INTRODUÇÃO
Tal como a natureza, a vida, muitas vezes, trabalha a nosso favor, mesmo quando parece que apenas enfrentamos adversidade, desconforto e mudança.
Assim como os incêndios florestais são essenciais para a ecologia do ambiente, abrindo novas sementes que requerem calor para germinar e renovar a população de árvores, as nossas mentes também passam por episódios periódicos de desintegração positiva, ou por uma limpeza através da qual libertamos e renovamos o nosso autoconceito. Sabemos que a natureza é mais fértil e expansiva no seu perímetro, onde diferentes climas se encontram, e também nós nos transformamos quando alcançamos os nossos estados-limite, os pontos onde somos forçados a sair das nossas zonas de conforto e a reorganizar-nos. Quando já não podemos socorrer-nos dos nossos mecanismos de enfrentamento para nos ajudarem a distrair-nos dos problemas da vida, pode parecer que batemos no fundo. Contudo, na realidade, este tipo de despertar é o que acontece quando, por fim, reconhecemos os problemas que já existem há bastante tempo. A crise é, muitas vezes, o ponto de viragem que precede o progresso, o momento em que uma estrela implode para se tornar uma supernova.
Tal como uma montanha se forma quando duas secções do solo são pressionadas uma contra a outra, a nossa montanha erguer-se-á a partir de necessidades coexistentes mas em conflito. A nossa montanha requer que conciliemos duas partes de nós: a consciente e a inconsciente, a parte de nós que tem consciência daquilo que queremos e a parte de nós que não tem consciência do motivo por que continuamos a conter-nos.
Ao longo da história, as montanhas têm sido usadas como metáforas de despertares espirituais, percursos de crescimento pessoal e, claro, desafios intransponíveis que parecem impossíveis de conquistar quando estamos parados no sopé. Tal como muitos outros elementos da natureza, as montanhas fornecem-nos uma sabedoria inata em relação àquilo que será necessário para nos elevarmos à altura do nosso máximo potencial.
O objetivo do ser humano é crescer. Vemos isto refletido em nós em todos os aspetos da vida. As espécies reproduzem-se, o ADN evolui para eliminar certas características e desenvolver novas, e os limites do Universo estão a expandir-se sem parar. Da mesma forma, sentirmos a profundidade e a beleza da vida é uma aptidão capaz de se expandir interiormente sem parar, se estivermos dispostos a enfrentar os nossos problemas e a vê-los como catalisadores. As florestas precisam de fogo para o fazer, os vulcões precisam de implosões, as estrelas precisam de colapsar e os seres humanos, muitas vezes, precisam de se ver sem mais nenhuma escolha senão mudar antes de o fazerem verdadeiramente.
Termos uma montanha à nossa frente não significa que estejamos, de alguma forma, fundamentalmente destroçados. Tudo na natureza é imperfeito, e é por causa dessa imperfeição que o crescimento é possível. Se tudo existisse uniformemente, a gravidade que criou as estrelas, os planetas e a totalidade do que conhecemos não existiria. Sem quebras, falhas e lacunas, nada poderia crescer e nada poderia tornar-se outra coisa. Sermos imperfeitos não é sinal de que falhámos; é sinal de que somos humanos e, o mais importante, é sinal de que ainda temos mais potencial dentro de nós.
Talvez saibamos qual é a nossa montanha. Talvez seja vício, peso, relações, empregos, motivação ou dinheiro. Ou talvez não saibamos. Talvez seja uma vaga sensação de ansiedade, baixa autoestima, medo ou um descontentamento geral que parece transbordar e tingir tudo o resto. Muitas vezes, a montanha não é tanto um desafio à nossa frente, mas mais um problema dentro de nós, um alicerce instável que pode não parecer óbvio à superfície, mas que, ainda assim, move quase todas as partes da nossa vida.
