Foi há mais de 40 anos que George Lucas começou toda uma saga numa galáxia muito, muito distante com Guerra nas Estrelas (1977), posteriormente denominado Star Wars: Episódio IV - Uma Nova Esperança. Escusado será dizer que o filme de George Lucas — que se inspirou em clássicos de Westerns e no espólio do japonês Akira Kurosawa, realizador que influenciou o cinema com mais de cinco décadas de filmes — se transformou num fenómeno internacional de popularidade e de muitos milhões. E, hoje, dá-se a estreia do nono filme da saga.
No entanto, antes de mergulharmos em algumas críticas, caso não esteja familiarizado com toda a história passada nos oito filmes anteriores, de forma i-n-c-r-i-v-e-l-m-e-n-t-e redutora, diga-se que há uma espécie de luta do Bem contra o Mal, dividida em três trilogias que saíram com uma ordem cronológica estranha — talvez por não ser assim muito, lá está, cronológica. Assim, recorrendo a um guia (baseado num da revista Time) não muito elaborado, vamos tentar colocar todos aqueles que não estão por dentro disto da Força mais ou menos preparados para avançar na leitura.
- Saga Original
Episódios IV, V e VI.
A saga começa no episódio IV, com o filme Uma Nova Esperança (1977), seguindo-lhe O Império Contra-Ataca (1980) e O Regresso dos Jedi (1983). Ora, nessa trilogia, os bons (a Rebelião e os Jedi — pelo Lado da Luz da Força) vão combater os maus (o Império liderado por Darth Vader, escudado pelos Sith, i.e, guerreiros que seguem o Lado Negro da Força). Lembra-se de ouvir falar da "trilogia original"? A maioria do glossário e jargão que já ouviu falar provém destes filmes. PS: Muito provavelmente também já ouviu a celebre frase: "Luke, I’m your father" [Luke, eu sou o teu pai], não já? Pronto, esta linha vem de O Império Contra-Ataca, o episódio V. Porém, a verdade é que uma citação que se perpetuou um pouco para lá da cultura pop, mas está mal citada. Na verdade, o que se disse foi só "No, I’m your father [Não, sou teu pai]. A trilogia termina numa nota feliz que veio depois da resignação de Nixon e após o fim Guerra do Vietname.
- As pouco amadas prequelas
Episódios I, II e III.
Os mal amados segundos que na verdade são os primeiros. A saber: Episódio I: A Ameaça Fantasma (1999), Episódio II: Ataque dos Clones (2002) e Episódio III: A Vingança dos Sith (2005). [A próxima linha contém o spoiler mais antigo da história do cinema. Continue por sua conta e risco.] Aqui conta-se a história de como Anakin Skywalker virou Darth Vader, o principal vilão da trilogia anterior.
De resto, todos os seis filmes são realizados por George Lucas, o criador, mas estes são aqueles dos efeitos especiais mais fraquitos de que os três primeiros, apesar de carregarem menos de 20 anos cima. Mas não só. As críticas (pelos fãs) à narrativa desta trilogia não faltaram e serão, talvez, os menos populares da saga. Fosse por falta dum vilão carismático, fosse pelo enredo não ter a (rica) simplicidade dos três primeiros filmes, fosse por George Lucas estar demasiado preocupado com a desigualdade económica e instabilidade política. Ou simplesmente porque os fãs acham que não têm a magia de outros.
- Os novos filmes
Episódios VII, VIII e IX
Episódio VII: O Despertar da Força (2015) é a primeira parte da nova trilogia e aquele que arrancou "os novos filmes", já à boleia dos cofres da Disney e sem George Lucas. A história acontece trinta anos depois do enredo de O Regresso dos Jedi (1983), daí que inclua alguns dos atores do elenco da primeira trilogia, como Harrison Ford (Han Solo), Carrie Fisher (Princesa Leia), Mark Hamill (Luke Skywalker) e Peter Mayhew (Chewbacca). Do elenco fazem ainda parte John Boyega (Finn), Daisy Ridley (Rey) e Adam Driver (Kylo Ren). Segue-se então o Episódio VII: Os Últimos Jedi (2017) do mal amado Rian Johnson. E, hoje, acontece a estreia do Episódio IX - A Ascensão de Skywalker, novamente pelas mãos de J.J. Abrams, que já tinha realizado o primeiro.
