Nos últimos 20 anos, a proliferação da tecnologia transformou radicalmente quase todos os aspetos da nossa vida; desde como compramos produtos, discutimos política, formamos relacionamentos e conduzimos o nosso trabalho. No centro dessa mudança está um pequeno número de empresas que compreenderam as possibilidades da Internet amplamente disponível e as transformaram em grandes geradoras de riqueza e conhecimento. Entre elas, Google, Apple, Facebook e Twitter controlam e recolhem quantidades sem precedentes de informação sobre a atividade humana e transformam-nas em produtos e serviços que impulsionam o crescimento comercial global.
De acordo com um relatório do Kings College London, o grande poder destas empresas reside na informação que nós, enquanto utilizadores, fornecemos. O Google pode usar dados de deteção e imagem, análise preditiva e software de mapeamento para, por exemplo, colocar carros sem motorista nas estradas. O Facebook é capaz de analisar e prever sentimentos pela forma como as pessoas comunicam. A Apple, através da utilização das suas aplicações e mecanismos de pagamento, sabe como e quando comunicamos com a nossa mãe, o banco ou o chefe. Em conjunto, estas empresas também tomam decisões por nós, como quais as primeiras notícias que vemos pela manhã, quais serviços nos são recomendados primeiro e como as nossas histórias e memórias são mostradas ao mundo.
O acesso e a construção de informações deram poder a estas corporações globais. Mas, como sabemos, poder implica grande responsabilidade. Todos nós vimos recentemente como essa responsabilidade pode desempenhar um papel na sociedade, não apenas enquanto ferramentas de comunicação, mas como potentes meios de ação. Quão grandes se tornaram, realmente, as empresas de tecnologia?
De acordo com a lista da Forbes, Apple, Google e Microsoft encontraram-se entre as três primeiras das marcas mais valiosas do mundo em 2020, e com uma receita média de mais de 177,2 mil milhões de dólares [cerca de 147,3 mil milhões de euros], representando um valor superior ao PIB da maioria dos países do chamado "terceiro mundo".
Graças à Internet, as maiores empresas tecnológicas têm acesso a quase 4,66 mil milhões de utilizadores ativos em todo o mundo. O número de utilizadores do Google é de quase quatro mil milhões, do Facebook cerca de 2,7 mil milhõese o Twitter conta 330 mil milhões de utilizadores ativos mensais. Ou seja, o alcance e a influência da Internet e da comunicação social são extremamente poderosos.
Um estudo da Pew Research afirma que cerca de uma em cada cinco pessoas acede a notícias de política principalmente através das redes sociais. O estudo também concluiu que aqueles que o fazem tendem a ser menos informados e têm maior probabilidade de serem expostos a afirmações não comprovadas do que as pessoas que obtêm notícias de fontes tradicionais.
Em comparação com outros meios de informação, influência das redes sociais nas campanhas políticas aumentou de forma relevante. Cada vez mais, as redes sociais desempenham um papel importante na política eleitoral, especialmente nos Estados Unidos. Isto foi observado pela primeira vez na candidatura de Howard Dean em 2003, depois na eleição do presidente Barack Obama como o primeiro presidente negro da América em 2008, e mais uma vez na campanha de Donald Trump no Twitter.
A eleição do presidente Donald Trump foi talvez o exemplo mais evidente em todo o mundo de como as redes sociais podem ajudar a transformar fundamentalmente a sociedade humana. As redes sociais e outras ferramentas de tecnologia foram criadas para as pessoas comunicarem entre si com mais facilidade, mas também ajudaram na criação de organizações sociais com uma influência surpreendente entre grupos antes marginalizados.
Esta capacidade dos gigantes tecnológicas provou ser influente o suficiente para fazer ou desfazer um presidente, chegando a silenciar líderes governamentais, como vimos no início deste ano quando várias destas empresas bloquearam unilateralmente o agora ex-presidente Donald Trump de utilizar os seus serviços após um motim violento no edifício do Capitólio dos EUA. As redes sociais procederam a este bloqueio alegando que as suas mensagens ameaçavam a democracia e incitavam ao ódio e à violência.
Banir o ex-presidente Trump do Twitter e do Facebook está entre as maiores ações que empresas de tecnologia já realizaram e é o mote para o debate em torno da liberdade de expressão e da violência política.
Empresas mais pequenas também aderiram à ação nas suas plataformas. A Shopify, que fornece software de loja online, fechou duas lojas associadas ao Trump. A Zendesk e a Okta, que fornecem serviços comerciais de back-end, anunciaram que pararam de trabalhar com o Parler, rede social onde grande base de apoio do ex-presidente se encontrava e que entretanto foi desativada por força da Amazon, que a retirou dos seus servidores. O Reddit proibiu no seu site um grande grupo de apoiadores de Trump. O TikTok também proibiu alguns vídeos em que se via o próprio a falar.
Também outras corporações de relevo, como franchisados de hotéis ou bancos em Wall Street, ameaçaram retirar as suas contribuições aos políticos acusados de ajudar a incitar o motim em Capital Hill.
A proibição de um presidente de estado e as repercussões políticas de financiamentos corporativos causaram alguma preocupação na Europa. O comissário europeu Thierry Breton, que apresentou duas propostas da União Europeia que colocariam mais restrições aos gigantes digitais, viu a decisão do Twitter como uma rutura total com o passado, chamando-o de momento 11 de setembro das redes sociais num artigo publicado pelo Politico. Um porta-voz da chanceler alemã, Angela Merkel, também disse que viu a proibição de Trump como problemática e que o governo deveria estar por trás dessas decisões, não as empresas privadas.
Com isto aprendemos que, afinal, o que acontece online não permanece permanentemente online e, também, que pode ter consequências na vida real. É por isso que a Europa é o primeiro continente do mundo a iniciar uma reforma abrangente do espaço digital através do Digital Services Act (DSA) e do Digital Markets Act, ambos apresentados pela Comissão Europeia em dezembro de 2020. Os dois baseiam-se numa premissa simples, mas poderosa: o que é ilegal offline também deve ser ilegal online.
As empresas de tecnologia geralmente hesitam em proibir políticos populares ou movimentos sociais, mesmo quando apresentados como exemplos de comportamento que violam as suas regras contra o assédio e a violência. O Twitter começou a adicionar rótulos a alguns dos tweets do presidente que quebraram as suas regras em maio, após adiar a decisão durante dois anos.
O YouTube, que pertence ao grupo Google, declarou que iria proibir contas que divulgassem informações incorretas sobre as eleições, mas somente após três ocorrências. O CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, há muito afirma que se sente desconfortável com o papel de decidir que tipo de discurso é ou não permitido na sua plataforma e sugeriu que seja função do governo definir essas regras.
Atualmente, o setor de tecnologia deve estar profundamente ciente do seu próprio impacto. Por um lado, a tecnologia melhorou o bem-estar humano e, por outro, tem consequências psico-sociopolíticas que estão longe de ser benignas. A tecnologia pode ser de grande utilidade quando usada com cuidado, por isso têm que reconhecer que a complexidade das questões sociais e humanas não tem soluções de tecnologia, mas a tecnologia pode ser uma ferramenta importante e muitas vezes necessária para encontrar soluções.
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