Normalmente, quando temos um problema circunstancial, estamos a confrontar a realidade da vida. Quando temos um problema crónico, estamos a confrontar a realidade de nós mesmos. Frequentemente, pensamos que enfrentar uma montanha é enfrentar as dificuldades da vida, mas a verdade é que é quase sempre por causa dos anos que passámos a acumular traumas minúsculos, adaptações e mecanismos de enfrentamento, os quais, sem exceções, se intensificaram com o tempo.
A nossa montanha é o obstáculo entre nós e a vida que desejamos. Enfrentá-la é também o único caminho para a liberdade e a transformação. Estamos aqui porque um estímulo nos levou à nossa ferida, e a nossa ferida irá levar-nos ao nosso caminho, e o nosso caminho irá levar-nos ao nosso destino.
Quando chegarmos a este ponto de rutura — o sopé da montanha, o calor do incêndio, a noite que enfim nos despertar —, estaremos no ponto capital da rutura, e se estivermos dispostos a fazer o trabalho, iremos descobrir que estamos à entrada do momento de progresso por que esperámos a vida toda.
O nosso velho eu já não pode sustentar a vida que tentamos levar; está na altura da reinvenção e do renascimento.
Temos de libertar o nosso velho eu no fogo da nossa visão e estar dispostos a pensar de uma forma que nunca experimentámos. Devemos chorar a perda do nosso eu mais novo, a pessoa que nos trouxe até aqui, mas que já não tem as ferramentas para nos continuar a acompanhar. Temos de visualizar e de nos unir ao nosso futuro eu, o herói da nossa vida que nos vai liderar a partir daqui. A tarefa à nossa frente é silenciosa, simples e monumental. É um feito que a maioria nem sequer chega ao ponto de tentar. Devemos agora aprender competências como agilidade, resiliência e autocompreensão. Devemos mudar por completo, para nunca mais voltarmos a ser os mesmos.
A montanha que se ergue à nossa frente é o chamamento da nossa vida, o nosso propósito para aqui estarmos e o nosso caminho finalmente desvendado. Um dia, esta montanha estará atrás de nós, mas quem nos tornarmos ao longo do processo de a ultrapassar ficará sempre connosco.
Afinal, não é a montanha que temos de conquistar, mas nós mesmos.
CAPÍTULO 1
A MONTANHA DENTRO DE NÓS
Não há nada a impedir-nos mais de avançar na vida do que nós mesmos.
Se existe uma lacuna constante entre onde estamos e onde queremos estar — e os nossos esforços para a preencher deparam consistentemente com a nossa própria resistência, dor e desconforto —, é porque quase sempre a autossabotagem está em ação.
À superfície, a autossabotagem parece masoquista. Parece ser um produto de ódio a si próprio, baixa confiança ou falta de força de vontade. Na realidade, a autossabotagem não passa simplesmente de uma necessidade inconsciente que é satisfeita pelo comportamento sabotador. Para ultrapassar esta situação, temos de passar por um processo de escavação psicológica profunda. Temos de pôr o dedo no acontecimento traumático, libertar emoções que não foram processadas, encontrar formas mais saudáveis de ir ao encontro das nossas necessidades, reinventar a nossa autoimagem e desenvolver princípios como inteligência emocional e resiliência.
Não é de somenos, mas é um trabalho que todos temos de fazer a uma ou outra dada altura.
A AUTOSSABOTAGEM NÃO É SEMPRE ÓBVIA AO INÍCIO
Quando Carl Jung era criança, caiu na escola e bateu com a cabeça. Quando se magoou, pensou para si: Boa, talvez amanhã não tenha de vir à escola.
Embora hoje seja conhecido pela sua inteligente obra, Jung não gostava da escola nem se integrava junto dos colegas. Pouco depois do acidente, começou a sofrer desmaios esporádicos e incontroláveis. Desenvolvera, inconscientemente, aquilo que viria a chamar uma «neurose» e acabou por chegar à conclusão de que todas as neuroses são «substitutos de sofrimento legítimo».