O que aconteceu em Os Últimos Jedi e o que esperar de Ascensão de Skywalker
Na verdade parece difícil de encontrar um problema para quem perscruta o tópico completamente a nu e pega no assunto de tábua rasa. Teve um excelente exercício de bilheteira e ótimas críticas. Na altura do seu lançamento, escreveu-se no SAPO24 que o saldo do filme de Rian Johnson ("Brick", "Looper" e três episódios de "Breaking Bad") foi deveras positivo na Internet: 85 em 100 no Metacritic; 91% no Rotten Tomatoes e 8,3 no IMDb (à hora de escrita deste artigo baixou para 7,1).
De acordo com o Polygan, O Despertar da Força (2015) abraçou a nostalgia dos fãs ao recriar uma nova versão do original de 1977, mas fê-lo duma maneira cujo ao apelo passava por uma geração dos nossos tempos. O filme é uma mescla entre um remake e uma sequela. Introduziu-se um novo Império, renovado, assim como um novo vilão (a substituir Darth Vader), um herói (no lugar de Luke Skywalker mas com uma alteração de género da personagem) e criou-se um R2-D2 mais capacitado para o olhar visceral moderno. No entanto, ainda que estas alterações tenham sido levadas a cabo, não se perderam os elementos familiares que todos reconhecem. No fundo, foram ideias e conceitos rebuscados que tanto fãs como críticos consideraram ser agradáveis, mas entregando a saga Star Wars a uma nova geração de heróis. Paralelamente, fê-lo não só dando aos fãs novas personagens, como ainda resgatou velhos conhecidos — Luke Skywalker (Mark Hamill), a Princesa Leia (Carrie Fisher) e Han Solo (Harrison Ford) — para avançar com a história.
Todavia, a sequela de Rian Johnson, Os Últimos Jedi (2017), trilhou um caminho diferente, pois apoiou-se muito mais no conceito de fazer algo "para a nova geração" do que beber da nostalgia. Ao mexer com o destino de personagens muito acarinhadas pelo público, subverteu as expectativas dos fãs, como que estivesse a pedir abertamente aos espetadores que aceitassem que a série estava apenas a seguir um novo rumo, a evoluir para descobrir a linhagem Skywalker, tal como idealizado por George Lucas. A decisão revelou-se incrivelmente controversa. Isto porque, de acordo com o Polygan, os detratores e vozes de resistências, não gostaram desta "mensagem" e da execução desta — ou em muitos casos de ambas.
Esta decisão levou a que Rian Johnson passasse os últimos dois anos a ser alvo de respostas de fãs que parecem não esquecer a sua tomada de posição. É que o guião de Johnson, de acordo o IndieWire, que cita uma entrevista recente à Radio.com no podcast "Swings & Mrs.", não estava muito virado para balançar com as teorias e desejos destes. E, sobre este assunto, o realizador mantém-se convicto que teria sido um erro moldar personagens e narrativas só para os fazer felizes.
"Acho que abordar qualquer processo criativo com [esse intuito] seria um erro que provavelmente conduziria a um resultado exatamente oposto [ao pretendido]", revelou. "Até a minha experiência enquanto fã, mesmo que seja algo que eu penso que quero, se vejo exatamente aquilo que quero na tela, é como 'oh, tudo bem', até me pode fazer rir, fazer sentir-me neutro sobre a coisa, mas não vou pensar muito nisso depois. Não é isso que me vai satisfazer", disse.
Johnson iria acrescentar ainda: "Quero ficar chocado, quero ficar surpreendido, quero ser apanhado de surpresa, quero ter as coisas recontextualizadas, quero ser desafiado quando fã quando me sentar no cinema. O meu objetivo, cada vez que me sento no cinema, é ter a experiência [que tive] em 'O Império Contra-Ataca, algo que é emocionalmente ressonante e parece que se liga, faz sentido e chega realmente ao cerne da questão, [mas] de uma maneira que eu nunca tinha imaginado".
Segundo a Polygan, a Ascensão de Skywalker encarrila pela apoteose nostálgica — sem revelar ou dar primazia a uma nova revelação ou recompensa. A mensagem que fica é que "todos nos lembramos e amamos a saga Star Wars". Portanto, ficamos felizes e aceitamos de bom grado ver tudo novamente. Não é uma faixa nova, mas sim um remix acelerado ou mesmo turbinado. Em suma, o artigo explica as razões pelas quais "a incapacidade de avançar é uma maneira triste de a história terminar".
