Da Green Hill na Foz do Arelho à Hot Rio em São Pedro de Moel, ou mais a norte na Locopinha e Stressless (Praia do Pedrógão) até ao Pessidónio e Amnistia (Figueira da Foz) e à Mirassol na Praia de Mira; das noites de Coimbra que viram desaparecer casas como a Scotch e Via Latina até à Repvblica, em Castelo Branco, entre muitas outras, o roteiro varia em histórias para contar, mas não na mesma realidade: portas fechadas.
O complexo de piscinas de São Pedro de Moel, no concelho da Marinha Grande, inaugurado em 1967 pelo então presidente da República Américo Tomás, integrava a discoteca HotRio, que ganhou fama pelas noites de verão e pela vista sobre os tanques de natação, prancha de saltos e mar.
O espaço foi crescendo e mudando de identidade, passou a incluir três bares, mas foi a Hot_Rio (mais tarde chamou-se Caótica e Club In) que mais dinamizou a noite de uma das praias mais concorridas do distrito de Leiria. Em 2013, face a dificuldades financeiras, todo o complexo encerrou, apresentando atualmente múltiplos sinais de degradação e vandalismo.
Vinte quilómetros a norte, outro destino de férias em pleno Pinhal de Leiria, a praia do Pedrógão viu nascer, no início de 1992, a Locopinha, que funcionou durante mais de uma década e cujo edifício, nos dias de hoje, ali se mantém, profundamente degradado.
A poucos metros de distância, em 1993, surgiu a concorrência da Stressless, que abria principalmente no verão, durante três meses, e depois, ao longo do ano, funcionava pontualmente: “Mas tinham de ser festas grandes, porque levava quatro mil pessoas”, assinala Luís Miguel, que esteve ligado à gestão do espaço desde o primeiro dia e recorda que a discoteca “ainda hoje é lembrada pelas famosas festas da espuma”.
Fechou definitivamente há seis ou sete anos e parece condenada: a tempestade Leslie arrancou-lhe parte do telhado e a chuva fez cair a cobertura de lã de rocha. Mas o destino estava traçado há muito, com a mudança nos critérios de licenciamento e horários dos bares, que ditou o fim da Stressless e de todas as discotecas da região, alega o antigo gestor.
Mais 70 quilómetros para sul, outra estância balnear (Foz do Arelho, concelho das Caldas da Rainha) e um relato de 30 anos de funcionamento ininterrupto aos fins de semana: a Green Hill abriu portas em 1980, numa colina com vista para o mar, tornou-se numa das discotecas mais movimentadas da zona Centro e hoje mais não é do que uma ruína degradada e grafitada de onde “roubaram tudo o que tinha valor, desde as portas aos alumínios”, disse à Lusa João Marques, agente imobiliário que tem à venda o imóvel por cerca de 1,3 milhões de euros.
Já Gui Caldas, DJ que ali trabalhou nos anos 80 e 90, recorda a discoteca que se tornou um verdadeiro ícone da vida noturna nacional e “atraía gente de todas as partes do país”.
“Fui eu que inaugurei a pista dois”, lembra, convicto de que “ali se fizeram e desfizeram muitos casamentos”. Em 30 anos, acrescentou Gui Caldas, a Green Hill “nunca fechou um fim de semana”, mesmo que “durante a semana se fizessem obras e à sexta-feira abrisse com a tinta ainda por secar”.
Se em Leiria outras duas antigas discotecas suscitam imediatas recordações – a Império Romano, na Marinha Grande (distinta pela decoração inspirada no nome de batismo, com reproduções de estátuas do classicismo e jardim romano) e a Rio Mar, desenvolvida em 1976 pelo Grupo dos Amigos da Praia da Vieira de Leiria para ser uma casa de animação musical, mais tarde discoteca a poucos metros do areal – mais para o interior a ‘febre’ das discotecas também atingiu Tomar, onde em 1982 apareceu a Pim Pim.
