordem familiar ou genética que faz com que tenhamos empreendedores”.
Os papéis principais já não vêm da família, mas sim dos atores institucionais e dinamizadores. “O país, pelas universidades, pelos autarcas que têm permitido a entrada de players importantes para o desenvolvimento económico, as nossas escolas ... hoje temos programas de empreendedorismo no pré-escolar e no primeiro ciclo... Começa-se a trabalhar muito cedo deixando, no fundo a velha lógica de que alguém me há de arranjar emprego quando eu entrar no mercado de trabalho. E pondo-lhe uma lógica própria que é eu próprio, com as ideias que tenho, posso ser o agente da minha fonte de rendimento”, observa o presidente da Câmara de Aveiro.
É nesta lógica que o Techdays ganham um novo impulso. É assim que os corredores de dois pavilhões do Parque de Exposições de Aveiro ganham vida, enchem-se de stands com oportunidades de emprego, negócio e demonstração de ideias, daquelas futuristas, daquelas de quem arriscou.
Ao entrarmos no Pavilhão A, à nossa esquerda tínhamos um demonstrador 5G que a Ericsson trouxe pela primeira vez para Portugal. A tecnologia era, aliás, um hino deste fórum, sendo sucessivamente relembrado que Aveiro será a capital do 5G em Portugal, num projeto que junta a Ericsson à Altice Labs no desenvolvimento e aplicação de uma tecnologia que pretende saltar dos smartphones para o nosso quotidiano e diminui as latências de um mundo que funciona em rede.
Logo ao lado, a Altice Labs, parceira da equipa sueca no trabalho relacionado com o 5G, não se inibe também a mostrar o trabalho desenvolvido nesta tecnologia, com demonstrações e explicadores. Mas a ideia futurista também lá estava, junto ao 5G: o Smart Mirror. Um espelho que, para além de ser igual a tantos outros, nos permitia consultar as notícias, ver vídeos, o estado do tempo ou consultar a nossa agenda enquanto fazemos um gesto tão simples do nosso quotidiano como nos pentear ou vestir.
Se nos virássemos para direita , víamos o stand do Citibrain, um consórcio especializado na criação de soluções inteligentes para desafios globais e que apresentavam ideias para ligar uma cidade, colocar uma cidade a funcionar em rede, tudo à base de sensores que trocam informações entre si e nos dizem por onde podemos ir sem apanhar trânsito, onde podemos estacionar mais facilmente, quando é que os caixotes do lixo da nossa rua estão cheios e a Câmara ou Junta de Freguesia devem proceder à recolha.
Já a meio do pavilhão éramos agarrados por um sino. Viríamos a saber que aquela esplanada empreendedora montada no meio do Pavilhão A era destinada a encontros B to B e que o sino era o despertador para que se trocasse de par. No pavilhão B, a BEVERYCREATIVE, com as suas impressoras 3D, mostrava os objetos que podiam nascer, com base na fibra que a máquina juntava forma desejada.
A Bosch também se propõe tornar a nossa casa mais inteligente ao nível do aquecimento e conforto. Lema: inteligência. Eram várias as ideias que propunham atribuir inteligência à tecnologia na interação com o utilizador. O stand desta marca alemã de engenharia trazia à tona também outros fatores que enriqueceram os Techdays: tudo o que estava exposto tinha sido feito e desenvolvido em Aveiro. A 100%. “Todos os aparelhos que temos em stand são desenvolvidos do zero em Aveiro, as várias tecnologias: aquecimento com base em gás, aquecimento e ar condicionado com base em eletricidade e agora eletrónica e aplicações digitais para conectividade”, explica Sérgio Salustio ao SAPO24.
“No mundo Bosch, Aveiro já é conhecida. Devem imaginar que no mundo Bosch fala-se de Nova Iorque, Singapura, Xangai, de Estugarda... e de Aveiro. E realmente nós crescemos desde 2013 a 2017 nós passamos de 50 engenheiros em investigações para 184. E temos de continuar este crescimento até cerca de 250 pessoas em 2020”, relata Salustio, ele que também é um filho da terra.
São as pessoas, no final do dia são as pessoas
Tudo o que faz de Aveiro um ecossistema de inovação, empreendedorismo e tecnologia acaba por desembocar num ponto essencial: as pessoas.
“No final do dia o que conta são as pessoas, o que faz a diferença entre uma empresa e outra são as pessoas que trabalham lá, não são os equipamentos ou a maneira de trabalhar. E por isso nós damos muito valor a esta questão das pessoas. Por isso é que os Techdays são sobre negócios tecnológicos e o capital humano”, conta Carlos Alves, membro da direção da Inova-Ria, um cluster de inovação aveirense.
“Aqui [nos Techdays] permite-nos encontrar parceiros que em várias áreas trabalhamos em conjunto e conseguimos aqui melhorar a rede e potenciar novos negócios”, continua.
Esse acaba por ser um dos grandes motivos do Techdays também. A par da tecnologia, o capital humano. “Aquilo que nós viemos beber cá a Aveiro, basicamente é a disponibilidade de recursos, talentos e com isso começamos a fazer também o desenvolvimento dos nossos produtos cá em Aveiro”, salienta Salustio que sublinha a importância de um instituto como o de Aveiro para sublinhar a qualidade das pessoas e das empresas que aqui se podem encontrar, disponíveis para trabalhar, fazer parcerias ou negócios.
