Nasceu no Arizona, é filha de imigrantes nigerianos e diz que nunca "encaixou na narrativa" que a sociedade — e a comunidade — tinham escrito para ela. Questiona-se sobre o que a levou a criar aquele que diz ser "o maior movimento na história dos EUA" e atribui muito do mérito aos ensinamentos que os pais lhe deixaram.

"Sou a filha de imigrantes nigerianos, nasci no Arizona, era suposto ser engenheira ou médica, mas eu não encaixava na narrativa e parte disso foi porque os meus pais me ensinaram sobre o poder de uma rede, de uma comunidade que olha pelos seus, ensinaram-me a amar e ter orgulho de nós próprios, apesar de uma sociedade que nos tenta convencer do contrário", conta a ativista pelos direitos humanos. 

Foi ao ver os pais a moverem-se "com orgulho e dignidade" num ambiente que lhes era hostil, sem baixar a cabeça, que aprendeu a ser uma "mulher com orgulho" em si mesma. E foi a clareza sobre quem é que a fez juntar-se a mais duas mulheres para criar a plataforma Black Lives Matter.

importante que tenhamos o impacto que merecemos. Não era suficiente para nós acreditar, sentir e dizer que as vidas negras importam, tínhamos de criar a infraestrutura para conseguir mostrar que as vidas negras importam", conta. 

O objetivo resume-se numa linha: "estar juntos, amplificar as nossas vozes e as nossas histórias". Porquê? "Porque as vidas negras importam. Elas sempre importaram".

O movimento nasceu em 2013, na sequência da absolvição de George Zimmerman, um vigilante de bairro voluntário na cidade de Sanford, na Flórida, pela morte a tiro de um jovem afro-americano de 17 anos, Trayvon Martin, quando este saía de uma loja de conveniência. 

"Primeiro comprámos o domínio blacklivesmatter.com e depois criámos a página de Facebook e Instagram. Eu não sabia quais seriam as várias formas em que ia usar esta plataforma; eu não sabia que depois de Trayvon haveria muitos outros [como George Floyd], mas eu sabia que precisávamos de ter impacto".

Ayo Tometi assume como sua "honra e responsabilidade" garantir que este continua a ser "o maior movimento na história dos EUA" — ainda que muitos procurem, diz, negar ou esconder esta realidade. "Nós merecemos, a nossa comunidade merece, um mundo melhor, um mundo em que não somos sufocados até à morte em frente a câmaras", disse, numa referência à morte de Floyd. 

Mas o percurso não é isento de desafios, lembra, enunciando a "apatia doentia" que afeta muitos, os trolls da Internet e mesmo o FBI, "que criou o termo 'extremistas de identidade negra' para pessoas como eu".

Ainda assim, Ayo Tometi assegura que "o status quo não tem de ganhar". "Eu posso ter fé em nós e nós podemos ter fé uns nos outros (...). Pessoas que têm a audácia de viver reconhecendo que as vidas negras importam, nós somos a maioria", disse. 

Em Lisboa, perante uma audiência de empreendedores, a ativista salientou que "quando as pessoas negras lideram, quando ganham, quando as vidas negras importam, nós criamos um mundo onde todos beneficiam, onde diferentes pessoas e movimentos encontraram a sua voz".

E é por isso que se diz "entusiasmada com o momento que vivemos, em que a tecnologia consegue levar mais longe a conversação. Então, a questão que coloco a todos é: porque é que estão aqui, nesta conferência? Quem vão ser vocês depois desta conferência, em que lado da História estarão? Eu acredito que nós somos aqueles por que temos esperado e temos a oportunidade de acelerar a implementação dos nossos valores".

"O tempo é agora", reiterou. 

Ayọ Tometi volta a subir ao Palco Principal da Web Summit no dia 3 de novembro, pelas 11h20, para uma conversa com Nicholas Thompson, CEO da The Atlantic.

A Web Summit arrancou hoje em Lisboa e a organização espera cerca de 40 mil participantes, entre startups, investidores, empreendedores e jornalistas.

Entre os vários oradores, destaca-se a presença da denunciante Frances Haugen, a ex-funcionária do Facebook que divulgou uma série de documentos que deram origem a uma investigação do Wall Street Journal e a uma audição no Senado norte-americano sobre os efeitos negativos do Instagram nas adolescentes; Tom Taylor, responsável pela assistente virtual da Amazon, a Alexa; a portuguesa Daniela Braga, fundadora da DefinedCrowd (agora Defined.Ai), que foi convidada para integrar a task-force da Administração de Joe Biden para a estratégia da inteligência artificial; David Simas, o lusodescendente que é CEO da Obama Foundation e que foi vice-assistente do ex-presidente dos EUA; a comediante Amy Poehler; o presidente da Microsoft, Brad Smith; entre muitos outros.

A Web Summit decorre até 4 de novembro.