“Foi uma novidade”, que teve “grande impacto” numa região onde, na altura, “não havia grande oferta” para quem procurava um sítio para se divertir, recorda Manuel Graça, um dos DJ da discoteca com capacidade para 600 pessoas.
Apesar de ter durado apenas cerca de uma década, e de, pelo meio, ter adotado outro nome, a Pim Pim “ficou sempre na memória”, argumenta Manuel Graça, o que levou, em 2011, noutro local – o espaço deu entretanto lugar a uma igreja – à realização de uma festa “Remember” que atrai milhares de pessoas e que em junho cumpre a nona edição.
Nos arredores de Castelo Branco, dava cartas a Repvblica, um megaprojeto do empresário António Mata, que ali investiu, desde 1992, cerca de 800 mil contos (a preços de hoje, 7,4 milhões de euros), mas que sucumbiu à concorrência, em 2006, com a abertura de um espaço de bares no centro da cidade.
Anos antes, em 1984, António Mata tinha inaugurado o Jimmy’s Club, também fora da cidade, que durante 10 anos funcionou todos os dias da semana e fins de semana. Foi vendido em 1994 e hoje é uma casa de alterne.
Na Guarda, na década de 80, as discotecas Black & White e Tequilla eram duas das referências, mas ambas fecharam: a primeira chegou a acolher a Casa do Benfica, hoje serve uma garagem e um pronto-a-vestir, a segunda é um restaurante.
De regresso ao litoral, na Praia de Mira, distrito de Coimbra, o nome da Mirassol ainda perdura num edifício virado para a Barrinha, pintado em tinta desbotada na parede branca, mas a discoteca “cessou de existir”, como refere um dos antigos donos.
Ponto de encontro de gerações de veraneantes, palco de noitadas e de amores de verão, a Mirassol “teve o seu tempo”, resume António Pires, que ali conheceu a mulher numa noite de agosto. A “discoteca da moda” na Praia de Mira cheirava a cerveja, bronzeador e “outros produtos” consumidos por uma mistura de jovens da região, emigrantes de férias e estrangeiros que acampavam nas florestas em redor.
Mais a sul, a Figueira da Foz sempre se assumiu na vanguarda de casas de diversão noturna, coexistindo ao longo dos anos várias discotecas (como o Bergantim ou a Flashen, entre outras) repletas de clientes, especialmente no verão e fins de semana, e hoje todas encerradas.
Na cidade, no verão de 1969, abriu um espaço único a nível nacional, o Pessidónio, que chegou a cumprir 40 anos em 2009 – um mural à porta resiste para o provar – mas também encerrou.
O Pessidónio bebia da filosofia muito própria do proprietário, o carismático Ruy Montargil, antigo campeão de patinagem e piloto de automóveis (falecido em 2014, aos 96 anos), que emprestava patins aos clientes para que estes deslizassem, ao som da música, numa das pistas da discoteca, e se assumia, ora como porteiro impiedoso, ora como motorista privativo, que levava a casa, a horas decentes, os filhos dos amigos e clientes habituais.
A discoteca desafiava leis e regulamentos, desenvolvendo-se em cascata, repleta de degraus, colunas forradas a tecido felpudo, diversos recantos à média ou pouca luz e um bar acessível por um escorrega de madeira.
No final dos anos 80, num local que tinha sido uma fábrica de bonecas, surgiu um projeto distintivo, a Amnistia, projetada de raiz por um arquiteto, Pedro Maurício Borges, uma inovação “e ideia arrojada” na altura, que atraía arquitetos nacionais e estrangeiros, de Portugal ao Japão, lembra Carlos Lagoa, antigo sócio gerente.
Nas noites de sexta-feira, ao longo de cinco anos até ser vendida, o espaço onde sobressaíam “jogos arquitetónicos” – com uma passarela elevada sobre a pista, cujos degraus continuavam pelo balcão do bar ou casas de banho identificadas por paredes em tons de azul e rosa, o que resultou em pequenos incidentes – transbordava de gente, até de manhã.
