A história de Ivo Silva é semelhante à de muitos terceirenses de gema, que procuram um caminho profissional na ilha onde nasceram ao mesmo tempo que querem contribuir para esse mesmo lugar cresça e se desenvolva. No caso de Ivo, o caminho passou primeiro por estudar comunicação em Lisboa e regressar depois à Terceira para um estágio na CulturAngra (responsável por grande parte da atividade cultural do munícipio), onde esperava poder começar a aplicar os conhecimentos que tinha adquirido durante os estudos. No entanto, depois de um período a trabalhar “em casa”, o estágio acabou e Ivo decidiu que era altura de voltar a sair da ilha. “Encontrei, na internet, um trabalho na República Dominicana de Relações Públicas e que de Relações Públicas não tinha nada”, partilha.
Na realidade, tratava-se de um centro de mergulho, em Punta Cana, que de facto exigia algumas competências de comunicação, mas numa vertente muito específica: a vender cursos de mergulho de um hotel num quiosque de praia. “Eu não conhecia bem a empresa, entrei em contacto com pessoal de lá, português, brasileiro, pesquisei na net, falei com eles, disseram que a empresa era muito grande, tudo seguro e lá fui eu”, conta Ivo. A empresa “muito grande” era a rede de hóteis Iberostar, que nos primeiros três meses ofereceu alojamento ao jovem açoreano, uma casa que partilharia com mais 17 pessoas que também estavam a iniciar a sua atividade profissional em Punta Cana. Estávamos em 2010 e Ivo descreve a experiência como “espetacular”. Na casa, viviam outros vendedores de cursos de mergulho, mas também instrutores de todos os cantos do mundo, que começaram a criar o bichinho do “desporto” debaixo de água.
Durante o primeiro ano, fez o curso para se tornar num especialista em mergulho e passou de um simples vendedor para chefe de relações públicas, coordenando as operações de 12 vendedores nas praias dominicanas. Uns meses mais tarde, o facto de ser sociável, um bom gestor e um bom vendedor, levou a que fosse novamente promovido, indo para outro ponto da ilha ser responsável pela equipa de instrutores. “No primeiro ano e meio, fui de vendedor a chefe de instrutores e depois fui ganhando notoriedade na empresa, o gosto por vender e ensinar a vender, porque além de instrutor também tínhamos de vender, se não as empresas não fazem dinheiro”, relata.
Nos oito anos seguintes, o terceirense manteve uma trajetória ascendente dentro da empresa, rumo ao fornecimento de uma experiência turística mais premium, na gíria do setor, o High End Tourism. A República Dominicana é o país com mais atividade turística das Caraíbas (6 milhões de turistas por ano) e esse dinamismo ofereceu uma série de oportunidades a Ivo, nomeadamente quando o dono da Iberostar visitava a região para inspecionar o negócio. “Eu é que o levava, e comecei a tomar o gosto por um turismo um pouco acima da média. Além da empresa estar dentro da rede Iberostar e ter de apresentar standards elevados, a forma como lidamos com as pessoas, não é dizer que as levamos ao colo, mas é dar o melhor de nós e o melhor da empresa em prol daqueles que nos estavam a visitar, e mostrar tudo e mais alguma coisa, mas com amor mesmo, não pelo dinheiro”, explica.
E foi esta mentalidade e forma de lidar com as pessoas que o açoreano sonhava trazer para a sua ilha, ainda sem ter um plano propriamente definido. Até que um dia tudo mudou.
Bom filho à casa torna
Em 2019, uma férias na ilha Terceira despertaram em Ivo um “bichinho” diferente. Pela primeira vez desde que tinha emigrado, passou um mês e meio em casa (devido a um problema no visto, diga-se). Passar tanto tempo na Terceira fê-lo pensar nas saudades que tinha da ilha e das suas pessoas e o regresso às Caraíbas foi diferente dos anteriores. Havia o normal entusiasmo com o seu trabalho, mas também havia um “novo” aperto no coração.
Com a irmã a viver na ilha de São Miguel e com o irmão a mudar-se para os Estados Unidos, a mãe de Ivo tinha ficado a viver sozinha na Terceira, uma situação que o deixou meio transtornado e que levou a uma decisão espontânea. “A decisão até foi por impulso. Foi no dia da mãe, eu estava a falar com ela, falávamos todos os dias por videochamada, e estava a ver que ela estava triste, triste, triste e resolvi nessa altura dizer “mãe, tenho uma noticia para ti – vou voltar para casa”. Foi uma decisão de impulso, mas depois, obviamente que comecei a pensar no que ia deixar para trás, já estava lá há quase dez anos, é muito tempo, muita tralha, é uma vida, tenho amigos, tenho tudo”, reflete.
E era também o largar de uma situação estável, com um bom emprego, para um contexto incerto, no qual Ivo não sabia exatamente que tipo de oportunidades estavam à sua espera ou sequer se conseguiria continuar a fazer aquilo em que se tinha especializado nos últimos anos. Mas o que a ilha tinha para oferecer era razão suficiente para voltar. “O que me fez mesmo voltar foi a natureza, o poder estar no mar e de repente poder ir para a montanha, poder estar no meio do mato em cinco minutos. Poder escapar das coisas dessa forma, em vez de andar três quilómetros para ir para uma praia deserta, aqui… [na República Dominicana]”, compara. E, depois, o crescimento do turismo na Terceira também levou Ivo a imaginar que pudesse encontrar mais empresas e um mercado diferente e mais dinâmico do que aquele que tinha abandonado dez anos antes.