No caso de Jung, fez uma associação inconsciente entre desmaiar e não ir à escola. Passou a acreditar que os desmaios eram uma manifestação do seu desejo inconsciente de faltar às aulas, onde se sentia desconfortável e infeliz. Da mesma forma, para muitas pessoas, os seus medos e apegos são frequentemente apenas sintomas de problemas mais profundos para os quais não têm melhor forma de resposta.
A AUTOSSABOTAGEM É UM MECANISMO DE ENFRENTAMENTO
A autossabotagem é o que acontece quando recusamos conscientemente satisfazer as nossas necessidades mais íntimas, muitas vezes por não acreditarmos que somos capazes de lidar com elas.
Por vezes, sabotamos as nossas relações porque o que queremos mesmo é encontrar-nos a nós mesmos, embora tenhamos medo de estar sozinhos. Às vezes, sabotamos o nosso sucesso profissional, porque o que queremos mesmo é criar arte, ainda que nos faça parecer menos ambiciosos aos olhos da sociedade. Outras vezes, sabotamos o nosso percurso de cura ao psicanalisar os nossos sentimentos, porque fazê-lo garante que evitemos senti-los de facto. E, certas vezes, sabotamos o nosso diálogo interior, porque, se acreditássemos em nós próprios, sentir-nos-íamos livres para nos voltarmos a lançar ao mundo e arriscar, o que nos deixaria vulneráveis.
Resumindo, a autossabotagem é com frequência apenas um mecanismo de enfrentamento mal-adaptado, uma forma de darmos a nós próprios aquilo de que precisamos sem termos de abordar que necessidade é. Contudo, tal como qualquer outro mecanismo de enfrentamento, não passa disso: uma forma de enfrentar algo. Não é uma resposta, não é uma solução, e nunca resolve verdadeiramente o problema. Estamos apenas a entorpecer os nossos desejos, e a dar a nós próprios uma amostra de alívio temporário.
A AUTOSSABOTAGEM PROCEDE DO MEDO IRRACIONAL
Às vezes, os maiores comportamentos de sabotagem são, na verdade, resultado de medos há muito cultivados e não examinados que temos em relação ao mundo e a nós próprios.
Talvez seja a ideia de que não somos inteligentes, atraentes ou apreciados. Talvez seja a ideia de perder o emprego, de andar de elevador ou de nos comprometermos numa relação. Noutros casos, pode ser mais abstrato, tal como o conceito de alguém «andar atrás de nós», violar os nossos limites, sermos «apanhados» ou falsamente acusados.
Com o tempo, essas crenças tornam-se vínculos.
Para a maioria das pessoas, o medo abstrato é uma representação de um medo legítimo. Uma vez que seria demasiado assustador permanecer no medo verdadeiro, projetamos esses sentimentos em problemas ou circunstâncias que têm menos probabilidade de acontecer. Se a situação tiver uma probabilidade extremamente baixa de se tornar realidade, consequentemente, torna-se algo «seguro» com que nos preocuparmos, porque subconscientemente já sabemos que não vai acontecer. Assim, temos um escape para expressar os sentimentos sem realmente nos pormos em perigo.
Por exemplo, se temos um medo profundo de sermos o passageiro de um carro, talvez o nosso verdadeiro medo seja a perda de controlo ou a ideia de que alguém ou algo controla a nossa vida. Talvez o medo seja de «andar para a frente», e o carro em andamento não passe da representação disso.
Se estivéssemos conscientes do verdadeiro problema, poderíamos começar a trabalhar para o resolver, talvez identificando as formas através das quais abdicamos do nosso poder ou somos demasiado passivos. Contudo, caso não estejamos conscientes do verdadeiro problema, vamos continuar a passar o tempo a tentar convencer-nos a não ficarmos aflitos e ansiosos quando andamos de carro e a descobrir que isso só vai piorar tudo.
Se tentarmos remendar o problema à superfície, vamos deparar sempre com um muro. Isto porque tentamos arrancar um penso rápido antes de termos uma estratégia para sarar a ferida.
