O TikTok está proibido no Parlamento Europeu desde segunda-feira, 20 de março, e os funcionários da instituição não podem ter a app nos seus computadores e telefones de trabalho ou até pessoais, no caso de estarem registados como dispositivos móveis junto dos serviços. A medida já tinha sido adotada pelo Conselho e pela Comissão, mas há quem queira ir mais longe e já se fala em banir da Europa outras aplicações chinesas e até empresas tecnológicas.
Para o deputado europeu holandês Bart Groothuis, relator do processo negocial que levou à revisão da diretiva sobre segurança das redes e sistemas de informação, o que está em causa é a segurança da Europa, "proteger os cidadãos e as empresas das ameaças crescentes na Internet", diz ao SAPO24.
A monitorização feita pelas autoridades é constante, e o TikTok pode ser apenas a primeira aplicação a ser proibida. "Se o TikTok é uma preocupação de segurança, por que motivo a WeChat ou a QQ Weibo, entre outras, não são também um problema?", questiona Bart Groothuis. E vai mais longe: "Acredito que não devíamos permitir que a Huawei ou a ZTE estivessem no centro das nossas redes de telecomunicações".
No ano passado, e por ordem, a WeChat (5.º), o TikTok (6.º), a Douyin (9.º), a Kuaishou (10.º), a Sina Weibo (11.º), a QQ (13.º) estavam entre as plataformas sociais mais usadas no mundo. A Telegram (russa) ocupava o oitavo lugar.
O eurodeputado, especialista em cibersegurança, faz parte do Grupo Renovar a Europa, o terceiro maior grupo político no Parlamento Europeu, e diz que "é preciso eliminar o risco". E é isso que as instituições da União Europeia estão a fazer; primeiro a Comissão Europeia e o Conselho da União Europeia, depois o Parlamento Europeu, o Conselho das Regiões e o Conselho Económico e Social.
Então e a Google, o Facebook ou o Twitter, não são uma ameaça?
Porquê eliminar as aplicações chinesas e não as americanas, que também fazem recolha de dados, ou outras? A pergunta tem sido feita por especialistas, leigos e políticos. Ainda há dias o grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia questionou a Comissão, já que "outras aplicações, como o Facebook, o Instagram, o Twitter e o YouTube, podem aceder a dados. Por exemplo, a plataforma iOS da Apple não permite que os utilizadores restrinjam o acesso à câmara ou ao microfone quando a aplicação está a ser usada".
Assim, pede à Comissão que esclareça: "O que pode a Comissão fazer para garantir que sistemas operacionais como o iOS da Apple e o Android da Google ofereçam aos utilizadores opções de consentimento detalhadas e específicas sobre como e quando uma aplicação pode aceder ao microfone e à câmara do dispositivo e aos dados pessoais armazenados?" ou "Serão implementadas medidas para dar acesso a investigadores independentes a estudar e avaliar a adequação de medidas de segurança e proteção de dados do iOS e Android?" ou ainda "Está planeado proibir o acesso a outras app em dispositivos oficiais?"
Estas perguntas ainda não têm resposta, mas um porta-voz da Comissão Europeia disse ao SAPO24 que "a Comissão monitoriza continuamente o desenvolvimento de questões de segurança e riscos relacionados com plataformas de social media ou outro tipo de aplicações".
Do Parlamento Europeu igual resposta: "O Parlamento revê continuamente as suas medidas de cibersegurança em estreita cooperação com outras instituições da UE. As ameaças e ações que podem ser exploradas por ciberataques contra o ambiente corporativo estão permanentemente sob vigilância. Também os serviços relevantes monitorizam e avaliam todas as possíveis violações de dados relacionadas com a aplicação e outras app semelhantes".
Bart Groothuis, que é também membro da Comissão Especial sobre a Ingerência Estrangeira em Todos os Processos Democráticos na União Europeia, incluindo a Desinformação, e o Reforço da Integridade, da Transparência e da Responsabilização no Parlamento Europeu, lembra que "a China tem um programa de espionagem ofensiva contra a Europa. E não tem supervisão democrática. E, ao contrário da China, da Rússia ou do Irão, os Estados Unidos não têm legislação que obrigue as empresas ou cidadãos a entregar informação ao governo" se este o exigir. "Além de que EUA não têm uma visão revisionista da ordem mundial liberal".
