Era impossível ficar indiferente a "Don’t Look Up" desde as primeiras notícias sobre a produção. O filme, realizado e escrito por Adam McKay, reúne entre si um elenco impressionante, daqueles que nos faz pensar "Isto só pode ser bom!". Mas Jennifer Lawrence, Leonardo DiCaprio, Meryl Streep, Jonah Hill, Timothée Chalamet, Cate Blanchett e Rob Morgan são só uma parte dos motivos pelos quais este filme era tão esperado.
A fasquia estava também elevada porque McKay já trouxe aos ecrãs do cinema e da televisão vários projetos aclamados. "Vice", "The Big Short" e "Succession" (como produtor executivo) são parte deste legado que marca um registo diferenciador na forma de contar histórias. Nem todos os tiros são certeiros, mas neste caso acho seguro admitir que a expectativa foi superada. "Don’t Look Up" é uma lufada de ar fresco, uma sátira bem construída que, entre piadas, nos faz arrepiar a espinha com tensão. Mas antes de te dizer quais foram os meus pontos preferidos, vou explicar-te a história numa versão curtinha e tentar não dar demasiada informação.
6 meses e 14 dias para salvar o mundo
O filme apresenta-nos logo de início aquela que será a principal peripécia do enredo: há um cometa que cuja rota coincide com o planeta Terra e que tem uma dimensão capaz de causar um evento digno da extinção humana. A descoberta é feita por Kate Dibiasky, personagem à qual Jennifer Lawrence dá vida (e tão bem que ela o faz!), e quem a ajuda nos cálculos é o seu supervisor, o Dr. Randall Mindy, papel interpretado por Leonardo DiCaprio.
Com tamanha informação em mãos, os dois vão comunicá-la àqueles que teriam maior capacidade de salvar o planeta. Fazem uns contactos, metem a NASA a par da situação e, quando dão por si, estão os dois na Casa Branca, à porta do gabinete da Presidente dos Estados Unidos, à espera que ela os ouça para que, em conjunto, possam discutir uma solução. Lá dentro, como representante maior da nação, está a presidente Janie Orlean (queen Meryl Streep), numa elegância que quase nos faz lembrar a sua participação n'"O Diabo Veste Prada", só que desta vez num registo mais satírico e cómico.
Era de esperar que a reação ao receber a notícia de que faltava tão pouco tempo à humanidade causasse o pânico e ativasse logo uns quantos planos de contingência que envolvessem não só o governo dos Estados Unidos como também várias organizações por todo o mundo. No final de contas, se nada fosse feito, iam todos morrer. Mas nem mesmo os cálculos científicos mais precisos, feitos pelos mais entendidos em astronomia ou a probabilidade de 99% deste acontecimento deixaram os responsáveis pelo país preocupados.
Para além de receberem esta informação como se esta fosse só mais uma daquelas previsões do fim do mundo que acabam trending no Twitter e que não dão em nada, a chefia dos EUA sugere ainda que se coloque o tema em standby e que se volte a pensar nisso no futuro. No final de contas, há eventos políticos pelo meio que são prioritários. E é no seguimento de ver os seus alertas ser desvalorizados, que Kate Dibiasky e o Dr. Mindy embarcam numa jornada com o objetivo de informar toda a população mundial sobre aquilo que está a acontecer.
Começam com a opção mais lógica: os meios de comunicação. Mas nem aí são bem sucedidos. Para além de ninguém querer dar notícias más e de se tratar de um tema confidencial que pode dar problemas com o Gabinete da Casa Branca, a verdade é que, na agenda dos temas mediáticos, o fim de um relacionamento entre duas celebridades é mais relevante do que o fim do mundo, e só isso já condiciona o tipo de exposição que os dois cientistas conseguem ter.
Já conseguem, com este pequeno resumo, perceber qual é o tema transversal às quase duas horas e meia de filme. E, ainda que possa parecer um conceito que não justifique a duração, admito sem qualquer dificuldade que não houve um único segundo em que pensasse "Podiam ter encurtado esta parte um bocadinho". Nem mesmo quando o Dr. Mindy dava palestras de preciosismos científicos dos quais não eu não tenho capacidade de interpretação.
No geral, trata-se de uma longa metragem com um ritmo bastante rápido e que nos está constantemente a puxar para dentro da história. Um detalhe que achei bastante curioso e que quero destacar são os segmentos que intercalam as peripécias. Aqui as semelhanças com algumas partes de "Succession" (e com outros projetos de McKay) são inegáveis. Quando não estamos a assistir a interações entre as personagens, estamos a ver separadores que misturam várias imagens que parecem ter acabado de sair de vários programas do National Geographic, como quem nos diz "se o mundo acabar, acaba-se isto também".
Dizer que "Don’t Look Up" é um filme de comédia é absolutamente redutor. É sátira ao mais alto nível. Vai desde o humor mais inteligente com direito a crítica política às intervenções mais básicas que nos roubam uma gargalhada fácil. Fala de desinformação, da necessidade de "olhar para cima" e de ver para além daquilo que nos colocam à frente, da distorção dos factos, do vício das tecnologias, da necessidade de distração do ser humano e da fixação com tornar tudo mais ligeiro porque "o mundo já é difícil o suficiente".
Como já deve ter dado para reparar, gostei muito do filme. Mas tenho a destacar, acima de tudo, o build up para a cena final e os últimos momentos do filme. Depois de mais de duas horas a um ritmo frenético, os últimos minutos de "Don’t Look Up" são os mais calmos e, ao mesmo tempo, os mais intensos. É um momento soberbo e, definitivamente, é aquilo que mais me dá vontade de voltar a ver.
Em suma, o filme está tão bem escrito como montado e editado. E não sou só eu quem o acha. Por todo o mundo, a produção de Adam McKay parece estar a conquistar os críticos e há até casas de apostas que a colocam em várias categorias na corrida para os Óscares 2022.
Se eu acho que acho que este filme é menino para ganhar um "Melhor Filme"? Não me parece. Mas certamente que não tiro a hipótese de umas nomeações noutras categorias. Jennifer Lawrence está muito bem, Leonardo DiCaprio também faz o seu papel de forma irrepreensível, numa faceta de pai que lhe assenta que nem uma luva. E claro que é praticamente certo que vamos ver Ariana Grande no Dolby Theatre a interpretar Just Look Up, a música oficial do filme.
A produção de "Don’t Look Up" foi inicialmente anunciada em 2019, e no ano seguinte foi comprada pela Netflix. O resultado final chega à plataforma de streaming no dia 24 de dezembro, mas antes faz uma passagem pelos cinemas e levar o icónico N da Netflix ao ecrã gigante. A estreia no cinema está marcada para dia 9 de dezembro (podes espreitar aqui as salas e os horários). E a minha recomendação é que vás e que fiques depois dos créditos. De nada.
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