Emprego: salário, propósito ou ambos?
O artigo da CNET é perentório na abertura do seu texto sobre este tema: os millennials que trabalham para as grandes empresas "não estão bem" e estão cansados da "Hustle Culture" (basicamente é quando se trabalha tantas horas que o emprego deixa de ser trabalho e passa a ser um modo de vida).
Trabalhar a um ritmo frenético, mesmo que num local estável, parece já não ser suficiente para uma fatia significativa desta geração que nasceu entre 1981 e 1996. Agora, muito à boleia da pandemia, há uma luta constante para encontrar o "sentido da vida" nos seus empregos. Ter um trabalho por si só não é suficiente; este tem de significar algo, tem de ter uma finalidade e um propósito. Mas, ao mesmo tempo, tem de ser flexível o suficiente para criar uma relação saudável entre a esfera profissional e pessoal.
Esta procura pela "felicidade no trabalho" levou a que nos EUA já se classificasse 2021 como o ano da "The Great Resignation" — o ano em que trabalhadores abandonaram os seus empregos a taxas históricas. A título de exemplo, até finais de novembro, cerca de 4.5 milhões de trabalhadores tinham informado os seus patrões que iam abandonar as suas posições. Mas pelo início.
A "The Great Resignation" ["A Grande Demissão", traduzindo de forma livre para o nosso português] tem estado muito na voga nos últimos meses e é um termo cunhado pelo psicólogo Anthony Klotz, professor da Universidade A&M do Texas, que frisa que eventos como a pandemia levam a que as pessoas pensem e reavaliem as suas vidas. E, em alguns casos, é esse ruminar de ideias que as leva a mudar de carreira — sendo que as empresas terão que se adaptar a isso.
Nos Estados Unidos, as áreas com maior taxa de trabalhadores a estender o seu "I quit!" ["Eu despeço-me!"] às entidades patronais estão ligadas aos serviços de saúde (auxiliares, secretários) e a empregos com menores remunerações (hotelaria e restauração).
O que se está a passar? De forma sucinta, os trabalhadores precários estão a despedir-se porque sentem que o pouco que recebem não compensa o elevado número de horas (muitas vezes ao fim de semana) e a imensa carga de trabalho a que estão sujeitos. O The Guardian ajuda a explicar o fenómeno com uma pergunta de resposta aritmética simples: porque não haveria eu de deixar o meu emprego no restaurante onde ganho nove dólares por hora, se o restaurante ao lado está a pagar 10?
Mas tudo isto não significa que quem recebe um melhor salário ou tenha um emprego na área de tecnologia esteja alheio a esta situação e não sinta a necessidade de mudar. Segundo um levantamento da Harvard Business Review, foi nos trabalhadores com idades compreendidas entre os 30 e os 45 anos, que ocupavam posições de nível médio em grandes empresas, que se registou o maior aumento nas taxas de demissão.
O que o está a fazer com cheguem a este ponto de rutura? Uma combinação de múltiplos fatores — todos a decorrer ao mesmo tempo. O trabalho remoto, a ansiedade provocada pelo isolamento derivado dos sucessivos confinamentos, o stress, a preocupação pelo bem-estar mental. O sentido de propósito e satisfação profissional.
Não é só nos EUA
Não é um fenómeno exclusivo de terras do Tio Sam e do outro lado do nosso Atlântico. Na Europa e um pouco por todo o mundo também já se começa a sentir estas vicissitudes. Tanto assim é que um estudo da Microsoft do ano passado sugere que 41% da força de trabalho global está a considerar deixar o seu emprego até ao final de 2022.
Em novembro, foi a vez da YPulse revelar um relatório que visou explorar como a pandemia levou os jovens europeus a reexaminar não só os seus empregos, mas toda a sua relação com o trabalho. E os dados mostram que 20% dos millennials na Europa Ocidental abandonaram os seus empregos no ano passado. Algumas conclusões:
A principal razão pela qual os jovens europeus deixaram o seu trabalho é comum: vão receber mais dinheiro noutro sítio;
24% dos jovens inquiridos (com 18-24 anos) afirmaram ter deixado o seu emprego porque consideraram que este não era bom para a sua saúde mental;
A terceira razão mais invocada para a mudança de emprego foi a falta de um trabalho saudável capaz de dar equilíbrio à vida pessoal.
Ou seja, apesar da parte monetária ser importante, os jovens têm vindo a dar prioridade ao seu bem-estar mental. Esta ideia não é nova, claro, mas o stress e desgaste imposto pela pandemia levou a que este enfoque predominasse.
Mais, parecem não ter dúvidas de que o trabalho tem sido uma importante fonte de stress:
72% dos jovens europeus inquiridos dizem ter experienciado burnout no trabalho (revelam estar mental e fisicamente exaustos, oprimidos, stressados, etc.);
50% dizem ter mudado de emprego ou estão interessados em mudar de emprego para combater os níveis de stress/ansiedade.
Um aspeto que o relatório salienta é que pese embora o trabalho em si acarrete sempre stress, a mudança de operacionalidade que a pandemia exigiu (em todas as indústrias) fez com que este disparasse. Os empregos de serviços, por exemplo, tornaram-se mais perigosos, exigentes e hostis, ao passo que os novos empregos de secretária em casa (teletrabalho) fizeram com que os jovens sentissem que o seu emprego dizimou a ideia de equilíbrio trabalho/vida.
O inquérito revelou também que os jovens europeus despediram-se do seu trabalho porque não sentiam paixão — e 11% revelou mesmo que não sentia "um propósito" para aquilo que fazia.
Conclusão? Parece que a "The Great Resignation" não chegou ao fim e o fenómeno vai continuar em 2022. Segundo a YPulse, 40% dos jovens tem planos para abandonar o seu emprego este ano e 33% admite que, embora goste do seu trabalho, não vai temer na hora de mudar de ares se algo melhor aparecer pelo caminho.
O futuro
O que é que as empresas estão a fazer para manter os funcionários que já têm ou para atrair novos talentos? Existem várias soluções que vão desde a implementação do teletrabalho como regra, ao aumento de salários e flexibilidade de horário, passando até pelos períodos sabáticos a quem deles considerar que necessita.
Todavia, hoje salientaremos apenas uma, mais arrojada, mas que vinca bem como nos Estados Unidos já se vive a concorrência durante o recrutamento nas tecnológicas: o exemplo da startup norte-americana Bolt, que vai implementar, de forma permanente, uma semana de quatro dias de trabalho. A razão para tal? Argumentam que uma semana mais curta torna a empresa mais competitiva e a felicidade dos funcionários aumenta.
Se esta solução é viável para todas as empresas? Não, mas serve de exemplo para um caminho comum a trilhar nos próximos tempos: o de que as empresas terão que se adaptar às exigências de um mercado cada vez mais competitivo e onde o talento já não olha somente para o salário. No futuro, receber o mesmo ordenado mas estar mais perto da família num trabalho remoto ou fazer menos horas semanais pode ser decisivo. E isto tanto vale para um pai ou mãe que precisa da flexibilidade para ir buscar o filho à creche de manhã como para o empregado/a solteiro/a que faz intenções de se mudar temporariamente para as imediações de uma praia croata.
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