A autora, encenadora e videasta Marie-Eve Signeyrole propõe uma criação híbrida, que junta dança, vídeo e música ao Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, quase cinco anos depois de ter apresentado, no mesmo palco, “a memorável” encenação de “O Monstro no Labirinto”, ópera de Jonathan Dove, também uma abordagem das migrações e do poder, a partir de uma elaboração do mito dos jovens atenienses raptados pelo Minotauro.
A Orquestra Gulbenkian, dirigida pelo maestro Ben Glassberg, junta-se ao clarinetista e compositor francês YOM para “proporcionar uma singular experiência musical e performativa” da sinfonia do compositor alemão, anunciou a fundação.
O espetáculo, que se estreou em 2020 na Philharmonie de Paris, é coproduzido pela Gulbenkian e cruza realidade com ficção, conduzindo o público numa viagem dramática ao lado dos migrantes que fogem de conflitos sangrentos ocorridos em nações em guerra como a Síria, o Sudão e o Afeganistão.
Esta “ficção documental” pretende confrontar a população ocidental, que precisa de cada vez mais informação, com um problema que ainda está “longe de ser capaz de identificar, pensar e julgar, ao mesmo tempo que lhe fornece algumas chaves, por vezes poéticas, por vezes reais, por vezes de antecipação, para o que nos poderia acontecer também”, explicou a encenadora em entrevista, aquando da estreia do espetáculo em França.
“A dança é um meio de comunicar pelo coração as coisas que são indescritíveis”, defende Marie-Eve Signeyrole, para quem “o vocabulário que emerge da imagem” aproxima o público de certas situações, tal como acontece com a música, que permite estar em pura emoção e por vezes “aliviar” a violência desta realidade.
A inspirar o título, é evocada a história de Houria uma jovem da Eritreia que escondeu uma boneca debaixo da roupa para fingir que estava grávida, e tentar proteger-se da violência da qual muitas mulheres são vítimas enquanto fazem a viagem rumo a um local seguro.
“Uma das migrantes escondeu uma boneca debaixo das suas roupas para fingir que estava grávida e não dar aos homens o desejo de a violar. As mulheres que já estão grávidas têm muito menos probabilidades de serem violadas do que as que não estão, pois são vistas como ‘virgens’ pelos homens que se cruzam com elas. Por causa disso, nunca lhe tocaram”, conta a autora na entrevista.
Sobre o título do espetáculo, explicou que “Baby Doll” significa “boneca” e, neste espetáculo, é a boneca que testemunha a travessia, e é a quem se pode contar os seus medos. É a criança que está para vir”.
Mas há também uma referência ao filme “Baby Doll”, de Elia Kazan, porque “ela é simplesmente a 'mulher-objeto'. Ela é apenas um corpo. As jovens que fazem a travessia têm a mesma idade que a rapariga do filme ‘Baby Doll’, ou seja, quinze, dezasseis, dezassete anos, em geral”, acrescentou.
Em palco, a Orquestra Gulbenkian interpreta a 7.ª Sinfonia de Beethoven, cujos quatro movimentos evocam uma viagem tão intensa como violenta, segundo a autora, juntando-se aos apontamentos musicais de YOM, um clarinetista e compositor com múltiplas influências e uma estética diversa, e trazendo uma musicalidade contemporânea aos trágicos destinos femininos.
Com o compositor, tocam ainda os músicos Léo Jassef, no piano, Régis Huby, no violino, e Maxime Zampieri, no bombo e nas percussões.
Para que os corpos e os rostos melhor possam “comunicar coisas indescritíveis”, como descreveu Marie-Eve Signeyrole, o espetáculo combina a dança com a projeção de vídeos ao vivo, que aproximam o olhar do espectador das emoções dos seus intérpretes.
Baseadas em factos verídicos, as histórias contadas em palco são encarnadas pelos ‘performers’ e bailarinos Annie Hanauer, Stencia Yambogaza e Tarek Aït Meddour, numa “proposta que traz a atualidade para o centro do discurso musical”, destaca a Gulbenkian.
“Baby Doll” vai estar em cena nos dias 01 e 02 de abril, e os bilhetes custam entre 20 e 36 euros.
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