A peça teve antestreia em abril deste ano, no Festival de Música de Leiria, e, a seguir, estreou-se no Teatro Nacional São João, no Porto, entidade coprodutora, a par do Teatro Municipal de Bragança e do Teatro Municipal de Vila Real.
Na altura, contactada pela agência Lusa, a coreógrafa descreveu a nova peça como uma reflexão sobre a complexidade do ser humano e os conflitos individuais, numa homenagem ao cineasta Ingmar Bergman (1918—2007), em cuja obra a criadora portuguesa encontrou paralelismos.
"Encontro um paralelismo do meu trabalho com a obra [de Ingmar Bergman] porque, acima de tudo, a dança está lá para encontrar a complexidade do ser humano. Ele fazia isso com os filmes, e eu faço com a dança", avaliou Olga Roriz, sobre alguém que considera "um dos grandes existencialistas da nossa cultura".
Entrevistada na altura pela agência Lusa sobre a nova peça, Olga Roriz sublinhou ainda que o seu interesse, como criadora, tem sido, sobretudo, "perceber as pessoas e os seus conflitos individuais, a complexidade das relações humanas", na linha da busca realizada por Bergman, nascido na Suécia há cem anos, a 14 de julho de 1918, e falecido em 2007.
A coreógrafa acompanhou a obra do realizador sueco Ingmar Bergman desde a adolescência, e viu filmes que nem percebeu, na altura, e que depois reviu, e que a "marcaram imenso".
Bergman é “incontornável” e “tem uma obra imensa”, comentou, sobre o realizador multipremiado nos festivais de Veneza, Cannes e Berlim, e que também recebeu três Óscares de Hollywood.
Chegada esta altura da efeméride - o centenário do nascimento, que aconteceu a 14 de julho deste ano -, a criadora portuguesa pensou que seria uma boa altura de homenagear o cineasta, a vida e a obra.
Olga Roriz disse à Lusa que leu a biografia do realizador sueco, reviu vários dos seus filmes, sozinha e em conjunto com os bailarinos, num trabalho de pesquisa que durou mais de um ano, e que a levou à ilha de Fårö, na Suécia, onde Bergman viveu os últimos 20 anos, e onde foi sepultado, “para tentar perceber que lugar era aquele”, que o cineasta tinha escolhido para viver.
"Estive junto à campa dele, onde limpei as folhas. Foi um momento muito íntimo e comovente", recordou, sobre a visita a Fårö, onde o realizador se sentia bem, em contacto com a natureza.
"Ele dizia que se sentia mais sozinho em Estocolmo [capital da Suécia], no meio das multidões, do que na natureza", referiu Olga Roriz, sobre a personalidade e a forma de viver do cineasta, que gostava da paisagem selvagem e tranquila.
Estas experiências proporcionaram à coreógrafa um contacto, uma descoberta, uma impressão de intimidade com a vida e a obra do realizador, autor de “Persona” e "Morangos Silvestres".
“Qualquer pessoa pode inspirar-se na vida e na obra dele, sobre a natureza humana", salientou a coreógrafa que já conta com mais de 40 anos de carreira.
O espetáculo "A meio da noite" é o resultado de uma cocriação com os bailarinos da Companhia Olga Roriz, que também participaram no processo, até surgir a coreografia, vendo filmes como "A Vergonha", "O Silêncio", "A Paixão de Ana", estes mais relacionados com a peça.
"Vi mais de 50 filmes de Bergman, mas a base são filmes do final dos anos 1960 e 1970. Sofri um bocadinho, porque os bailarinos ficavam absortos com a obra dele, e era necessário interromper aquela espécie de transe para criar e dançar", relatou Olga Roriz à Lusa.
O processo de trabalho da coreógrafa - que tem vindo a demonstrar uma grande vitalidade nos últimos anos, com estreias anuais - é muito metódico: faz listas, tabelas, copia frases.
"A meio da noite", sendo um espetáculo que se propõe abordar a temática existencialista de Bergman, é simultaneamente uma peça sobre o processo de criação, "numa procura incessante de si próprio e dos outros".
A nova coreografia "é uma profunda homenagem a Ingmar Bergman, aos atores dos seus filmes e aos intérpretes da Companhia”, afirma Olga Roriz.
Com direção de Olga Roriz, a peça tem como intérpretes André de Campos, Beatriz Dias, Bruno Alexandre, Bruno Alves, Catarina Câmara, Francisco Rolo e Rita Calçada Bastos.
A banda sonora reúne músicas de Johann Sebastian Bach, Erik Satie, Primal Scream, Michelle Gurevich, Franz Schubert, Frédéric Chopin, Piotr Ilitch Tchaikovsky, Richard Wagner, Dolf van der Linden, Erhard Bauschke, Giovanni Fusco, Jefferson Airplane, excertos sonoros do filme "Metropolis" (1927), de Fritz Lang, "Persona" (1966), de Ingmar Bergman, e uma entrevista ao realizador.
A seleção musical é de Olga Roriz, João Rapozo e dos intérpretes.
A cenografia e figurinos são de Olga Roriz e Ana Vaz, o desenho de luz, de Cristina Piedade, vídeo de Olga Roriz e João Rapozo, desenho de som de Sérgio Milhano, fotografia de Alípio Padilha.
Em 2015, Olga Roriz assinalou 20 anos da companhia em nome próprio e 40 anos de carreira, com a apresentação da peça "Propriedade Privada" (1996), no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa.
O seu repertório na área da dança, teatro e vídeo é constituído por mais de 90 obras.
Nascida em Viana do Castelo, em 1955, Olga Roriz estudou ballet clássico e dança moderna com Margarida Abreu e Ana Ivanova, ingressou na Escola de Dança do Conservatório Nacional de Lisboa e tornou-se primeira bailarina do Ballet Gulbenkian, onde foi depois convidada a coreografar.
Entre outros prémios, foi distinguida com a insígnia da Ordem do Infante D. Henrique (2004), Grande Prémio da Sociedade Portuguesa de Autores (2008) e o Prémio da Latinidade (2012).
No ano passado, foi distinguida com o título de doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Aveiro, por se ter distinguido nas artes.
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