“A Universidade de Aveiro funciona como um centro de gravidade e portanto muitas destas pessoas de que aqui falámos, eu próprio sou da UA, passaram pela universidade, num momento ou noutro, e isso facilita de certa forma quando comparamos com outras cidades que têm diversos centros de gravidade. Quis a ocasião que fosse cá fundado laboratórios de empresas multinacionais de telecomunicações o que permitiu criar uma comunidade que já ultrapassa essas fronteiras, mas que continua ligada”, explica o diretor para o desenvolvimento da Bosch.
O impacto da universidade em Aveiro é muito diferente do maior exemplo estudantil português: Coimbra. Enquanto na cidade dos estudantes a vida gira muito em torno da Universidade de Coimbra, com a própria cidade dependente dos fluxos de estudantes, que, em maioria, saem da cidade após finalizarem os cursos, em Aveiro as pessoas vêm e ficam, não só os mais novos, como também os que vêm trabalhar para os centros de investigação e laboratórios que ou são da UA ou tiveram origem na UA.
Diretamente, a UA movimenta mais de 2000 pessoas entre docentes, investigadores e não docentes, técnicos administrativos e gestão. Mais os 14 mil alunos que atrai. Somando tudo isto estamos a falar de um impacto brutal na economia e quotidiano de uma cidade.
“No ato de criação da Universidade de Aveiro, o então ministro, Veiga Simão, determinou que as novas universidades, na qual a UA se incluía, tinham como missão contribuir para o desenvolvimento regional. Essa é a nossa matriz, o nosso ADN”, diz Manuel Assunção, reitor da UA ao SAPO24.
A universidade tornou-se um marco, mas o reitor sublinha que há um caminho muito grande a percorrer. “A UA ainda não está no topo, não está nas 100 primeiras universidades do mundo, mas penso que ainda há muita coisa a fazer. Eu sou uma pessoa muito apaixonada pelo futebol, mas vibro pouco porque quando o jogo acaba eu já estou preocupado com o resultado do jogo seguinte. Porque o mais importante é sempre o jogo seguinte. E isso também se passa com a Universidade de Aveiro”, explica.
A universidade não está exclusivamente em Aveiro, e conta com pólos também em Águeda e Oliveira de Azeméis. Tal distribuição tem contribuído para que tanto como Aveiro, também se fala da região que, em rede, quer ganhar um nome no mapa.
A RedeRia, uma empresa centrada na prestação de serviços na execução de projectos e na instalação e manutenção de redes de telecomunicações, telemetria e controlo, é também exemplo disso. Mudou a sua sede para Vagos, na periferia da zona de Aveiro, depois de 13 anos no centro de Aveiro.
“Estávamos num local muito central, perto da universidade e dos clientes. Com o crescimento da empresa passamos a ter uma componente logística importante e isso obrigou-nos a abrir um pequeno armazém. Começámos por estar em Esgueira, voltámos para a cidade de Aveiro e depois acabámos por ir para Vagos”, explica David Cartaxo, diretor executivo da empresa. “Para nós estar em Aveiro ou em Vagos é igual”, acrescenta, sublinhando que o trabalho comercial é feito a partir da nossa sede em Vagos, mas é feito por todo o país. “Os nossos comerciais, temos duas pessoas em Lisboa e quatro pessoas aqui em Aveiro, fazem o país todo e deslocam-se aos clientes. Por isso a questão de termos a porta aberta em Aveiro, não se coloca”, diz David, salientando a boa rede que Aveiro mantém com as empresas que se sediaram em seu redor.
Carlos Alves teme quando se fala só de Aveiro, afirmando ter medo que “isso acabe por afastar outras pessoas da região”. “Eu acho que temos de pôr o enfoque numa região. O grande problema que nós temos em Aveiro é a comunicação, as pessoas de fora não sabem que é uma cidade de inovação. É preciso que as outras pessoas reconheçam isso. Não basta dizer nós temos inovação. Temos que colocar a cidade no mapa. Não pode ser Aveiro, tem de ser a região. E assim criar uma política que faça as pessoas pensarem em Aveiro quando querem vir para Portugal. Nós, por exemplo, temos uma empresa suíça que veio para Aveiro porque houve empresas aveirenses, da Inova ria, que foram à Suíça e que mostraram que cá a mão de obra qualificada é mais barata. E eles vieram para cá. Temos é de pensar numa escala de região. Ainda na quinta-feira esteve cá o Comissário Europeu Carlos Moedas e ele falava em região. Aveiro, em si, na Europa não é nada, tem que ter mais peso e para ter peso tem de juntar. O Techdays é uma forma de fazer isso”, sublinha o vogal da direção da Inova-ria.
Em rede, durante três dias, entre 12 e 14 de outubro, cerca de oito mil pessoas juntaram-se para discutir a tecnologia e a inovação. A necessidade do capital humano e o papel da Universidade na região. Foram três dias para ajudar a colocar a região de Aveiro no mapa.
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