A AUTOSSABOTAGEM VEM DE ASSOCIAÇÕES INCONSCIENTES NEGATIVAS
A autossabotagem é também um dos primeiros sinais de que a nossa narrativa interior está ultrapassada, é limitadora ou, simplesmente, incorreta.
A nossa vida é definida não só pelo que pensamos dela, mas também pelo que pensamos de nós mesmos. O nosso autoconceito é uma ideia que passámos a vida inteira a construir. Foi criado juntando as peças dos contributos e influências das pessoas à nossa volta: as crenças dos nossos pais, as opiniões dos nossos pares, o que se nos tornou evidente através da experiência pessoal, e por aí fora. A nossa autoimagem é difícil de adaptar, porque o viés de confirmação do nosso cérebro esforça-se por afirmar as nossas crenças preexistentes sobre nós mesmos.
Quando nos sabotamos, muitas vezes, é porque fazemos uma associação negativa entre alcançarmos o objetivo a que aspiramos e sermos o tipo de pessoa que tem ou faz isso.
Se o problema é querermos ter estabilidade financeira e, no entanto, não conseguimos parar de estragar todos os esforços que fazemos para lá chegar, temos de recuar até ao nosso primeiro conceito de dinheiro. Como é que os nossos pais geriam as suas finanças? Mais importante, o que é que nos disseram quanto às pessoas que tinham ou não dinheiro? Muita gente com dificuldades financeiras justifica a sua situação repudiando o dinheiro por completo. Dizem que todos os ricos são horríveis. Se crescemos com pessoas que nos disseram durante toda a vida que os indivíduos que têm dinheiro são assim, o que será que vamos evitar ter?
A nossa ansiedade em torno do problema que estamos a autossabotar é normalmente um reflexo da nossa crença limitadora.
Talvez associemos ser saudável a ser vulnerável, porque tivemos um pai ou uma mãe que era perfeitamente saudável quando, de repente, adoeceu. Talvez não estejamos a escrever a nossa magnum opus porque, na verdade, não queremos escrever; só queremos ser vistos como «bem-sucedidos» porque isso nos granjeará elogios, que é aquilo para que as pessoas tipicamente revertem quando querem aceitação e não a tiveram. Talvez continuemos a comer os alimentos errados porque nos confortam, mas não paramos para nos perguntar porque é que têm de nos confortar. Talvez não sejamos mesmo pessimistas, mas não saibamos como nos relacionar com as pessoas que fazem parte da nossa vida sem ser queixando-nos a elas.
Para reconciliar tais conceitos, temos de começar a pôr em causa estas ideias preexistentes e depois adotar novas.
Temos de ser capazes de reconhecer que nem toda a gente com dinheiro é corrupta, nem por sombras. E, dado que há pessoas que usam o dinheiro que têm de formas egoístas, é ainda mais importante que boas pessoas com excelentes intenções sejam destemidas na tentativa de adquirir esta ferramenta essencial para criar mais tempo, oportunidades e bem-estar para si mesmas e para os outros. Temos de reconhecer que sermos saudáveis nos torna menos vulneráveis, não mais, e que a criação de seja o que for para um público está sujeita a crítica, e isso não é um motivo para não criar. Temos de mostrar a nós mesmos que existem muitas maneiras diferentes de nos reconfortarmos que são mais eficazes do que opções alimentares pouco saudáveis, e que existem formas muito melhores de nos relacionarmos com os outros do que através da negatividade.
Assim que começarmos verdadeiramente a questionar e observar estas crenças preexistentes, começaremos a ver quão distorcidas e ilógicas sempre foram… sem mencionar que estavam claramente a impedir-nos de alcançar o nosso verdadeiro potencial.
A AUTOSSABOTAGEM VEM DO QUE NÃO É FAMILIAR
Os seres humanos sentem uma resistência natural ao desconhecido, porque, na sua essência, é a forma suprema de perda de controlo. Isto aplica-se mesmo quando o «desconhecido» nos é benévolo ou até benéfico.
