No último sábado, enquanto muitos portugueses procuravam uma praia, sombra ou refresco para se protegerem da onda de calor que assolou o país neste fim de semana, Elon Musk anunciava um novo rol de mudanças e limitações no Twitter devido a "problemas de segurança". Mais concretamente, ainda que sem explicar métodos de contagem ou previsão para o fim destas novas medidas, detalhou num tweet que:
- As "contas verificadas" só podiam ler/ver até 6.000 publicações por dia;
- As "contas não verificadas" só podiam ler/ver até 600;
- Estes limites iriam subir gradualmente duas vezes: primeiro para 8.000 e 800, respetivamente; e depois para 10.000 e 1.000, respetivamente.
Antes disso, segundo a Axios, hashtags como "TwitterDown" e outras viraram tendência na "Twittosfera" norte-americana, ao mesmo tempo que milhares de pessoas reportavam problemas ao site Downdetector, plataforma que faz a monitorização de falhas em sites.
- Nota: desde sexta-feira que já havia sinais de revolta nos feeds após ter sido comunicado que seria necessário efetuar login (ou novo registo) para ver/ler tweets (algo nunca pedido em todos estes anos).
Durante o fim de semana, multiplicaram-se as queixas e imagens (neste caso, screenshots) de utilizadores a mostrar que tinham atingido os novos limites. De acordo com o The Guardian, em algumas situações bastava esperar um pouco e atualizar as timelines para ultrapassar a situação, ao passo que outros utilizadores não puderam ver mais tweets durante o resto do dia (após excederem o limite).
- As mudanças não afetam só os utilizadores. Ironicamente estão a afetar também o funcionamento normal da TweetDeck (aplicação oficial para desktop do Twitter) que tem estado a sofrer com as consequências das novas regras.
- Por falar em TweetDeck: o Twitter anunciou esta segunda-feira que a plataforma, muito utilizada por marcas e profissionais, levou um duplo-update: além de estar de cara lavada, a partir de agosto, só vai estar disponível para perfis que assinem o Twitter Blue.
Alternativas crescem
Depois, por aquela que parece ser enésima vez nos últimos meses, aconteceu aquilo que a este ponto já parece rotina: entoaram-se críticas à gestão de Musk e escreveram-se mais uma ronda de notícias a dar conta que os utilizadores estavam a abandonar o Twitter e a procurar alternativas na linha de sucessão pelo trono do microblogging.
- A Bluesky, rede social descentralizada sobre a qual já falamos por aqui e que conta com o apoio de Jack Dorsey, o fundador do Twitter, foi obrigada a suspender temporariamente novos registos devido à elevada procura;
- A Mastodon, que é igualmente uma plataforma descentralizada, segundo uma conta que rastreia os novos registos, angariou 65 mil novos utilizadores nas últimas 24 horas (no total, segundo a mesma fonte, a plataforma já conta com mais de 13 milhões de contas).
- A Spill, app criada por ex-trabalhadores do Twitter, que lançou uma versão beta fechada apenas há umas semanas, sugeriu que 100 mil pessoas criaram uma conta durante este fim de semana.
- A Post, uma alternativa ao Twitter focada nos meios de comunicação social, segundo o TechCrunch, viu crescer a atividade dos utilizadores em quatro vezes e os novos registos aumentaram cerca de dez vezes (embora não revelasse números exatos).
Pondo tudo isto, falta fazer a grande questão: porquê? A explicação foi dada pelo próprio Musk, que noutro tweet frisou que estes "limites temporários" foram impostos para lidar com os "níveis extremos de recolha de dados" e a "manipulação do sistema". Mais especificamente, indicou que "quase todas as empresas que fazem IA [inteligência artificial]" estão a retirar "grandes quantidades de dados" do Twitter (prática conhecida no meio como "data scrapping"), o que estava a obrigar a rede social a reforçar a sua rede de servidores — o que, naturalmente, acarreta custos para a empresa.
- Recorde-se que as ferramentas de IA generativa, como o ChatGPT e outros, baseiam-se em modelos linguísticos (LLM), que são "treinados" com grandes quantidades de dados retirados de sites como a Wikipédia, o Twitter e o Reddit.
No entanto, há quem não esteja totalmente convencido com esta justificação oficial. Segundo o The Guardian, existe quem acredite que a limitação também acontece por outras razões. Nomeadamente, que se trata de uma maneira de forçar os utilizadores a aderir ao serviço Twitter Blue, que, enquanto as "limitações temporárias" estiverem em vigor, permite ver até 10.000 tweets por dia.
- Uma adesão difícil. Segundo as estimativas da Mashable, apesar do esforço e da campanha agressiva de Musk, "apenas" 640.000 a 680.000 contas aderiram ao Twitter Blue até ao final de abril. Em jeito de comparação, de acordo com a Axios, o Snapchat+ ultrapassou os 4 milhões de subscritores só no primeiro ano.
Se as mudanças e restrições foram totalmente inesperadas? Dificilmente. Desde que comprou o Twitter em outubro passado, Musk tem sido bem vocal relativamente ao facto de não gostar da maneira como muitos terceiros se comportam. Basta lembrar que no início deste ano começou a cobrar pelo acesso à sua API e acusou a Microsoft de abusos e de utilizar indevidamente os dados da plataforma.
O futuro
As redes sociais, que vivem da publicidade, arranjam todo o tipo de artimanhas para manter os seus utilizadores ativos (para depois exibir métricas pomposas e puxar pela carteira dos anunciantes). Esta é a norma da indústria. Porém, Musk está a fazer exatamente o contrário ao limitar o tempo que as pessoas podem passar na plataforma. O que é estranho.
O Twitter não é diferente das outras congéneres e precisa das receitas de publicidade. Musk está bem ciente disso — daí ter contratado uma CEO com perfil e carreira no mundo do marketing para tentar recuperar as marcas e aumentar as vendas de anúncios. Mas quando faz peripécias como as deste fim de semana, arrisca-se a que no futuro o êxodo dos utilizadores não seja a única preocupação.
De momento, os novos concorrentes ainda não são produtos acabados nem alternativas viáveis. No entanto, com o "Twitter" da Meta (a dona do Facebook), chamado "Threads", que oportunamente deverá ser lançado a 6 de julho nos EUA de acordo com a listagem da App Store e as notícias que saíram durante esta madrugada, o caso pode ser bem diferente. É uma aplicação supostamente independente, mas que está umbilicalmente ligada ao Instagram. Ou seja, pelo que se diz e supõe, os dados vão ser importados do Instagram para que os utilizadores consigam seguir e acompanhar os seus amigos mais facilmente. A par, não vão ser necessárias grandes apresentações ou explicar o que é uma aplicação descentralizada ao utilizador comum. Vai ser só fazer login com Instagram para ter acesso a algo muito semelhante ao que agora já tem no Twitter.
E, sim. Não é propriamente novidade que, nos últimos anos, a Meta tem dado vários tiros nos pés. A sucessiva tentativa de copiar plataformas populares como Clubhouse, Substack e Amazon tem corrido francamente mal — aliás, esta "Threads" era para ser a resposta ao Snapchat e foi deixada a meio; aproveitou-se foi o nome que já existia. Porém, neste caso, a fome por uma alternativa ao Twitter parece ser tal que o facto de "estar presente" no "sítio certo à hora certa", pode ser suficiente.
Se o mundo precisa que a Meta e Zuckerberg tenham no seu grupo mais uma rede social a dominar o planeta? Não, de todo. Mas se Musk não mudar a forma de liderança e o tom, e continuar a forçar o Twitter Blue, é exatamente isso que vai acabar por acontecer.
Comentários