Exagero?
Avalie por si. Uma ilha em que é difícil dar três passos seguidos sem nos surpreendermos com o verde dos prados, o límpido azul do céu e o profundo azul do mar. Uma ilha onde, praticamente em qualquer ponto onde se esteja, há o verde dos prados, o límpido azul do céu e o profundo azul do mar (não ligue quando lhe falarem de nuvens e chuva, é verdade, mas vai como vem e só aumenta o charme da imprevisibilidade).
Uma capital, Angra do Heroísmo, que é património mundial pela sua beleza e conservação irrepreensíveis. Pessoas que nos recebem com um sorriso e têm histórias que nunca mais acabam. Se há património imaterial infindável numa ilha, nesta ilha, são histórias.
Agora some mais isto: tasquinhas em cada esquina onde há sempre mais alguém a convidar para um copo (e uma história, claro) e petiscos, petiscos de festa como a linguiça, a morcela e a bifana. Ah, mas Açores são conhecidos pelas vacas e pela sua carne de incomparável sabor? É verdade, e há todo o um roteiro de restaurantes para poder comprová-lo, mas nas tascas que pontuam o circuito das Sanjoaninas é de festa popular que se trata, portanto tem cerveja e tem porco.
Não fica por aqui.
Some ainda um desfile - o de hoje - em que as mulheres são rainhas, porque assim se decidiu. O cortejo que abre as festas tem uma rainha, mas não um rei, e a rainha tem damas, tem chefe de protocolo, tem pajens. A rainha tem tudo. Mariana Maciel é essa rainha das Sanjoaninas deste ano, será ela a desfilar desde o Alto das Covas à Praça Velha, num percurso que não é longo mas que dura um par de horas ou mesmo um pouco mais e onde os lugares começam a ser reservados logo após ao almoço. Cadeiras de esplanada, de praia ou de outro préstimo qualquer são devidamente amarradas ao chão, reservando os lugares na primeira fila que mais logo, quando a noite for alta e os pés já pesarem de tanta rua acima, rua abaixo, serão cobiçados por todos os que por ignorância ou falta de iniciativa não cuidaram de tal coisa.
Mas voltemos ao tema: as Sanjoaninas são “a maior festa dos Açores”, disse-nos José Gaspar Rosa de Lima, o vice-presidente da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, e antes dele já tinham dito as várias pessoas com quem falámos. Desde Nélia Silva, a dona da loja das noivas a quem coube encontrar fato para as damas que este ano virão representar o Funchal e Alenquer, a Eduarda Rosa, a professora de dança a quem coube a tarefa de coordenar o desfile, orquestrando cerca de 400 pessoas.
As Sanjoaninas são uma festa grande porque popular e, sendo popular, poucos pensariam que liberalismo poderia ser tema para desfile de uma rainha, da sua corte e de mais cinco carros alegóricos devidamente preparados para o efeito. Mas o facto é que pode e o facto é que aqui a História se torna uma festa e ao se tornar uma festa vive no presente em vez de encerrada no passado.
Não é por acaso que é difícil encontrar um terceirense que não comece a conversa sobre as Sanjoaninas com a frase “sabe que Angra é uma cidade com muita História”. É essa História com H maiúsculo que evocam a cada ano nestes 10 dias que hoje aqui começam e que cumprem mais um ciclo a 1 de julho. É essa História também que traz à ilha e à cidade “representantes” de outras tantas cidades irmãs - como Ponta Delgada, Funchal e Alenquer - mas também de sítios distantes como Gilroy na Califórnia e Taunton no estado do Massachusetts. É que esta é também a terra que de um lado tem Portugal e do outro lado tem a América - e aqui não nos esquecemos disso.
A câmara municipal de Angra investe nestas festas cerca de 750 mil euros. “E quando terminam umas, logo de seguida começamos a preparar as do ano seguinte”, conta o vice-presidente. Não há estudos detalhados, mas o autarca não tem dúvidas do impacto “enorme” das Sanjoaninas na cidade e na ilha - “multiplica o investimento por três ou por quatro, e multiplica-o onde queremos que é na economia e negócios locais”. A verdade é que os voos por estes dias estão cheios e, diz-nos José Gaspar Rosa de Lima, desde abril ou maio que muitos hotéis têm as reservas para estes dias totalmente preenchidas. É essa a medida do retorno.
Está tudo a postos. As tascas já se enchem, as conversas já se cruzam, a música já se ouve aqui e ali. Mas, sobretudo, há no ar aquele frenesim dos dias especiais. O frenesim, ou adrenalina, que faz Mariana, a rainha da festa, dar-nos o seu melhor sorriso e as suas mais sinceras lágrimas. Porque é ela que hoje vai representar o que significa isto de ser açoriana da Terceira. Ela, duplamente feliz e emocionada, não apenas porque foi escolhida, mas também porque foi escolhida no ano em que as freguesias de Angra do Heroísmo e não apenas a cidade entram neste cortejo. E ela, que vem da freguesia de Porto Judeu, está duplamente honrada por representar a ilha e a terra na maior festa de São João, um santo dado à folia e à boa disposição.
“A que horas isto acaba?” - a pergunta pode ser feita, mas que ninguém espere respostas concretas. Porque não há. “As Sanjoaninas juntam a tradição, a cultura, a gastronomia. Mas mais do que tudo, a união, o convívio, o extravasar de um povo que trabalha para viver e não vive para trabalhar”, é assim que o artista e homem da terra Francisco Maduro-Dias as define. É provavelmente por isso que, na realidade, a festa nunca chega mesmo a acabar.
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