A autossabotagem é com frequência o simples produto da falta de familiaridade, porque qualquer coisa estranha, por muito boa que seja, também será desconfortável até se tornar familiar como as outras. Isto leva muitas vezes as pessoas a confundir o desconforto do desconhecido com algo que é «errado», «mau» ou «ominoso». Porém, não passa de uma questão de ajuste psicológico.
Gay Hendricks chama a isto o «limite superior» ou a tolerância à felicidade.4 Toda a gente tem uma capacidade até à qual se permite sentir bem. É semelhante ao que outros psicólogos se referem como a «linha de base» de uma pessoa, ou a predisposição fixa para a qual acabam por reverter, mesmo que certos acontecimentos ou circunstâncias se alterem temporariamente.
Pequenas alterações, multiplicadas ao longo do tempo, podem resultar em ajustes permanentes à linha de base. Todavia, muitas vezes, estes não persistem, porque embatem nos nossos limites superiores. O motivo por que não permitimos que essas alterações se tornem linhas de base é porque, assim que as nossas circunstâncias se estendem para lá da quantidade de felicidade a que estamos habituados, encontramos formas, tanto conscientes como inconscientes, de regressarmos a um sentimento com que estamos confortáveis.
Estamos programados para procurar o que sempre conhecemos. Mesmo que pensemos que andamos em busca de felicidade, andamos, na verdade, a tentar encontrar aquilo a que estamos mais habituados.
A AUTOSSABOTAGEM PROVÉM DOS SISTEMAS DE CRENÇAS
As crenças que temos em relação à nossa vida são aquilo que tornaremos realidade na nossa vida.
É por isso que é tão crucial estarmos conscientes destas narrativas ultrapassadas e termos a coragem de as mudar.
Talvez tenhamos passado a maioria da vida a acreditar que uns medianos cinquenta mil euros de salário por ano numa empresa decente é o máximo de que alguma vez seremos capazes. Talvez tenhamos passado tantos anos a dizer a nós próprios «sou uma pessoa ansiosa» que começámos, de facto, a identificar-nos com isso, adotando a ansiedade e o medo para o nosso sistema de crenças relativas a quem fundamentalmente somos. Talvez tenhamos sido criados num círculo social de horizontes fechados ou numa câmara de ressonância. Talvez não soubéssemos que podíamos questionar ou chegar a novas conclusões quanto a religião ou política. Talvez nunca tenhamos pensado que éramos uma pessoa que podia ter um estilo excelente, sentir-se contente ou viajar pelo mundo.
Noutros casos, as nossas crenças limitadoras talvez venham de querermos manter-nos seguros.
Talvez seja por isso que preferimos o conforto daquilo que sempre conhecemos à vulnerabilidade daquilo que não conhecemos, porque preferimos a apatia ao entusiasmo, achamos que o sofrimento nos torna mais merecedores, ou acreditamos que, por cada coisa boa na vida, tem de haver também uma «má» a acompanhá-la.
Para nos regenerarmos verdadeiramente, vamos ter de mudar a forma como pensamos. Vamos ter de nos tornar muito conscientes de crenças negativas e falsas e começar a mudar para uma mentalidade que esteja, verdadeiramente, ao nosso serviço.
COMO SAIR DA NEGAÇÃO
Talvez esta informação preliminar sobre autossabotagem tenha algum eco, ou talvez bastante.
Seja como for, se estamos aqui porque queremos verdadeiramente mudar a nossa vida, vamos ter de parar de estar em negação quanto ao nosso estado pessoal. Vamos ter de ser honestos connosco. Vamos ter de decidir que gostamos demasiado de nós para pararmos de nos contentar com menos do que realmente merecemos.
Se achamos que podemos estar a sair-nos melhor na vida, somos capazes de ter razão.
Se achamos que há mais do que temos para alcançar, somos capazes de ter razão.
Se achamos que não estamos a ser o nosso eu autêntico, somos capazes de ter razão.