Em Coimbra, o Scotch abriu portas em 1980, bar primeiro, depois discoteca, público “eclético” e escolhas musicais do pop ao reggae e rock nacional e estrangeiro, sendo “Bobby Brown”, de Frank Zappa, a canção mais icónica e recorrentemente usada para fechar a pista de dança, contou à Lusa um dos antigos proprietários, Valdemar Simões.
O Scotch manteve-se na família de Valdemar até 1997, ano em que foi encerrado, face ao surgimento de bares com música de discoteca e a desregulamentação do horário de funcionamento, argumento repetido noutros locais.
A Via Latina foi a primeira discoteca a instalar-se na praça da República, hoje centro da noite de Coimbra, no final dos anos 80 e manteve-se até à viragem do século XX, lugar de eleição de estudantes durante a semana e ao fim de semana “do pessoal dito betinho de Celas e da Solum”, lembra Francisco Silva, DJ residente entre 1995 e 2003.
Francisco olha com nostalgia para esses tempos, em que o próprio consumo da música era diferente: “A grande diferença daquela altura para agora é que muitas das músicas que passavam não davam na rádio e não havia suportes digitais para as ouvir. Fazia com que as pessoas sentissem ou vivessem muito mais os momentos quando saíam à noite”.
Pombal, Mealhada e Coimbra mandam na longevidade das discotecas do Centro
Das dezenas de discotecas que existiam nos anos 1980 na região Centro, são poucas as que hoje mantêm um funcionamento regular e que continuam a atrair clientes nacionais e estrangeiros.
Em Meirinhas, a cerca de 12 quilómetros de Pombal, distrito de Leiria, situa-se um caso de longevidade quase ímpar no "campeonato" das discotecas que mantêm as portas abertas: a Palace Kiay vai a caminho dos 37 anos de existência e os proprietários - Jorge Duarte e a mulher, Lara Prince - apontam a persistência, a perseverança, o gosto pela gestão daquele espaço de diversão e o investimento constante na inovação como segredos para manter a discoteca em funcionamento.
"Não tinha experiência nenhuma em discotecas. Só como frequentador", recorda à agência Lusa Jorge Duarte, que se lançou no ramo com 22 anos. Ainda hoje, com 58, quando a festa termina, é ele que habitualmente fecha a porta da Kiay.
"Estar presente é muito importante: o que faz uma casa é ter os donos presentes. A não ser que seja um McDonalds, mas mesmo assim é preciso umas vistorias de vez em quando", diz o proprietário, com o pragmatismo de mais de três décadas de gestão.
A localização da Palace Kiay - construída de raiz, por Jorge Duarte, em 1982, num terreno contíguo ao restaurante do pai, junto à antiga Estrada Nacional 1, hoje IC2 - também beneficiou o negócio.
"Quando arrancámos, a discoteca era muito boa: moderna, com tecnologia à frente para a época e espaço inovador. Mas ajudou que a estrada nacional fosse a única ligação entre Lisboa e Porto. Toda a gente tinha de passar aqui à frente. Pode parecer que não, mas é uma mais-valia", assinala.
Desenhada a partir do zero pelo próprio Jorge Duarte - "aparentemente correu bem", argumenta - ganhou fama e ainda hoje chega longe o nome da Palace Kiay. A designação é a conjugação de duas ideias: palácio, "porque na época privilegiava-se muito o luxo nas discotecas", e Kiay, uma adaptação do proprietário a partir do nome de uma discoteca de Paris, "Kai", que tinha como tema artes marciais e significava "último grito".
"Inventei o nome para parecer bonito e fácil de divulgar. A coisa pegou: era o palácio do último grito, Palace Kiay", afirma, com orgulho, o proprietário.
Também em França, a Palace Kiay é conhecida: implantada em Pombal, zona de forte emigração, apostou sempre na promoção em Paris e, até hoje, a discoteca abre todos os dias nos meses de agosto, com DJ e música francesa, a pensar na comunidade emigrante que faz férias em Portugal.
