O papel do homem na infertilidade sempre foi tabu. O próprio prefere não falar sobre isso, especialmente quando é o elemento infértil do casal. A especialista Ana Pereira, psicóloga no centro de fertilidade AVA Clinic, em Lisboa, conta que os homens têm mais tendência a guardar as emoções para si e a expressar a sua frustração em comportamentos abusivos e, por vezes, autodestrutivos, como o consumo de drogas e álcool.

Quando o casal decide recorrer à doação de esperma, ou seja, utilizar gâmetas de outro homem, o elemento masculino fica numa posição delicada, mesmo que muitas vezes quem está em seu redor não se aperceba.

Ana Pereira diz-nos desde logo que, quando o homem é o elemento infértil, este tende a associar a barreira biológica de não poder ter filhos à falta de virilidade, e ligar isso a um sentimento de impotência. Como é, então, saber que este vai ter um filho com o material genético de outro homem e que só dali a nove meses poderá ter contacto com a criança? É algo difícil de se expressar, confessa a psicóloga.

“A doação de esperma é mais difícil de aceitar do que a doação de óvulos”, conta. A situação, diz a psicóloga, passa por sentimentos de pertença e de ligação com o bebé, especialmente durante o período de gravidez. “Enquanto na doação de óvulos a senhora vai estar grávida, e a gravidez dá um sentimento de posse da criança, na doação de esperma o senhor vai participar de uma forma lateral até a criança nascer”.

Na opinião da psicóloga, muitas vezes dá-se um passo maior do que a perna. “Há alguns senhores que avançam para a doação de esperma, não porque efetivamente quisessem naquele momento, mas porque não querem negar à companheira a possibilidade de ser mãe”.

Por isso, Ana Pereira recomenda que nos casos em que se decide avançar para este tratamento que se pondere de forma sóbria os cenários para ambas as partes, e que o casal não se deixe afetar pelo facto de não existirem outras opções e fazerem, assim, o que a psicóloga chama de uma “fuga para a frente”.

Note-se que, conta-nos a especialista, “raramente são elas a propor [esta solução], também para defenderem o companheiro. Muitas vezes elas não se atrevem sequer a falar nisso”.

O homem tem medo, e isso reflete-se nos pensamentos acerca do futuro. Poder vir a ouvir a frase “tu não és o pai da criança”. Ou a criança vir a descobrir e achar que aquele não é o seu pai. Há ainda que ponderar se se deve ou não contar ao filho. “Alguns parceiros chegam sugerir a separação, mas é evidente que as mulheres não querem isso”, releva Ana Pereira.

Podem ser nove meses de tortura emocional para o marido que só após o nascimento da criança pode começar a construir a sua relação com o filho. Nestes casos, a psicóloga “aconselha que o casal não avance muito rapidamente para a doação de esperma, para dar tempo de se interiorizar [a decisão]”.

A infertilidade é um tema sensível e que de um momento para o outro leva a vida do casal ao limite. Um em cada dez casais sofre deste problema, e grande parte opta por continuar a lutar por um filho biológico. O caminho passa por vários tratamentos, terminologias estranhas e um medo constante: o do insucesso. O SAPO24 foi falar com Ana Pereira, psicóloga num centro de fertilidade, para ajudar a perceber como é que homens e mulheres reagem à notícia, o que muda na vida do casal e como se ajuda a gerir expectativas.