Não nos é útil usar afirmações intermináveis para apaziguar os nossos verdadeiros sentimentos quanto a onde estamos no nosso percurso. Quando o fazemos, estamos a dissociar e ficamos encalhados.
Num esforço para «gostarmos de nós próprios», tentamos validar tudo o que somos. No entanto, esses sentimentos calorosos, aparentemente, nunca pegam, só muito temporariamente adormecendo o desconforto. Porque é que não funcionam? Porque, no fundo, sabemos que não estamos a ser exatamente quem queremos ser e, até aceitarmos isso, nunca vamos encontrar paz.
Quando estamos em negação, temos tendência a entrar em modo «culpa». Procuramos qualquer pessoa ou qualquer coisa que explique porque somos como somos. Depois, começamos a justificar. Se temos constantemente — quase diariamente — de racionalizar porque é que estamos infelizes com a nossa vida, não nos estamos a fazer nenhum favor. Não estamos mais perto de criar a mudança duradoura que tão profundamente desejamos.
O primeiro passo no processo de cura é assumirmos total responsabilidade. É deixarmos de estar em negação quanto à verdade da nossa vida e de nós mesmos. Não interessa como é que a nossa vida parece vista de fora; interessa o que sentimos em relação a ela por dentro. Estarmos constantemente stressados, em pânico e infelizes faz-nos mal. Algo não está bem, e, quanto mais tentarmos «gostar de nós mesmos», apesar de percebermos isto, mais vamos sofrer.
O maior ato de amor-próprio é deixarmos de aceitar uma vida com a qual não estamos felizes. É sermos capazes de declarar o problema com simplicidade e de uma maneira direta.
É precisamente isto que necessitamos de fazer para continuarmos a desenraizar realmente a nossa vida e a transformá-la. É o primeiro passo na direção da verdadeira mudança.
Vamos pegar num papel e numa caneta e escrever tudo o que nos deixa infelizes. Vamos escrever com muitos pormenores cada um dos problemas que enfrentamos. Se estamos com dificuldades financeiras, precisamos de uma imagem muito clara do que está mal. Apontemos cada dívida, cada conta, cada bem e cada rendimento, por pequeno que seja. Se nos debatemos com a autoimagem, vamos escrever exatamente aquilo de que não gostamos em nós. Se o problema é ansiedade, vamos escrever tudo o que nos incomoda ou aflige.
Antes de mais nada, temos de sair da negação para a clareza sobre o que de facto se passa. Chegados a este ponto, temos uma escolha: podemos fazer as pazes ou podemos comprometer-nos a mudar. Adiar é o que nos mantém encalhados.
O CAMINHO COMEÇA NO EXATO LOCAL ONDE NOS ENCONTRAMOS AGORA
Se sabemos que precisamos de fazer mudanças na nossa vida, não faz mal se estivermos longe do nosso objetivo ou se ainda não conseguirmos conceber como lá chegar.
Não faz mal se estivermos a começar no início.
Não faz mal se tivermos batido no fundo e não conseguirmos ver uma forma de lá sair.
Não faz mal se estivermos no sopé da montanha e fracassámos de todas as vezes que tentámos escalá-la.
O fundo é com frequência onde começamos o percurso de recuperação. Isto não acontece porque de repente vimos a luz nem porque os nossos piores dias magicamente se transmutaram nalgum tipo de epifania, nem porque alguém nos salva da nossa própria loucura. O fundo torna-se um ponto de viragem porque só nesse ponto é que a maioria das pessoas pensa: Nunca mais quero voltar a sentir-me assim.
Este pensamento não é apenas uma ideia. É uma declaração e uma resolução. É uma das coisas mais determinantes que se podem experimentar na vida. Torna-se o alicerce sobre o qual construímos tudo o resto.
Quando decidimos que nunca mais queremos voltar a sentir-nos de certa forma, começamos a fazer um percurso de autoconsciência, aprendizagem e crescimento que irá radicalmente reinventar quem somos.
