“Mr Stark, you have become part of a bigger universe. You just don’t know it yet.”
Foi com esta cena, nos créditos do primeiro Iron Man de 2008, que Nick Fury anunciou a Tony Stark o universo da Marvel que este, juntamente com os restantes Avengers, teria de proteger. Passados 22 filmes e mais de 40 horas no grande ecrã, o ciclo da mais famosa equipa de super-heróis chega ao fim com "Avengers: Endgame", que estreou esta semana nas salas portuguesas.
Mas, na realidade, não foram só os Avengers que entraram num novo universo. A maneira como as audiências e os principais estúdios de cinema começaram a olhar para os chamados “filmes de comics” mudou completamente com o sucesso que os filmes de super-heróis quer da Marvel quer da DC (principais estúdios do género) foram acumulando na última década e meia.
Comecemos por olhar para alguns números do iMDB:
- Quantos filmes de super-heróis tinham sido produzidos por um dos principais estúdios antes de 2005? Vinte.
- Quantos filmes foram produzidos a partir daí e até à data de hoje? Cinquenta e seis (sim leu bem, quase três vezes mais).
Só por aqui conseguimos perceber que este tipo de filmes ganhou uma popularidade em anos recentes que não teve noutros períodos do cinema. Enquanto os blockbusters, antes do inicio deste milénio, costumavam estar ligados a eventos históricos, como é o caso de Titanic e de Braveheart, ou a filmes de ficção cientifica, como Jurassic Park e Terminator, atualmente os lançamentos que mais buzz criam nas audiências e nos media são, por norma, os de super-heróis.
Existem vários estudos que tentam identificar fatores que podem ter contribuído para a maior relevância deste género na cultura pop. Entre eles, é regularmente referenciado o crash da economia mundial em 2008 (que, curiosamente ou não, coincide com o início do universo da Marvel) como uma das principais razões. Numa altura em que várias pessoas ficaram desempregadas, muitos destes filmes em que existe uma separação mais simples do bem e do mal e onde inevitavelmente “tudo acaba bem e o mundo é salvo” serviram de escape para uma geração que não só estava a passar dificuldades, mas que tinha crescido a ler e a colecionar estas histórias que agora começavam a ser cada vez mais adaptadas ao cinema. O crescimento do movimento geek e o aparecimento das redes sociais também contribuíram para que as histórias de super-heróis começassem a ser cada vez mais partilhadas e discutidas, tornando-se um tema do quotidiano, coisa que não acontecia antes, quando eram rotuladas como pertencendo a um nicho.
Da perspetiva dos estúdios de cinema, os menores rendimentos que os fãs de cinema agora dispunham obrigaram-nos a olhar para películas onde o risco de fracasso na bilheteira fosse menor, e apostar em super-poderes mostrou ser uma boa fórmula. Primeiro, estavam a ganhar uma nova popularidade nas classes médias ainda com algum orçamento para entretenimento e lazer. Segundo, as barreiras tecnológicas que antes tornavam os filmes de super-heróis pouco realistas deixaram de ser um problema com o desenvolvimento da CGI (abreviatura de computer-generated imagery, uma tecnologia de efeitos especiais) que deu uma qualidade extra a este tipo de produção que tanto depende dos efeitos especiais. Por último, a variedade de histórias sobre super-heróis com diferentes percursos, diferentes identidades e diferentes temáticas dava aos estúdios uma biblioteca de potenciais argumentos cuja adaptação ao cinema era muito mais fácil e menos dispendiosa do que contratar uma equipa de escritores para desenvolver histórias originais.
O género não ganhou importância só pela perspetiva de rentabilidade na bilheteira - também na reputação junto dos críticos de cinema as coisas mudaram. Tudo começou com o Óscar para Melhor Ator Secundário dado a Heath Ledger pelo seu papel no "Cavaleiro das Trevas" de Cristopher Nolan, poucos meses depois de o ator ter morrido. Seguiu-se a nomeação de Ryan Reynolds para um Globo de Ouro com "Deadpool" e culminou este ano com a nomeação de "Black Panther" para o Óscar de Melhor Filme. Durante muito tempo, a histórias dos super-heróis eram tidas como superficiais, quer no enredo quer na própria personalidade dos protagonistas, o que levava a que filmes acabassem por sofrer do mesmo estigma.
No entanto, no mundo atual, em que cada vez mais é dado destaque a temas sobre a igualdade de género, as questões raciais ou os direitos LGBTQ, tornou-se também evidente que os comics na sua essência já continham histórias centradas nestas temáticas, o que dava uma dimensão diferente aos argumentos que nelas eram baseados. Como exemplos mais recentes, tivemos a "Wonder Woman" e a "Captain Marvel" como filmes liderados por uma personagem feminina que foram um sucesso de bilheteira quer para a DC quer para a Marvel, ou "Black Panther" que deu primazia a um super-herói negro. Num período em que a representação negra é cada vez mais falada no cinema e também nos prémios da Academia, este filme bateu o recorde de bilheteira nos EUA acumulando 700 milhões de dólares. A comunidade LGBTQ também foi representada, por exemplo, com Korg em "Thor: Ragnarok", com "Deadpool" (que se considera pansexual) ou a sua parceira Negasonic Teenage Warhead (que apresenta a namorada em "Deadpool 2").
O último Avengers não se esquece de passar estas mensagens (pare de ler aqui se não quiser saber um ou dois pequenos spoilers do filme). O filme dirigido pelos irmão Russo além de juntar todas as super-heroínas numa cena da batalha final contra Thanos, também tem um momento simbólico, nomeadamente no contexto americano, em que o Capitão América, agora já idoso, passa o seu escudo a Falcon, que é negro, no que pode ser visto como um gesto alusivo ao movimento Black Lives Matter.
Na indústria, prevê-se que "Endgame" vá bater todos os recordes de audiência, tendo já batido em Portugal, onde foi visto por mais de 80 mil espectadores só no primeiro dia. Nos EUA, já fez 60 milhões de dólares enquanto na China ultrapassou os 100 milhões na estreia.
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