Comparando com o que se passava há 30 anos, nos dias de hoje muita coisa mudou na diversão noturna: se nos primeiros tempos, o mesmo DJ estava de serviço três ou quatro anos e os clientes "iam pelo espaço", atualmente Jorge Duarte diz que é preciso pensar num conceito e em convidados diferentes todas as semanas, porque "há muita oferta e o cliente não fideliza", mesmo que se para saborear a nostalgia dos primeiros tempos, a Palace Kiay promova, duas a três vezes por ano, a festa K80.
Com um escorrega famoso que desce do último andar à entrada, quatro espaços distintos e capacidade para cerca de duas mil pessoas, a discoteca de Meirinhas caracteriza-se por ser intergeracional.
"A nossa clientela envolve já pais e filhos e, um dia destes, netos. É um ambiente diferente e isso é que a torna especial", explica Jorge Duarte.
Mais a norte, junto à mesma estrada nacional 1, na Mealhada, a Três Pinheiros é contemporânea da Palace Kyay (abriu dois anos antes, em 1980) e outro exemplo de longevidade, tendo precisado de pouco tempo para se transformar numa das maiores discotecas da região, atraindo jovens e menos jovens para uma experiência que incluía banhos de piscina e estadias no motel, com sandes de leitão e espumante da Bairrada.
"No auge dos anos 80 tínhamos três salas a funcionar, sempre cheias. Três mil pessoas lá dentro e filas de gente cá fora, a querer entrar", relembra Cláudio Pires, 50 anos, proprietário e DJ ocasional, 38 anos ligado à Três Pinheiros, uma vida.
Nos dias de hoje, a discoteca da Mealhada continua a funcionar, duas noites por semana. Adaptou-se aos tempos, mudou a música ("som da frente" às sextas, revivalismo ao sábado), passou a receber eventos corporativos, festas privadas, uma sala aberta em permanência, duas que abrem conforme as necessidades.
As filas à porta são agora pequenas ou inexistentes, mas a casa aguenta-se: "Temos clientes fiéis, gente que vem de muito longe. A discoteca é uma instituição", enfatiza Cláudio Pires.
Em Coimbra, na zona da Pedrulha, e também com vista para o IC2, resiste "mais como danceteria do que como discoteca" e com uma clientela "bastante mais velha" a Broadway, cuja origem, em 1987, derivou de uma disputa legal entre a empresa de som Furacão e o Fisco, contou à Lusa o antigo sócio gerente Mário Oliveira.
Na transição para o modelo de tributação do IVA, criado um ano antes, a autoridade tributária exigia "80 mil contos [a preços de hoje seriam 1,2 milhões de euros] em impostos" à firma e os responsáveis desta, perante a ameaça de encerramento, optaram, ao invés, por utilizar o material que a Furacão tinha e a experiência em montar discotecas para avançar com um novo espaço em Coimbra, em parceria com a Três Pinheiros, cliente regular daquela empresa de som.
O arranque quis vincar a diversidade da Broadway, com a abertura feita ao som de Tony de Matos e a segunda noite com Lena d'Água: "Ali, a água misturava-se com o azeite", recorda Mário Oliveira, salientando que a noite estava desenhada para agradar a gregos e troianos.
O espaço possuía uma orquestra própria, com dez músicos e dois cantores, que tocavam no início de cada noite "rumbas, pasodobles e chachachás". De seguida, entrava o DJ ou um espetáculo (passaram pela Broadway nomes como Rão Kyao, Amália Rodrigues, Herman José ou os Afonsinhos do Condado), seguia-se "meia hora para os ‘slows'", saiam os clientes mais velhos e entravam os mais novos. E o resto da noite decorria "até às 04:00 ou 05:00", ao som de música eletrónica.
Se ao fim de semana a clientela incluía professores e médicos e enfermeiros dos hospitais de Coimbra, às quintas-feiras faziam sucesso os convívios para estudantes, com uma camioneta que andava "sem parar da meia noite até de manhã a acartar gente" da Praça da República para a Pedrulha.
"Era uma sala de espetáculos, um baile dos bombeiros e uma discoteca. Tudo num único espaço", resume Mário Oliveira, que já saiu da gerência do espaço há quase 20 anos.
