Miguel Santo Amaro foi fundador de uma das startups com maior visibilidade na última década, a Uniplaces, e depois disso tornou-se investidor e fundou uma nova startup durante a pandemia. Hoje, com a experiência que acumulou de construir e vender ideias de negócio, acredita mais na razão do que na paixão.
"Tentei sempre estar perto dos negócios", refere, ao recordar o percurso que o levou a estudar em Inglaterra, primeiro, e nos Estados Unidos, depois. A motivação inicial para trabalhar nas áreas de empreendedorismo social esbateu-se no confronto com a realidade que encontrou em algumas soluções, nomeadamente no Bangladesh, onde fez um estágio num projeto de Muhammad Yunus.
Ao invés, o mestrado em Finanças que fez em Harvard levou-o a contactar com negócios como a Alibaba, fundada por Jack Ma, visiting professor na universidade americana ainda antes da projeção internacional que entretanto ganhou, e ter um novo estágio na China, onde conheceria Mariano Kostelec, que se tornaria a par com Ben Grech, que conhecera em Londres, co-fundadores da Uniplaces.
Contrariamente a várias histórias de startups, a Uniplaces não nasceu de um momento "eureka", tendo sido ativamente procurada e escrutinada pelos três sócios. Tudo começou com algumas semanas de brainstorming de ideias em Viana do Castelo, numa casa da família de Miguel Santo Amaro, onde colocaram no papel várias propostas para fundar uma empresa.
O objetivo dessa espécie de retiro era exatamente esse: sair de lá com uma ideia de negócio em que acreditassem para fundar uma startup.
"Começámos de uma forma bastante atípica. A Uniplaces nasce de um problema muito específico, a falta de alojamento para estudantes universitários, e queríamos criar uma solução para um problema que de facto existia". O sublinhado – "um problema que de facto existia" – não é inocente em Miguel Santo Amaro. Como empreendedor, acredita que a "graça da inovação decorre de não escolhermos os problemas que queremos atacar".
E a proposta da Uniplaces, afirma hoje Miguel Santo Amaro, "nem era a melhor" das várias que debateram naquelas semanas. Mas foi aquela que teve uma primeira reação positiva de investidores. Mais concretamente da Shilling, presente no pitch que realizaram num concurso universitário, o BET, organizado pela Universidade Católica.
Outra curiosidade desse tempo é que a Uniplaces – que se propunha resolver o problema do alojamento para universitários – não era para arrancar em Lisboa, mas em Londres. Uma pessoa fez os fundadores mudar de ideias: João Vasconcelos, então à frente da Startup Lisboa, que os persuadiu a começar o projeto na capital portuguesa.
Apesar de muita visibilidade e de se ter tornado uma marca de referência quando se falava em startups na segunda década século XXI, a Uniplaces não escalou enquanto projeto. Os fundadores acabaram por contratar uma equipa de gestão e, para Miguel Santo Amaro, essa é uma opção que qualquer startup deve ter em aberto.
"Lembro-me de, no início de 2012, começávamos muito as conversas a tentar definir o que é uma startup. Nem todos os negócios têm de ser startups e nem todas as startups têm de angariar capital, são mitos que são importantes desmistificar".
Em 2019, decidiu integrar a equipa da Shilling como investidor, uma decisão que considera natural para quem realiza o percurso empresarial em startups.
"A minha entrada na Shilling representa, no fundo, esta necessidade de aprendizagem", conta. "Há muito a perspetiva de dark side versus white side e eu queria saber como funciona o outro lado e como se pode encontrar forma mais justa de redistribuir os resultados do investimento pelos empreendedores".
O que não significa que se tivesse afastado da frente ativa de negócio – e a prova disso foi a Coverflex, fundada em plena pandemia e que é hoje o projeto que lidera. "Mais uma vez, partimos de um problema que tinha sido identificado por um dos nossos sócios na área dos seguros e que passava por criar alternativas às empresas na forma como renumeram os colaboradores", contextualiza.
A equipa fundadora reúne Luís Rocha, Miguel Santo Amaro, Nuno Pinto e Rui Carvalho
e tem como "grande visão" ser "o banco das pessoas". Pelo meio, Miguel Santo Amaro, um confesso adepto da vida de escritório, passou pelo desafio de criar uma empresa remotamente e ter de aprender a criar uma cultura que não passa pela presença física.
A Coverflex acabou por crescer durante os anos da pandemia no contexto de um novo mundo do trabalho. Que é também o cenário em que a startup acredita que pode ter uma palavra a dizer oferecendo uma alternativa às empresas no que respeita à forma como pagam benefícios, seja o cartão de refeição, a creche ou os seguros, um problema que a startup considera suficientemente grande para que uma solução inovadora possa ter sucesso.
"É muito engraçado ouvirmos as pessoas dizer ‘sigam a vossa paixão’. É o politicamente correto, mas tenho algumas dúvidas. Não sei se a paixão vem pela área de negócio, acho que temos de encontrar a oportunidade certa", defende.
É por pensar assim que não acredita que exista uma fórmula do sucesso para quem lança uma startup ou um negócio. "Devemos ser o melhor do mundo a resolver um problema e não o mais apaixonado", afirma, "respondendo à pergunta nature versus nurture, é 99% de esforço como dizia o Einstein".
Em 10 anos, muito mudou, desde o tempo em que os sócios da Uniplaces tinham de explicar o que era uma startup. "Hoje temos várias pessoas em Portugal que querem ser os Cristianos Ronaldos da tecnologia. Acredito que nos próximos 10 anos teremos mais marcas globais com ADN português".
Há algum elevador que demore 5 minutos?
Como fundador de duas startups e também como investidor, Miguel apresentou e ouviu apresentações de centenas de empresas. Seja num elevador ou numa sala de reuniões, saber apresentar uma ideia de negócio é fundamental para quem quer criar uma empresa.
Dessa experiência reteve algumas lições sobre como aproveitar bem os curtos minutos que podem decidir a sorte de uma empresa, nomeadamente no que respeita ao financiamento.
"Há muito poucos elevadores que demoram 5 minutos", começa por brincar Miguel Santo Amaro, quando questionado sobre como fazer um bom "elevator pitch". Começando pelo tempo de atenção com que se pode contar. "É muito menos que um elevator picth e muito pouca gente o vai fazer num elevador", ri.
"A apresentação aos investidores acaba por ser uma venda comercial. Não é uma venda a um cliente, mas é uma venda a um sócio", afirma. E, da mesma forma que deve haver trabalho de casa para conhecer um cliente, o mesmo se aplica quando se trata de encontrar um investidor. "Muitas vezes o investidor coloca-se no papel do potencial cliente e avalia se a pessoa consegue ou não fazer a venda da solução".
Pode haver muitas inspirações para uma ideia de negócio, mas uma regra de ouro é ter a certeza que a empresa que se está a criar tem uma solução melhor, mais conveniente ou mais barata para um problema que existe. "É o que se chama a trilogia da apresentação, a combinação de equipa, mercado e produto".
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