"Há um tema que vai aparecendo em praticamente tudo o que escrevo, que é a religião. Me interessa muito a questão da fé pessoal e as questões sociais relacionadas à religião", disse Bruno Vieira Amaral, numa entrevista durante a Festa Literária Internacional do Pelourinho (Flipelô), que aconteceu em Salvador, no Brasil.
"A religião é uma rede de sociabilidade, está presente nos edifícios e na vida das pessoas e não se pode empurrá-la para uma zona escondida. [...] Apesar de ser ateu, de não ter crença nenhuma, sou completamente contra o discurso antirreligioso", acrescentou.
Vieira Amaral já abordou o tema no livro "Aleluia!" (2015), uma espécie de investigação jornalística sobre a variada oferta religiosa de Portugal além do Catolicismo, que passa por diversas igrejas evangélicas e cultos neo-pentecostais.
O escritor confessou, porém, que há uma outra história ligada a religião que gostava de desenvolver, uma narrativa com forma ainda não definida sobre a figura carismática do líder religioso angolano Simão Toco e seus seguidores.
"Gostava de escrever, ainda não encontrei a voz para escrever esta história, sobre o Simão Toco. Ele era um profeta angolano nascido na década de 1920 que, influenciado pelas Testemunhas de Jeová e outros movimentos carismáticos africanos, criou uma religião, o Tocoísmo. Como é uma religião africana, acabou perseguida pelo Estado Novo. Ele [Simão Toco] esteve preso, foi desterrado para os Açores", frisou.
Segundo Vieira Amaral, já livre da prisão, de volta a Angola, Simão Toco chegou a oferecer-se para desempenhar o papel de mediador entre as forças políticas após do seu país após a independência, em 1975, mas acabou rejeitado.
O Tocoísmo tornou-se um culto proibido pelo Governo do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), facto que só foi revertido algum tempo depois da morte de Simão Toco em 1984.
“A história dele traz a questão do carisma dos líderes religiosos porque Simão Toco fundou um movimento sozinho. A questão da fé pessoal porque li histórias dos seguidores do movimento [dele que são] muito fortes", explicou Vieira Amaral.
"[Escrever esta história] também me permitiria regressar a Angola, agora, não numa abordagem familiar, da minha ligação pessoal, mas numa abordagem mais geral. Ainda não encontrei a forma de contar. Enquanto não há linguagem para a história, não há história", completou.
Questionado se tinha reparado nos aspetos religiosos de Salvador, cidade brasileira em que se destaca a fusão de religiões de matriz africana com o Catolicismo imponente ricamente representado nos altares de ouro construídos durante a colonização portuguesa, Vieira Amaral brincou dizendo que lhe chamou a atenção a presença de muitas pessoas numa missa e que pretendia visitar algumas igrejas se conseguisse arranjar um tempo.
No Brasil, além de participar numa mesa de debate na Flipelô, Vieira Amaral lançou o romance "Hoje estarás comigo no Paraíso" sobre a história real do assassínio de um primo do autor chamado João Jorge, em que a religião aparece mesclada a outros temas como família, memória, infância, o bairro periférico com uma comunidade de retornados que para lá se mudou após a independência de Angola.
*Por Carolina de Ré, da agência Lusa
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