Diferentes formas de diversão ditaram sucesso da discoteca The Day After, de Viseu
Quatro pistas de dança com diferentes estilos musicais, uma pista de karting e a constante passagem de bandas nacionais e internacionais fizeram da The Day After, de Viseu, uma das mais icónicas discotecas dos anos 1980 e 1990.
"Numa noite, chegavam a passar aqui seis a sete mil pessoas. A casa nunca trabalhava abaixo das 3.500/4.000 pessoas por noite", recordou à agência Lusa José Arimateia, que começou a sua carreira no Grupo Visabeira como Relações Públicas da discoteca.
A The Day After abriu as portas em 1985 e encerrou a sua atividade regular em 2006, mas atualmente ainda anima a noite de Viseu pelo menos duas vezes por ano.
A partir de 2015, a discoteca começou a receber alguns bailes de finalistas das escolas de Viseu. Dois anos depois, começou a fazer reaberturas duas vezes por ano, acolhendo grandes eventos, que reúnem milhares de pessoas.
"O nosso grande objetivo com estas reaberturas é trazer de volta o perfume da The Day After, trazer as grandes memórias das noites que se passaram aqui", explicou Fernando Daniel Nunes, que está encarregado de organizar estes eventos ao nível de logística e do agenciamento dos artistas.
O primeiro destes eventos ocorreu em dezembro de 2017 e intitulou-se "Uma Noite por Todos", tendo a totalidade da bilheteira sido entregue a instituições e particulares da região afetados pelos incêndios desse ano.
"Tendo em conta o sucesso que tivemos nessa noite, optámos por abrir esta casa cerca de duas vezes por ano. Voltámos a abrir em julho de 2018 e agora, em dezembro, recebemos ‘The Revenge of the 90's', um conceito que anda por todo o país, com a particularidade de termos reaberto, pela primeira vez, a pista de karting", contou.
Em julho, como foi aberta uma quinta pista no exterior, a discoteca conseguiu reunir sete mil pessoas. Em dezembro, foram 4.600 aquelas que pisaram as pistas para relembrarem os anos 90.
Estes números fazem lembrar as enchentes de outros tempos, com a casa a abarrotar e a servir de ponto de encontro para pessoas de vários pontos do país.
José Arimateia, que atualmente é um dos diretores do Grupo Visabeira, recordou que a discoteca começou por ter apenas uma pista de dança, mas foi evoluindo até ter quatro e também "um kartódromo ‘indoor', que era uma coisa que mais nenhuma discoteca tinha".
"Tudo isto proporcionava formas de diversão bastante diferentes. As pessoas tinham géneros musicais diferenciados em cada uma das pistas", frisou, lembrando também que, durante muitos anos, praticamente todos os meses havia música ao vivo.
Segundo José Arimateia, todas as grandes bandas portuguesas passaram pela The Day After e também algumas internacionais. A pista de karting chegou a ser transformada num grande palco para poder acolher tanta gente.
GNR, Xutos e Pontapés e Delfins foram algumas das bandas portuguesas que protagonizaram momentos marcantes na discoteca de Viseu, contou, sublinhando que o músico Pedro Abrunhosa "teve uma enchente extraordinária que tinha fila que começava quase no início da Avenida da Bélgica", a cerca de três quilómetros de distância.
"Tivemos aqui concertos absolutamente memoráveis desse ponto de vista e também grupos mais pequenos que nunca tinham tocado para tanta gente", referiu.
Bruno Pereira lembra-se precisamente do dia em que começou a trabalhar na The Day After: 08 de dezembro de 1995. Na sua função de ‘ligth jockey' e de apoio aos artistas, viveu, até 1999, alguns dos momentos mais marcantes da sua vida.
"Todos os artistas que passaram naquela casa, nacionais ou internacionais, eram impecáveis", frisou, lembrando que os Xutos e Pontapés escolheram a The Day After para estrear os álbuns "Dados Viciados" e "Acústico", o que lhe proporcionou "momentos excecionais de convivência com eles".
