"Eu gosto de ser amado como eu amo a mim mesmo". Para este homem, que falava de si na terceira pessoa, tudo o que fazia só podia ser feito de maneira desmedida. Um estilo que no final da sua vida o perseguiu, entre brigas familiares, declarações contraditórias e polémicas sobre a sua carreira e as suas mulheres.
Príncipe encantado ou gangster indomável, Delon atuou para alguns dos maiores diretores do cinema e o seu poder de atração talvez só tenha sido igualado na história do cinema por Rodolfo Valentino. Outros viram nele uma versão francesa de James Dean.
Foi o homem ideal para muitas mulheres e companheiro por um tempo de símbolos da belezas como Romy Schneider, Claudia Cardinale, Simone Signoret e Mireille Darc.
"Foi nelas, no olhar da minha primeira esposa, Nathalie, e nos de Romy (Schneider), Mireille (Darc) ou da mãe dos meus filhos (Rosalie van Breemen) que encontrei a motivação para ser o que fui, para fazer o que deveria fazer", dizia Delon.
Ator minucioso perante a câmara, Alain Delon passará para a posteridade por um magnetismo comparável ao que Marilyn Monroe ou Brigitte Bardot tiveram sobre os homens. "Só me faltou fazer o papel de Cristo. Agora é um pouco tarde", disse no final da sua carreira.
Trabalhou em cerca de 90 filmes, sob a direção de Melville, Visconti, Antonioni, Losey, Godard e Malle. Produtor, diretor, empresário e colecionador de arte, era um sedutor rebelde e arrogante, que cultivava na vida real a imagem que irradiava em cena.
O tempo transformou-lhe o rosto e esbranquiçou os cabelos da fera solitária. Acentuou a sua pose de misantropo de onde ele saboreava a glória, antes que esta o exaurisse porque limitava a sua liberdade.
"Estava programado para o sucesso, não para a felicidade. São duas coisas incompatíveis", disse numa ocasião.
Sob as asas de Visconti
Nascido em 8 de novembro de 1935 em Sceaux, perto de Paris, Delon teve uma infância instável após o divórcio dos pais, seguida de quatro anos de guerra na Indochina como fuzileiro naval.
De volta a Paris, acumulou empregos temporários numa área do mercado central da capital. "Tive muitos contactos com o ‘gangsterismo’, até toquei nele com os dedos", confessou em 2021. Mas "sempre preferi os polícias".
A sua elegância imponente, de olhos azuis e "rosto de anjo" — um dos seus apelidos — não passavam despercebidos no distinto bairro parisiense de Saint-Germain-des-Près, o qual começou a frequentar.
O cineasta Jean-Claude Brialy rendeu-se ao charmoso ator e o convidou-o para o Festival de Cannes.
Em 1957, estreou-se em "Uma Tal Condessa", de Yves Allégret, antes de se tornar intérprete de um dos maiores, Luchino Visconti. O diretor italiano foi o verdadeiro “Pigmaleão” do jovem ator, cuja inteligência e potencial soube detectar e desenvolver.
"Rocco e Seus Irmãos" e "O Leopardo" serão dois ápices na carreira de Delon. Em Itália, atua em "O Eclipse" (Michelangelo Antonioni), antes de interpretar papéis memoráveis para Jean-Pierre Melville em "O Círculo Vermelho" e “O Samurai”.
No teatro, foi visto em "Pena que seja uma p...", montado por Visconti. A co-protagonista chamava-se Romy Schneider e foi o início de uma longa relação com a jovem atriz austríaca.
Com "Borsalino", de Jacques Deray, alcançou em 1974 um dos maiores sucessos da sua carreira ao lado de Jean-Paul Belmondo, de quem se despediu, emocionado, a 10 de setembro de 2021, durante o funeral deste outro ícone do cinema francês.
Alguns diretores exploraram com sucesso as suas facetas mais complexas. Para Joseph Losey, foi o enigmático protagonista de "Monsieur Klein" (1976) e Volker Schlöndorff transformou-o no barão de Charlus, o inatingível aristocrata de "Um Amor de Swann" (1984), adaptação da obra de Proust.
Amizade com Carlos Monzón
Alain Delon diversificou as suas atividades: como diretor, filmou "Na Pele de um Tira" (1981) e "Le Battant" (1983). Envolveu-se na criação de cavalos de corrida e era um entusiasta do boxe.
Da fascinação pelo turbulento e violento mundo das lutas, nasceu a relação com o argentino Carlos Monzón, de quem organizou vários confrontos na França.
A amizade durou para sempre, ao ponto de Delon visitá-lo na Argentina, na prisão onde o ex-campeão cumpria pena por assassinar a sua esposa, antes de ele próprio morrer num acidente de carro em 1995.
Em 1978, Delon criou com sucesso a sua própria empresa de produtos de luxo. Aficionado por arte, colecionava esculturas, garrafas de grandes vinhos e relógios.
Em 2002, após a separação de Rosalie, não escondeu a sua depressão.
Nos anos seguintes, as aparições públicas tornaram-se cada vez menos frequentes, marcadas por declarações que acentuavam o seu isolamento, a favor da pena de morte e da extrema-direita ou contra o casamento homossexual.
"Não gosto do mundo atual", dizia este homem, pai de três filhos, Anthony, Anouchka e Alain-Fabien, que protagonizaram no final de 2023 um embate judicial, acusando-se mutuamente de negligenciar a saúde do pai.
Os três apresentaram processos separados na justiça. Simultaneamente, a cuidadora do ator nos últimos anos, Hiromi Rollin, também foi alvo de uma denúncia dos filhos, que a acusavam de isolar o pai. Esta respondeu com uma nova ação contra eles.
Delon nunca recebeu um prémio de interpretação do Festival de Cannes, que decidiu, apesar de todas as polémicas, conceder-lhe, em 2019, uma Palma de Ouro honorária pelo conjunto da sua carreira.
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