O que dizem os críticos deste novo Star Wars
Star Wars: A Ascensão de Skywalker teve a sua estreia mundial em Hollywood na noite de terça-feira e os críticos saíram da sala escura com sentimentos ambíguos: ou saíram relativamente emocionados ou saíram relativamente dececionados. O advérbio de modo relativamente é importante porque feitas as contas ao certame, e pegando na avaliação do Metacritic (site que aglomera e faz a média das principais críticas dos jornalistas numa pontuação que vai de 0 a 100), conclui-se que juízo final se situa ali nos 53. Cá no burgo, é um pouco disto também. O Público dá 1 estrela; o Observador dá 3, mas situa a nota com um "mas"; no DN, João Lopes dá 1 estrela ao passo que Rui Pedro Tendinha dá 4.
O leme do final da trilogia sobre Skywalker esteve a cargo J.J. Abrams, que assim regressa à cadeira da realização, sucedendo assim a Rian Johnson, que comandou os destinos de Os Últimos Jedi. Este último, recorde-se, foi muito bem recebido pela crítica, mas o guião de Johnson foi brindado com uma reação (muito) pouco afável por parte dos fãs que não gostaram de como o realizador/argumentista reconduziu os destinos do enredo e de algumas personagens. Neste último filme, segundo aquilo que vai sendo publicado, J.J. Abrams seguiu o percurso inverso, "corrigiu" esse erro e caminhou em direção ao pretendido por quem segue a saga há 42 anos. Porém, fê-lo duma maneira que grande parte dos críticos parece ter considerado frustrante. No entanto, há uma nota comum em quase todas as opiniões: visualmente é um regalo e um trato ocular. Seguem algumas críticas com o mínimo de spoilers possível.
Vanity Fair | 40
"Talvez não houvesse maneira de a Disney permitir um capítulo final (por agora) que corra qualquer risco, que não amarre a IP [propriedade intelectual] mais recente à IP original, um pacote cómodo ao nível de conteúdo que se pode auto-reforçar à medida que se revaloriza, apoiando-se e fermentando no recém-entreaberto cofre da Disney. A Ascensão de Skywalker é, quiçá, um mero facto consumado, o inevitável e aborrecido fim de toda a diversão. (Embora exista alguma diversão ao longo do caminho!) Nesse aspeto, o filme pode ser uma lição de vida valiosa para os espetadores mais novos: aproveitem bem os primeiros dois atos, jovens, porque o último será sobre um acerto de contas e uma tentativa de se retirar uma pequena sensação profunda enlatada pelo meio antes de se acabar [de ver o filme]."
The Atlantic | 40
Os Últimos Jedi, escrito e realizado por Rian Johnson, surpreendeu os espetadores, em parte por causa da ousadia com que reverteu as narrativas pré-condicionadas dos heróis e vilões de Star Wars. Transformou Luke Skywalker (Mark Hamill) num mal-humorado desgraçado, conduziu a brava Resistência ao fracasso em todas as missões ao invés de tropeçar num Deus ex-machina salvador e, ainda assim, conseguiu transmitir um tom de otimismo para as gerações vindouras de rebeldes. Ascensão de Skywalker, por outro lado, é excessivamente obcecado com o passado, em que J.J Abrams pensa que, se ligar o arco da história dos seus heróis aos filmes com décadas, vai aumentar de alguma maneira a sua importância. Porém, em vez disso, aumenta só a incoerência."
The New York Times | 50
"O Episódio IX, caso se tenha perdido nas contas, é um dos melhores. É também um dos piores. Absolutamente mediano. Vai tudo dar ao mesmo. (…) Abrams é um cineasta muito superficial e astuto para dotar os dramas da repressão e insurgência, do destino familiar e individual, da solidariedade e força de vontade, com todo o seu peso moral e metafísico. Ao mesmo tempo, a sua presunção pseudo-visionária não permite que ele se renda a caprichos ou tropelias. A luta do bem contra o mal parece menos uma batalha cósmica do que uma rivalidade desportiva de longa data entre equipas cujos dias de glória estão no passado."
Los Angeles Times | 50
O Despertador da Força (2015) fez um bom aquecimento para Os Últimos Jedi (2017) de Rian Johnson, que se distinguiu como a mais excitante e audaz fita de Star Wars desde O Império Contra-Ataca, mas ao mesmo tempo aquela que se revelou mais fraturante. Aquilo que alguns de nós tinha por virtude na hora de contar histórias — uma visão obstinada do heroísmo; uma abordagem nova e irreverente de uma mitologia de fantasia sobrecarregada; provavelmente o melhor desempenho da carreira de Mark Hamill — acabou rejeitado por ser considerado uma heresia por uma facção barulhenta de fãs ruidosos de Star Wars. (…) Se Ascensão de Skywalker serve algum propósito, é retrato instantâneo daquilo que a Disney, a Primeira Ordem de si mesma na procura pelo domínio do entretenimento global, pensa da inteligência do público. Não é uma imagem bonita."
