Jornalista há 33 anos, na Lusa, no Público e no DN, João Pedro Henriques, em vez de fazer abordagem às comemorações dos 50 anos da Revolução dos Cravos sobre “o que mudou e como mudou” ou “contar o que não foi contado”, optou, como no jornalismo, por um “ângulo novo”: “o que não mudou”.
É isso que faz no livro da série Retratos da Fundação Francisco Manuel dos Santos “Revolução inacabada – o que não mudou com o 25 de Abril”, resultado de uma investigação em que recorreu a entrevistas a investigadores e estudos científicos.
O recrutamento para a classe política dirigente em Portugal, conclui, “praticamente não abrange pessoas não licenciadas e com contacto com a pobreza”.
Foi assim para os ministros na I República (2,1%) e na ditadura de Salazar e Caetano a percentagem de não licenciados foi zero. Em Democracia, houve algumas exceções, por exemplo, nos governos de António Guterres (1996-2004), com 1,2% de não licenciados a partir de 1976.
Havia e há, segundo o autor, que se suporta em estudos académicos, incluindo de António Costa Pinto, um “brutal contraste entre o nível médio de formação” de cidadãos e governantes.
Outra característica que atravessou regimes foi a “corrupção paroquial” ou “corrupção não transitiva” e o exemplo é dado por Luís de Sousa, cientista político, fundador da secção portuguesa da ONG Transparência Internacional, num estudo ainda por publicar – “A Democratização da Corrupção em Portugal”.
Luis de Sousa é de Mirandela e é ele que revela: a alheira de Mirandela não é de Mirandela. Numa região onde há “nove meses de inverno, três de inferno”, a produção deste enchido é muito difícil. Eram, sim, feitas nas aldeias em volta.
As alheiras ficaram conhecidas porque Mirandela tinha uma estação de comboio, de onde eram despachadas para “as mesas de deputados e diretores de serviço” em Lisboa.
Eram uma espécie de investimento a longo prazo. Assim descrito por Luís de Sousa: “Vai-se pondo manteiga, vai-se adoçando e, eventualmente, numa ocasião qualquer no futuro, pode-se sentir a necessidade de pedir um favor”.
No sistema judicial, “a entrada das mulheres na magistratura e a mudança para leis mais progressistas não alteraram um padrão de baixas condenações por crimes sexuais, cometidos sobretudo contra mulheres”.
À justiça são dedicados dois capítulos, um dos quais ao machismo, sublinhando-se que “só depois do 25 de Abril é que foram revogadas as disposições que, no essencial, permitiam ao homem lavar a honra com sangue” em caso de adultério.
Uma dissertação de Simone do Carmo Oliveira sobre o crime de violação, citada no livro, assinala que só depois 1983 é eliminado o preconceito de prever como atenuante as “situações em que a vítima, no caso, sempre a mulher, havia ‘contribuído de forma sensível para o facto’ mediante o seu comportamento ou pela especial ligação com o agente’”.
E só em 1995 se deu uma “profunda mudança” no Código Penal, autonomizando-se “a liberdade sexual sem equívocos”, e foi esse, na opinião dos juízes José Mouraz Lopes e Tiago Caiado Milheiros, “o momento de viragem significativa no entendimento da criminalidade sexual”.
O “elitismo na política e machismo na justiça” sobreviveram à Revolução dos Cravos, alimentam-se e geram o mesmo: “desigualdade – ou desigualdade social (no caso do elitismo) - ou desigualdade de género (no caso do machismo)”.
“Assim continuará a ser enquanto a sociedade portuguesa não perceber, no seu conjunto, que desigualdade rima com indignidade”, conclui-se, na página 89 e última do livro.
Comentários