Não existe, no entanto, qualquer estudo conhecido ou publicado a fundamentar a decisão das instituições europeias de suspender o TikTok ou que comprove que está aplicação é mais perigosa do que outras. Também a Polícia Judiciária portuguesa e o seu departamento de cibersegurança desconhecem qualquer estudo ou recomendação neste sentido. "Por motivos de segurança, não comentamos mais sobre detalhes de segurança operacional", explica uma porta-voz do PE. E é tudo.
Nem todos vão seguir as recomendações à letra
O deputado europeu do CDS, Nuno Melo, confessa-se "um hiper-amador tiktokeano". No entanto, acredita, "se recebo uma comunicação oficial do Parlamento, presumo que os serviços responsáveis pela segurança de dados avaliaram o risco e decidiram assim por considerarem que o risco é real. Sou uma pessoa disciplinada e acho que cada um deve ser responsável pela sua função. Eu, disciplinadamente, acato a decisão dos serviços".
Nuno Melo tem a aplicação TikTok instalada no seu iPhone pessoal mas, ainda que as instituições europeias o recomendem, não faz tenção de a desinstalar, pelo menos para já. E explica que o aparelho não está ligado em rede, "não está sincronizado com o meu Outlook", pelo que não haverá problema.
"O Parlamento tem o poder de dizer às pessoas que nas plataforma do Parlamento, e porque estão em rede, não devem ter instaladas determinadas aplicações. Coisa diferente são os dispositivos pessoais que não estejam em rede, aí é uma opinião pessoal".
"Vou avaliar, mas, enquanto não tiver uma certeza... Risco há em tudo, é uma questão de proporcionalidade. Se existir evidência científica validada quanto ao risco, retiro. Se não, não". Ainda por cima, o CDS está neste momento a apostar na comunicação do partido através desta ferramenta, dirigida sobretudo a um público mais jovem.
De resto, pergunta: "Então e as aplicações russas, como o Telegram e outras?" E recorda que "a maior parte das pessoas tem acesso aos iPhones através da impressão digital, que é dos nossos dados mais reservados. Isto para dizer que as impressões digitais de milhares de portugueses estão num banco de dados americano, com toda a certeza". A questão da cedência de dados biométricos é levantada por muitos.
Além disso, afirma, "o facto de serem empresas privadas ou os governos a deter a informação é indiferente, pelo menos para efeitos de proteção de dados. A lei é igual para públicos ou privados".
Estima-se que 22,3 mil milhões de dispositivos estarão ligados à Internet em todo o mundo até 2024.
Os eurodeputados consideram que o nível de sensibilização para a cibersegurança entre indivíduos e empresas continua reduzido e que existe uma escassez de trabalhadores qualificados no setor. As capacidades de cibersegurança também são heterogéneas entre os Estados-membros, isto devido à falta de acordo da UE sobre a colaboração em ciberinformação e resposta coletiva contra ciberataques e ataques e híbridos.
O cibercrime tem um custo anual para a economia superior a 5,5 mil milhões de euros, estima a Comissão Europeia. De acordo com a Agência da União Europeia para a Cibersegurança (ENISA), as seis áreas mais afetadas são a administração pública/governo (24% dos incidentes relatados), os prestadores de serviços digitais (13%), o público em geral (12,4%), o setor dos serviços (11,8%), o setor financeiro/bancário (8,6%) e a saúde (7,2%).
Na opinião de Bart Groothuis, que no seu partido é porta-voz para as áreas da defesa, tecnologia, geopolítica, energia, indústria, digitalização e cibernética, "esta é uma discussão que deveria ser tida também nos parlamentos nacionais" dos 27 Estados-membros. Em Portugal, contudo, ela tem estado afastada da Assembleia da República.
O que não deixa de ser estranho, até pela quantidade de deputados, políticos e funcionários com TikTok instalado em dispositivos móveis (de telefones a tablets, passando por computadores portáteis e relógios inteligentes). A partilha de dados existe, cada vez que alguém acede a estas plataformas dá informação sobre o utilizador e terceiros. E é esta leitura global que interessa a quem regista estas dados, é isso que dá poder aos donos das aplicações.
A Índia proibiu o TikTok em 2020, por razões de segurança, e desde então vários países têm vindo a eliminar a aplicação dos dispositivos governamentais, como aconteceu nos Estados Unidos, na União Europeia, no Canadá, na Dinamarca ou, na sexta-feira passada, na Nova Zelândia.
Comentários