Indiewire | 58
"Se O Despertar da Força de 2015 foi o maior filme de fãs já feito, uma reformulação aperfeiçoada da ópera espacial duma matiné de sábado que transformou o original de 1977 num evento cultural tão singular, A Ascensão do Skywalker entra num território meta. Num regresso à realização na terceira parte da trilogia, J.J. Abrams fez um tributo caro ao tributo, com uma recompensa para quem investiu nestes filmes, mas sempre cauteloso na hora de correr riscos. É ao mesmo tempo espetacular e sem inspiração."
Empire | 60
"Embora o elo de ligação entre Finn e Rey seja repetidamente considerado importante para ambos, não há espaço para que este desenvolva. Finn está demasiado ocupado ao ser introduzido à nova rebelde Jannah (Naomi Ackie) — uma atriz carismática, mas sem muito que fazer. Poderia ter sido mais viável para a história deixar Finn envolver-se com Poe — ou dar a Rose Tico (Kelly Marie Tran) mais do que algumas falas."
Variety | 80
“O que posso dizer é que A Ascensão do Skywalker é, para mim, a aventura de Star Wars mais elegante, emocionalmente coerente e gratificante desde os dias de glória de Star Wars e O Império Contra-Ataque. (Acho realmente isto mas, considerando os últimos oito filmes, os padrões não estão assim tão elevados).
The Guardian | 100
"Essa é, penso, a mensagem global do Episódio IX. Todos os brinquedos regressam, no final, ao lugar em que é suposto estarem. O filme encaixa-se como um autêntico quebra-cabeças, uma série de batidas finais que parecem inevitáveis, perfeitas e projetadas para agradar a todos — desde que não se pense muito na sua lógica." (…) Um céu cheio de torres altas e estreitas! Uma enorme lesma espacial pronta para os devorar! A banda sonora de John Williams cai juntamente com eles e, sim, isto é aquilo que se quer dizer quando se diz este filme fez-me sentir outra vez uma criança. Cada cenário vislumbrado é maravilhoso e a emoção é tangível."
Rui Pedro Tendinha, 4 estrelas:
"Na América, as primeiras reações apontam para uma divisão, tal como já tinha acontecido em The Last Jedi, de Rian Johnson. Em Portugal, hoje à saída de um visionamento em que a Disney ofereceu água-de-colónia à imprensa, as coisas parecem ir pelo mesmíssimo caminho - cada vez mais é impossível um consenso em blockbusters em tempos da supremacia da cultura do cinema de comic book, embora tudo o que saia do universo de J. J. Abrams tenha sempre um outro refinamento, como é o caso. (…) No fim, agora sim, já podemos dizer, esta trilogia foi superior à anterior, mas nada que se compare à primeira. O primeiro amor de Lucas, nostalgias à parte, continua a ser a página mais bonita das space operas americanas…"
João Lopes, 1 estrela:
"Abrams será um novo movie brat, mas agora de uma geração mais marcada pela vertigem visual dos videojogos (vejam-se os dois títulos de outra saga, Star Trek, por ele realizados em 2009 e 2013) do que pelos valores clássicos das narrativas hollywoodianas. Para ele, a tecnologia não é uma área de pesquisa, antes uma coleção de instrumentos que lhe permite criar variações mais ou menos exuberantes de modelos cujas regras reconhece, mas que, na prática, já não integram o seu imaginário. Por alguma razão, Lucas e Abrams discordaram sobre os resultados de O Despertar da Força."
Observador | 3 estrelas
"Temos a desmesura esmagadora e impessoal, a sensação de estarmos no interior de uma enorme e vertiginosa atração de parque de diversões temático, a história azafamada, contada a mata-cavalos, que se recusa a dar uma pausa ao espetador. A que se juntam a infiltração dos jogos de vídeo e a pesada influência dos filmes de super-heróis (a Força torna-se aqui num super poder que até permite ressuscitar os mortos) e de fantasia (a fortaleza do Imperador e dos Sith saiu de “O Senhor dos Anéis”).
Público | 1 estrela
"Tornou-se mais soap opera do que space opera. Com A Ascensão de Skywalker a fórmula foi sugada à exaustão, desprovida de qualquer energia."
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