Outro momento alto foi a inauguração do sistema de CO2 ‘indoor': "Hoje é muito usual nos eventos, mas fomos os pioneiros na Europa, toda a cobertura de luzes da Danceteria tinha jatos de CO2".
Segundo Bruno Pereira, "uma noite nunca era igual à outra", sendo que a animação e a clientela estavam sempre garantidas, até porque "praticamente não havia bares no centro de Viseu e a vida noturna passava quase na totalidade pela The Day After".
José Arimateia justificou o encerramento da discoteca, em 2006, com o facto de o tipo de diversão noturna ter mudado e terem começado a aparecer bares em Viseu e outros projetos nas cidades em redor.
"As discotecas também têm o seu ciclo e nós entendemos que devíamos encerrar para partir para outra realidade, o que se veio a verificar anos mais tarde", contou, acrescentando que o Grupo Visabeira está focado em outras áreas de negócio que não a noite.
Agora, o objetivo é que a The Day After sirva para as pessoas recordarem outros tempos e até "a sua própria história de vida".
"No ano passado, houve pessoas que vieram com os filhos mostrar o sítio onde se conheceram. Por outro lado, também é a oportunidade de mostrarmos aos mais novos o que era a The Day After, que era uma discoteca icónica", explicou.
O objetivo é que a The Day After continue a ser um espaço emblemático e, por isso, está já prometido um novo grande evento para julho.
"Ainda não está muito bem pensado, mas será certamente parecido com o que fizemos no ano passado, na mesma altura, ou seja, vai ser um evento mais virado para a onda do verão", avançou Fernando Daniel Nunes.
O jovem dá uma garantia: "Um dos pontos principais é nunca tirar a identidade da The Day After, ou seja, no Bar Americano vai estar o rock, na Dancetaria um conceito mais comercial, mais ‘mainstream', no Afterbeat será a pista do ‘hip hop', do ‘R&B', na Torre Millenium uma pista mais dos anos 80/90" e funcionará novamente o karting.
Horta da Fonte marcou gerações e foi referência na vida noturna nacional
Abriu na passagem de ano de 1978 para 1979 e, durante 38 anos, a Horta da Fonte marcou gerações na diversão noturna, muito para além da provinciana cidade ribatejana do Cartaxo, chegando a abrir uma versão 2 no Algarve.
Instalada numa casa com jardim numa pequena rua do centro do Cartaxo, que hoje tem o seu nome, a Horta da Fonte foi um “fenómeno” que fez movimentar a vida noturna no Cartaxo – depois dela surgiram mais três discotecas e 17 bares, a que se associaram vários restaurantes -, a ponto desta cidade do distrito de Santarém ser apelidada de “Las Vegas do Ribatejo” numa reportagem publicada na década de 1990.
“Inovámos, trouxemos o que faltava à região”, recorda António Franco (Toni), fundador da Horta da Fonte (e do “também mítico” Coice da Mula) juntamente com o seu cunhado Luís Filipe, que mais tarde ficou a explorar a Horta 2, situada entre Lagos e Portimão, no Algarve.
Numa época em que os grandes êxitos internacionais “chegavam com atraso” de meses ao mercado nacional, na Horta eram dançados assim que “os contactos na TAP” chegavam com os discos ou as cassetes que estavam no “top” em países como os Estados Unidos, a Inglaterra ou França, disse à agência Lusa.
Depois, “tudo o que era êxito nas rádios” ia à Horta da Fonte, “custasse o que custasse, às vezes durante a semana”, salientou, recordando a atuação de “todos os artistas nacionais” que na altura estavam em destaque, desde Herman José, às Doce, a Paulo Gonzo, a António Variações, ao frequentador assíduo Vítor Espadinha, mas também internacionais, como o vocalista do trio britânico Imagination, os também britânicos Samantha Fox e Gene Loves Jezebel, “entre muitos outros”.
