A SpaceX brindou-nos no início do mês com a terceira tentativa falhada de lançamento do protótipo do futuro foguetão Starship SN10. Foi surpreendente, pois este lançador, desta vez, tinha finalmente acabado por fazer um pouso vertical na base Boca Chica, no estado do Texas, nos EUA.
Após ser lançado até cerca de nove quilómetros de altitude, este foguetão de aço inoxidável desacelerou e posicionou-se suavemente para aterrar (testando a sua capacidade primária que é o facto de poder ser reutilizável), mas uns minutos após o pouso, explodiu numa bola de fogo, sem que a SpaceX tivesse uma explicação imediata para o sucedido (tal como a empresa foi acusada pelos jornais).
O que se passou com a Starship?
O engenheiro-chefe da SpaceX, John Insprucker, garantiu mais tarde que a sua equipa conseguiu re-ligar com sucesso os três motores Raptor para que a Starship conseguisse fazer a manobra de “Flip” que a deixaria em posição de aterrar na posição vertical.
De facto esta manobra não é simples. Um foguetão ou lançador não é mais do que uma bomba de explosão lenta, fechada dentro de um tubo onde 90% é propelente. Se utilizarmos como comparação o Saturno V que levou Neil Armstrong e Buzz Aldrin à superfície da Lua, estaremos a a falar num tubo com cerca de 5 milhões de peças que está preparado para esvaziar um piscina de propelente por segundo. Não há grande volta a dar, pois só uma “bomba” de propelente consegue fazer-nos vencer a gravidade terrestre.
Aqui juntamos graus adicionais de complexidade. A Starship é um “Heavy-Lifter”, feito para substituir os foguetões super-pesados Falcon 9 e Falcon Heavy (da SpaceX), a fim de poder levantar cerca de 100.000 kg de carga útil até à Lua ou até Marte. Tendo chegado ao ponto de desenvolvimento tecnológico a que chegámos, a necessidade de “Heavy-Lifters” prende-se com a necessidade de criação de postos avançados no Espaço, o que é o mesmo que falar em colonização.
A verdade é que uma “nave espacial” destas dimensões e feita em aço inoxidável para aguentar o ambiente altamente hostil que é o Espaço é um empreendimento sem precedentes na história da humanidade. Cada lançamento da Starship, quando estiver completamente concluída, rondará um custo estimado de 7 milhões de dólares (aprox. 5,9 milhões de euros), e cada lançador desta classe custará cerca de 335 milhões de dólares (aprox. 284 milhões de euros, custo esse que já contempla a utilização dos boosters laterais).
Contudo, quando estiver completamente operacional e a funcionar de forma a ser reutilizável, a Starship vai servir de lançador orbital (para transportar carga para a órbita terrestre), e de transporte intercontinental (para transportar grandes quantidades de carga, entre continentes, a velocidades nunca vistas). Mas não só: Elon Musk tem como ambição que este lançador seja o primeiro a servir de transporte interplanetário, que permita iniciar a colonização da Lua e também do planeta Marte.
Nesse caso, tanto para a Starship se poder deslocar até à Lua, como para se poder lançar à conquista de Marte, este arranha-céus com 9 metros de diâmetro e 120 metros de altura terá que ser reabastecido em órbita terrestre, uma vez que o seu peso excessivo irá consumir a quase totalidade do propelente a bordo.
Portanto, se o protótipo SN10 explodiu no último teste porque teve uma avaria apenas num dos motores Raptor – conseguindo mesmo assim pousar – aquilo de que estamos a falar é de uma “explosão” que foi de facto um sucesso… A SN10 é uma vitória e um excelente teste, que significa boas notícias para a exploração espacial a curto prazo.
A Starship faz testes a sério
Os testes da Starship vêm no seguimento do anúncio conjunto feito por Elon Musk e o bilionário japonês Yusaku Maezawa no intuito de realizar um “loop lunar” (um voo em redor da Lua) em 2023, voo esse que transportará mais quatro civis.
Por isso, o protótipo SN10 não é um “barquinho de papel” a testar os princípios físicos de algo do tamanho do navio Titanic. Com efeito, este foguetão/protótipo ou de teste consegue gerar um impulso que produz cerca de 1,5 milhões de libras de força, o que é pouco menos do que o foguetão Falcon 9, que gera cerca de 1,7 milhões de libras. E, recordamos ainda, a Starship não vai ter apenas três motores Raptor na sua configuração final. Essa é feita para levantar um arranha-céus onde cabem 100.000 kg de carga útil.
À espera da Starship SN11
Não é uma explosão que vai travar a exploração espacial. Poucos dias após a aparatosa explosão da SN10, ficamos a saber que a SN11 estava a ser colocada na sua própria plataforma de lançamento para um teste de fogo estático, que representa o passo imediatamente anterior a um lançamento orbital.
Os ajustes vão sendo feitos e, de facto, os dados recolhidos no acidente da SN10 desencadearam um processo de implementação e actualização de protótipos até, imagine-se, à Starship SN20!
Este processo é, aliás, comum: há um sem número de tentativas até se perceber quais são as características necessárias que devem integrar o modelo final. Por exemplo, o facto de se ter conseguido que a SN10 estacionasse em segurança, é uma clara evolução dos supostos “falhanços” da SN8 e SN9, que pura e simplesmente se despenharam no chão. Neste caso concreto, estimou-se que os motores Raptor deveriam ser re-ligados antes do protótipo da Starship iniciar a manobra de “Flip”, que anteriormente estava apenas apoiada na acção dos atuadores ou “flaps”.
Este recondicionamento da forma de voar fez com que o protótipo estacionasse com mais suavidade, não tendo sido ainda, contudo, o suficiente para não causar uma explosão posterior: Uma avaria num dos motores e uma avaria nas “pernas” da Starship ditaram a explosão apenas minutos depois.
Starship em Boca Chica espera a “próxima vez”
Não há, neste momento, uma data oficial para o lançamento da Starship SN11. Era suposto ter decorrido ontem, mas foi adiado e tanto pode ocorrer nesta sexta-feira, 26 de março, como na semana seguinte. Em primeiro lugar, os motores Raptor já foram instalados na SN11 e seguiu-se para já um teste de fogo estático. Tendo decorrido com sucesso, começam a gerar-se as condições para um novo teste, rigorosamente igual àquele que vimos com a SN10.
Esse teste da SN11 é um teste que todos devemos ver. E se não for dessa vez, será numa das vezes seguintes, porque precisamos de uma nave espacial com as dimensões da Starship.
A verdade é que uma comissão da Russian State Space Corporation Roscosmos, que recentemente analisou o módulo russo Zvezda da Estação Espacial Internacional (ISS), afirmou que as rachaduras encontradas neste módulo se devem à fadiga do metal e ao impacto de micrometeoritos, confirmando aquilo que já se sabe há muito: o tempo de validade da Estação Espacial Internacional chegou ao fim.
Eventualmente poderemos vir a ter no futuro outra ISS (Estação Espacial Internacional), mas será algo de muito diferente… De facto todas as atenções estão centradas na Lua, e na necessidade de criar um “outpost lunar”, de onde possam partir as missões de “Deep Space”, como um missão tripulada a Marte.
A Starship é a “nave espacial” que irá permitir tal feito na Lua, e é, sem sombra de dúvida, o transporte que irá ser utilizado para os primeiros lançamentos de carga em Marte.
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