Virar empreendedor e a Startup Angra
O maior volume de turistas levou Ivo a integrar uma empresa de animação turística como guia. As práticas que trazia da República Dominicana e o conhecimento que já tinha da Terceira davam-lhe um conjunto de competências e colocavam-no numa posição de excelência para fornecer um serviço. Passar do mar como chefe de instrutores de mergulho, para um guia turístico com roteiros por terra foi uma mudança grande, não só em termos salariais e rotina do dia-a-dia, mas também na burocracia que o terceirense estava habituado a encontrar no seu antigo emprego. “Vinha habituado a outro tipo de tratamento na empresa, aqui é tudo muito mais quadrado, muito oficial, muito email. Isso fazia-me, faz-me, um bocado de confusão: para pedir 50 euros de fundo de maneio, ter de enviar um email e esse email vai daqui para aqui e daqui para aqui e daqui para aqui e leva quatro ou cinco dias a chegar”, descreve.
E, depois, havia também a questão de como os clientes eram tratados. Na Terceira, há uma tradição de bem receber e de tratar as pessoas bem, independentemente de quanto tempo passam na ilha, mas muitas vezes Ivo encontrava lacunas no seu serviço ou na liberdade que tinha para dar algo extra, por exemplo, oferecer uma garrafa de água de um cliente estivesse cansado ou com sede. São coisas que podem parecer pequenas, mas que, na forma como via o setor, faziam toda a diferença na experiência de um turista e na probabilidade de ele recomendar um serviço turístico a amigos, família ou conhecidos.
Foram estes detalhes que levaram a que, em 2021, decidisse criar o seu próprio negócio de tours, onde pudesse ter completo controlo e desenhar o seu serviço no modo como ambicionava. Contudo, a pouca experiência que tinha como empresário levaram-no a procurar ajuda na hora de criar a empresa e foi aí que apareceu a incubadora Startup Angra. “Foi através de um amigo de um amigo meu que veio o conselho de vir falar com o Sebastião [diretor da Startup Angra] e vir para a Startup, porque eu tinha a ideia, mas não tinha o que a Startup Angra dá, que é uma orientação espetacular, mesmo. Então aí, as coisas desenvolveram-se muito rapidamente, o Sebastião é muito dinâmico”, conta.
Por um lado, ia iniciar-se por conta própria num negócio que tinha sido severamente impactado pela pandemia. Em 2021, a Terceira ainda não chegado ao nível recorde de turistas que tinha apresentado em 2019, mas as condições de segurança que um roteiro ao ar livre podem oferecer, bem como a crescente popularidade dos Açores como destino de turismo sustentável davam razões ao agora empreendedor terceirense de que podia acreditar nesta nova aventura. Por outro, com a Startup Angra tinha uma ajuda na estruturação do seu negócio, no tratamento das questões mais burocráticas como o acessos a fundos regionais e ainda o acesso a uma rede de outros empreendedores terceirenses que o podiam ajudar em coisas como o seu logotipo, o site e outros materiais de comunicação online e física.
Assim nasceu a Terceira Tours.
O modelo de negócio e o futuro
A Terceira Tours insere-se no conceito de slow tours. O objetivo de Ivo é organizar roteiros privados de um ou mais dias, onde dá a oportunidade a um grupo pequeno de turistas de ficar com um conhecimento extenso da ilha e ter uma experiência que vão recomendar a outras pessoas e nunca mais esquecer. “Queremos que as pessoas se deslumbrem com estas paisagens lindas que temos, mas acima de tudo causar um impacto emocional nas pessoas. Queremos que as pessoas façam aquilo que gostam e não aquilo que achamos que seria melhor, é claro que vamos dar uma orientação e que temos os pontos-chave nos tours mas vai ser muito a partir daí. Misturá-los com a comunidade, também, ver os pescadores, ver como se trabalha aqui a nível de portos de pesca”, justifica.
Ivo Silva está mais focado na qualidade e menos na quantidade. Mais no desenvolvimento de um serviço premium e menos num serviço dependente do volume onde a satisfação do cliente pode variar. “Sei que podia fazer dois tours de 80€ e ganhar 160€ mas, prefiro passar um dia inteiro com quatro pessoas e ganhar o mesmo ou até menos, mas ao menos essas pessoas vão sentir realmente o que é estar cá e, se calhar, vai recomendar-me muito mais facilmente do que os dois tours que tive no mesmo dia, e passa um bocadinho por aí.”
O próximo passo para a Terceira Tours é estabelecer as primeiras parcerias com hóteis, alojamentos locais e outro tipo de estabelecimentos que sirvam como um canal para os seus primeiros clientes e que permitam que a empresa se torne numa referência para qualquer turista que queira sair da ilha com uma experiência inesquecível.
A tour ideal para 3 dias na ilha Terceira (by Terceira Tours)
Dia 1
Leste da ilha (10-12 horas):
- Monte Brasil,
- A costa este até chegar à Praia da Vitória
- Continuar até a Agualva
- Ir até ao Algar do Carvão.
Dia 2
Oeste da Ilha (10-12 horas):
- Passear pelo que faltou do Monte Brasil
- Ir à vila piscatória de São Mateus
- Ir aos Biscoitos para ver as piscinas naturais
- Ir às Quatro Ribeiras e visitar as piscinas naturais
- Visitar as lagoas, grutas e ribeiras no interior da ilha
Dia 3
- Observação de cetáceos (i.e Orcas)
- Almoçar por Angra do Heroísmo
- Visitar o arco do ilhéu das Cabras
Este é o primeiro de uma série de artigos que resultam de uma visita do The Next Big Idea a Angra do Heroísmo, a convite da Startup Angra e da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo.
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