Recorrendo a uma empresa de Barcelona, a Horta da Fonte inaugurou a moda das “festas da espuma”, teve a eleição da sua ‘miss’, promoveu passagens de modelos, exposições de pintura, passeios mistério, raides hípicos e eventos como a “festa louca”, que motivou uma intervenção da polícia, porque a entrada se fazia por escada por uma janela e lá dentro “foi tudo posto ao contrário”.
Mas, o “grande segredo” para a longevidade foi a “presença constante” e a dificuldade no acesso – só entravam casais e as sapatilhas eram proibidas -, na procura de um “ambiente muito são, de não violência”, sublinhou.
Na noite da passagem de ano de 1978, Fernando Henriques iniciou a sua carreira de ‘disc jockey’, com o nome de DJ Fernandinho, na Horta da Fonte, numa estreia que deu origem à primeira das muitas histórias que guarda de uma casa que “ajudou a construir” e o ajudou a “crescer, como pessoa e como DJ”, e que recorda com emoção.
“Lembro-me perfeitamente que, meia hora antes da meia-noite, a aparelhagem deixou de tocar. Houve um problema enorme. Uma das pessoas que estava na discoteca foi a casa buscar uma aparelhagem caseira e acabámos por conseguir à meia-noite ter tudo a funcionar e a coisa correu normalmente. A partir daí, foi sempre, durante 38 anos…”, disse à Lusa.
O “bom ambiente”, decorrente da “seleção que se fazia à porta”, e a antecipação dos êxitos musicais, fizeram com que a Horta da Fonte “fosse uma referência”, salientou.
Com o resto da equipa, também ele rumava no verão para a Horta 2 no Algarve, onde as noites, “muito especiais”, eram frequentadas pelas elites e celebridades da época, recordando António Franco as iniciativas de promoção, “muito à frente”, feitas nas praias.
António Franco também atribui à Horta da Fonte a moda das festas revivalistas dos anos 80, que a discoteca começou a promover uma vez por mês na década de 2010, depois do evento que reuniu dez bandas portuguesas numa maratona de 16 horas.
As exigências legais a obrigarem a obras de vulto, a decisão da senhoria de aumentar a renda, as alterações sociais, nomeadamente com a vaga de festivais de música, a que se juntaram o que considera ter sido uma intervenção "desajustada" da polícia e a "falta de visão" da classe política local, ditaram o fim da Horta da Fonte na passagem de ano de 2016 para 2017, disse.
No primeiro piso do edifício está agora o nono espaço da Taberna do Quinzena, restaurante típico de Santarém com uma longa história de 149 anos, com Fernando Batista, bisneto do fundador, a assegurar que a discoteca vai reabrir.
“Se não for este ano, será no próximo”, disse à Lusa.
States, uma “discoteca diferente” que ajudou a criar a cena musical de Coimbra
O States afirmou-se em Coimbra como alternativa aos espaços comerciais. Ao som de Devo ou The Cramps, a discoteca ajudou a formar uma cena musical ligada ao rock que começava a fervilhar na cidade nos anos 80.
À boleia de matinés à quarta-feira que levavam os alunos a faltar às aulas do liceu, a discoteca ajudou a educar musicalmente uma geração de músicos da cidade, ao som de rock, punk e pós-punk. Na passagem de ano de 2016 para 2017, fez a sua despedida definitiva, já depois de um interregno como clube de striptease.
O States foi criado em 1984 e começou por ser uma discoteca parecida com as outras da cidade, sendo que só dois anos mais tarde Jorge Peixoto, antigo proprietário do espaço, conhecido por "Jó", decidiu mudar e criar um espaço diferente em Coimbra.
"Tínhamos que mudar para não fazer o mesmo que os outros", conta.
Seguindo as "ideias engraçadas" de António Cunha, DJ que estava a dar os primeiros passos no States, Jó decidiu apostar todas as fichas na formação do público para o futuro.
No jornal Blitz, começaram a anunciar matinés à quarta-feira à tarde, para os miúdos do liceu, com rock, pós-punk e punk, e projeção de videoclips, gravados a partir da parabólica que tinham - "na altura, a terceira em Coimbra".
