Desde que comprou a empresa por 44 mil milhões de dólares em outubro do ano passado e juntou o título de "Chief Twit" ao seu largo role de cargos das cinco empresas que lidera (Twitter, Tesla e a SpaceX são as maiores, mas convém não esquecer as duas startups mais "pequenas", a Neuralink e a The Boring Company), que Elon Musk não tem tido uma vida fácil à frente da rede social que disse ter adquirido "não por dinheiro, mas para ajudar a humanidade", "que adora".
Em parte, a vida não tem sido fácil por culpa da regularidade com que diz uma coisa e depois faz algo que vai no sentido aposto. Mas também porque as alterações que foi implementando, na maioria das vezes, vieram acompanhadas de reações pouco positivas por parte dos utilizadores (como esta), que receiam pelo futuro da plataforma. No entanto, apesar de nem sempre cumprir ou ir na direção do que disse ou prometeu, Musk parece ter aceitado a decisão da votação (a poll) que fez em dezembro (depois de questionar os utilizadores/seguidores se devia ou não abandonar o cargo de CEO do Twitter, a maioria votou que sim).
Assim, volvidos seis meses desde a votação e depois de em fevereiro ter reiterado que planeava encontrar um substituto até ao final do ano, eis que no final da semana passada anunciou que vai deixar o cargo e que Linda Yaccarino, a agora ex-diretora de publicidade do conglomerado NBCUniversal, vai assumir a posição "nas próximas seis semanas". Mais concretamente, Musk especificou (num tweet) que a nova CEO vai "concentrar-se principalmente nas operações comerciais, ao passo que eu vou concentrar-me na conceção de produtos e novas tecnologias". Ou seja, Musk assume o papel de Diretor de Tecnologia (CTO) e de "executive chairman".
A importância da nomeação
O que significa para Musk: Depois de ter entrado nos escritórios do Twitter com uma pia nas mãos no primeiro dia como "Chef Twit", Musk mudou muitas coisas na empresa, entre as quais o nome e a morada fiscal (o Twitter Inc. é agora a X Corp. e mudou-se do Delaware para o Nevada, embora Musk tenha mantido a marca Twitter). No entanto, o bilionário tem estado sob pressão noutras frentes, nomeadamente porque há investidores preocupados com a atenção que tem dado ao Twitter; segundo consta, queriam que Musk encontrasse rapidamente outra pessoa para liderar os destinos do passarinho, de maneira a que pudesse concentrar-se nas outras empresas (i.e, Tesla). Com esta nomeação, em teoria, terá mais tempo para acalmar as preocupações dos acionistas e ataca um dos problemas da rede social: as receitas com publicidade, que estão a cair.
O que significa para o Twitter: A próxima CEO é muito respeitada no mundo da publicidade e do entretenimento, além de ter uma longa relação com figuras importantes dos setores (e de gozar da fama de ser uma dura negociadora, tendo a alcunha de "Martelo de Veludo"). E não estando o serviço de subscrição Twitter Blue a ser particularmente um grande sucesso, a publicidade vai desempenhar um papel importantíssimo no futuro da empresa — área que Linda Yaccarino conhece bem e na qual tem créditos firmados. Depois, e não menos importante, como recorda a BBC, menos de 10% das tecnológicas da Fortune 500 são lideradas por mulheres. Com esta nomeação, Yaccarino vai tornar-se num exemplo raro de uma mulher que chega ao topo de uma grande empresa tecnológica depois de já ter subido na hierarquia de algumas das maiores empresas de comunicação social dos Estados Unidos.
Ainda assim: Pese embora a nomeação da antiga responsável pela publicidade da NBCUniversal reflita um claro progresso naquilo que diz respeito à representação do género nas grandes empresas, alguns especialistas alertam que esta possa resultar num caso de "Glass Cliff", em que basicamente as mulheres são promovidas para falhar. Contudo, há quem veja as coisas de outro prisma, acreditando que Musk não ia apostar pessoalmente em alguém só para a ver essa pessoa falhar.
A pesada herança de Linda Yaccarino
Yaccarino vai herdar uma empresa que dispensou cerca de 80% dos seus trabalhadores (muitos dos quais da moderação de conteúdos) desde que se iniciou o reinado Musk, e que o próprio disse há uns tempos ter perdido metade do seu valor. Mais, vai também herdar uma marca cuja relação com os anunciantes não está em muito bom porto.
De acordo com o Digiday, que cita dados da Pathmatics, os gastos com publicidade na plataforma caíram de cerca de 156,6 milhões de dólares (em outubro de 2022) para 76,9 milhões de dólares (em abril de 2023).
Contudo, apesar de as vendas com publicidade terem caído drasticamente, tanto num perfil da BBC como noutro do Digiday, as fontes contactadas por ambos os meios realçaram as suas qualidades, frisando que tem a personalidade certa para alterar o "atual rumo do Twitter". No perfil da emissora britânica, Yaccarino é mesmo descrita como sendo o tipo de pessoa que "Elon Musk precisa".
Ou seja: Até há uns dias, Yaccarino liderava um dos dos maiores conglomerados de media dos Estados Unidos (foi a responsável por coordenar o lançamento da plataforma de streaming Peacock, por exemplo), onde passou anos a convencer as marcas a apostar na televisão (old media) em vez de nas plataformas digitais (new media). Agora, vai fazer exatamente o contrário. No Twitter, Yaccarino vai ter de aproveitar o conhecimento acumulado nas últimas décadas e mudar o chip.
Em suma, parece que Yaccarino chega à empresa para ajudar Musk na parte em que é preciso estancar o êxodo corrente dos utilizadores e anunciantes, que estão a procurar outros voos e paragens (i.e, alternativas tipo BlueSky). Como frisa este artigo da Mashable, se Musk vai supervisionar as decisões como presidente e liderar "produtos, software e sistemas" como CTO, o que sobra para a nova CEO? Publicidade, pois.
O que nos leva a perguntar: se assim é, e se nada mudar ao nível da moderação da atual "liberdade de expressão" (visto que Musk é fica encarregue de supervisionar essa parte), será que a relação próxima de Yaccarino com as marcas é suficiente para que estas regressem, se o problema principal se mantém? Custa a crer, mas só o tempo o dirá.
Comentários