Nesse momento, a culpa torna-se irrelevante. Deixamos de remoer sobre quem fez o quê ou como nos fizeram mal. Nesse momento, só uma coisa nos guia: custe o que custar, nunca mais aceitarei que a minha vida volte a chegar a este ponto.
O fundo não é um dia mau. Não acontece por acaso. Só batemos no fundo quando os nossos hábitos começam a avolumar-se uns sobre os outros, quando os nossos mecanismos de enfrentamento entraram numa espiral tão descontrolada que já não conseguimos resistir aos sentimentos que estávamos a tentar esconder. O fundo é quando, por fim, ficamos frente a frente connosco, quando correu tudo tão mal que apenas nos resta perceber que só existe um denominador comum em tudo.
Temos de recuperar. Temos de mudar. Temos de escolher dar meia-volta para nunca mais voltarmos a sentir-nos assim.
Quando temos um dia mau, não pensamos: Nunca mais quero voltar a sentir-me assim. Porquê? Porque não é divertido, mas também não é insuportável. Mas, acima de tudo, temos uma certa consciência de que pequenos fracassos fazem parte habitual da vida; somos imperfeitos, mas tentamos dar o nosso melhor, e esse vago desconforto acabará por passar.
Não chegamos a um ponto de rutura porque uma ou duas coisas correm mal. Chegamos a um ponto de rutura quando finalmente aceitamos que o problema não é a forma como o mundo é; é como nós somos. É um reconhecimento maravilhoso. Ayodeji Awosika descreve o seu desta forma: «Temos de encontrar a forma mais, mais, mais pura de estarmos fartos. Fazer com que doa. Eu gritei literalmente: “Não vou continuar a viver desta forma de merda nunca mais!”»
Os seres humanos são guiados pelo conforto. Mantêm-se nas proximidades daquilo que é familiar e rejeitam o que não é, mesmo que objetivamente seja melhor para eles.
Seja como for, a maioria das pessoas não muda de vida até que não mudar se torna a opção menos confortável. Isto significa que não acolhem por completo a dificuldade de alterarem os seus hábitos até simplesmente não terem outra escolha. Ficarem onde estão não é viável. Já não conseguem sequer fingir que é desejável sob algum aspeto. Estão, para ser franca, não tanto no fundo, mas mais presas entre um rochedo que está a restringi-las e uma subida árdua para sair de baixo dele.
Se quisermos mesmo mudar de vida, temos de nos deixar consumir pela raiva: não dos outros, não do mundo, mas de nós mesmos.
Fiquemos zangados, determinados, e permitamo-nos desenvolver visão em túnel com uma coisa, e apenas ela, no fim: que não vamos continuar tal como estamos.
PREPARARMO-NOS PARA A MUDANÇA RADICAL
Um dos maiores motivos por que as pessoas evitam fazer trabalho interior importante é reconhecerem que, se se regenerarem, as suas vidas mudarão — às vezes, drasticamente. Se admitirem quão infelizes estão, isso significa que, temporariamente, terão de estar mais desconfortáveis, envergonhadas ou assustadas enquanto recomeçam.
Vamos deixar uma coisa bem clara: pormos um ponto final no nosso comportamento de autossabotagem significa, definitivamente, que a mudança paira no horizonte.
A nossa nova vida vai custar-nos a antiga.
Vai custar-nos a nossa zona de conforto e o nosso rumo.
Vai custar-nos relações e amigos.
Vai custar-nos sermos apreciados e compreendidos.
Não importa.
As pessoas que nos estão destinadas irão ter connosco do outro lado. Iremos construir uma nova zona de conforto à volta das coisas que nos fazem realmente avançar. Em vez de sermos apreciados, seremos amados. Em vez de sermos compreendidos, seremos vistos.
Tudo o que vamos perder é o que foi construído para uma pessoa que já não existe.
Permanecermos apegados à nossa antiga vida é o primeiro e derradeiro ato de autossabotagem, e libertá-la é aquilo para que temos de nos preparar para estarmos verdadeiramente dispostos a ver uma mudança concreta.
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