Victor Torpedo (Tédio Boys, The Parkinsons) recorda-se de que às quartas-feiras começou "a ser um clássico para o pessoal da [Escola Secundária] José Falcão faltar às aulas à tarde para ir às matinés" no States.
"Muitas vezes, as matinés até eram melhores do que as noites. Musicalmente, era a loucura total e, por lá, não eram só os miúdos, mas também os matulões, como o Paulo Eno [77, Objectos Perdidos] ou o Nito, dos É M'as Foice", conta à Lusa o guitarrista.
Ao mesmo tempo, Jó abria à sociedade a loja de música ‘Fuga’, com António Cunha, e as novidades da música alternativa iam todas parar à pista do States.
No início dos anos 90, António Cunha passa a interessar-se pela música de dança, funda a Kaos Records e acaba por sair do States.
"Ele tentava passar um pouco de música de dança no States. Na sua última noite lá, começou tudo a assobiar e a fazer ‘piretes’. Ele decidiu ir à sua vida", relata Jó.
Entretanto, o público que tinha crescido no liceu com as matinés do States passava a ser cliente regular ao fim de semana na discoteca, que tentava "andar na crista da onda" da música alternativa que ia saindo, seja seguindo a onda de Madchester (cena rock de Manchester) ou o ‘grunge' que aparecia nos Estados Unidos.
Por lá, encontrava-se uma mistura entre ‘os coimbrinhas' de Celas e da Solum, e ‘os bairristas', afirma Jó, que se recorda da filha de um reitor da Universidade de Coimbra levar num saco a sua roupa preta para vestir ao lado do States, antes de entrar.
No final dos anos 1990, a discoteca passa a ter concorrência na cidade e começou a ficar sem clientes e, em 1999, despediu-se e transformou-se em clube de striptease, tendo reaberto novamente como States em 2009.
Mas não vingou. "Perdeu-se a rotina de ir até ao States e começaram a aparecer outras coisas junto à Praça da República", conta Jó.
A perder dinheiro e com novos senhorios a não aceitar baixar custos, decidiu entregar a chave.
Olhando para trás, acredita que "há uma geração de pessoas em Coimbra com uma educação musical diferente, em parte, por causa do States".
O States, salienta Victor Torpedo, "ajudou a formar o gosto musical do pessoal do liceu".
"Acho que não haveria a cena musical que depois a gente criou, se não tivessem existido locais como o States ou o Moçambique [café na Praça da República]. Foram sítios embrionários da cena de Coimbra e da vaga de músicos e artistas daquela fase e que continuam até agora".
Foi “extremamente importante quando apareceu, mas acho que não se conseguiu adaptar ao que estava a acontecer e, com o interregno, o pessoal passou a circular por outros sítios" e perdeu a rotina "da peregrinação" da Praça da República até Celas, afirma à Lusa Carlos Dias, membro dos Wipeout Beat e Subway Riders.
Na primeira despedida do States, Maria de Sousa lembra-se até de levar para casa um postal do filme do Trainspotting que estava na discoteca para ter uma recordação do espaço.
Esteve na reabertura, mas diz que foi "um choque".
"Repetiu a fórmula dos anos 80 e 90 e isso já não fazia sentido. Via-se as pessoas dos anos 80, com balões de gin e camisas brancas, a dançar as musiquinhas daquele tempo", conta a editora de poesia, que ainda se lembra da abertura da pista, com a projeção de um vídeo de animação erótico "muito parvo, chamado ‘Tarzoon'", ao som de "Galicia Caníbal", da banda de rock Os Resentidos.
"Nunca conseguiu voltar a ter o mesmo carisma", nota o radialista da Rádio Universidade de Coimbra Nuno Ávila, que afirma que o States "virou completamente" o seu gosto musical.
"Deixa imensas saudades", diz.
Hoje, o espaço está fechado, com a perspetiva de ser transformado num bar, e à venda, mas ainda com o letreiro a dizer "States".
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