O que é a paz? Onde está a paz? Numa pequena sala na rua do Bonjardim, que rasga o Porto de cima a baixo, estão colados na parede vários indícios de mapas. Suzana Queiroga, a sua autora, explica que hão de ser as suas cartografias para a paz, ou “Cartographies for Peace”, a sua mais recente exposição, que está no Porto para falar de Bolsonaro, paz, ambiente e futuro.
As obras são mapas, de espaços reais ou criados pela artista. Numa das propostas, a avenida dos Aliados, no Porto, vai desaguar numa rua de Braga, numa simbiose irreal que une as geografias de espaços distintos — e que na realidade estão separados por várias dezenas de quilómetros.
Estes “ensaios livres e bastante poéticos” são a antecâmara de uma outra ideia da artista brasileira. Uma ideia que ainda está “na esfera dos sonhos”, conta, e que seria a materialização destes mapas imaginados num espaço utópico tangível, que promova a discussão e a interação entre as pessoas dentro de um lugar que é arte.
Pensar, então, no que é a paz. Parar, olhar em volta e notar as linhas que ligam (e separam) os territórios. Desmontar a geografia e pô-la em confronto com as montanhas e os rios, isto é, romper as barreiras físicas e aproximar as ruas de Porto e Braga é um exercício que propõe quebrar as distâncias para aproximar as mentes.
Partindo da eleição de Jair Bolsonaro, que tomou posse como presidente do Brasil no início de 2019, Suzana Queiroga propõe olhar para a geografia como objeto artístico — e olhar para arte como ponto de partida para uma discussão sobre os caminhos do mundo.
Nas teorias da comunicação, Paul Watzlavick diz que o confronto com os erros e falhas na transmissão de mensagens pode ter o condão de motivar um olhar crítico para a forma como falamos uns com os outros e a maneira como essas convenções verbais nos permitem perceber os pensamentos dos outros.
Aqui, Queiroga desmancha os mapas, partindo de uma experiência que teve em 2005, quando se perdeu no metro de Londres e ganhou uma visão raio-x que a punha a ver o subterrâneo da capital britânica como um organismo vivo, cujos fluxos humanos se assemelham às correntes sanguíneas que o mantêm vivo.
Dessa perturbação, nasceu a ideia de criar cartografias — reais ou imaginadas —, como forma de olhar para o mundo. A exposição nasce de um estudo sobre os sistemas e subsistemas das cidades, redes visíveis e invisíveis como as redes de telecomunicações, de transportes, de eletricidade, de alimentação — de histórias e pensamentos.
Enquanto montava a exposição, a artista brasileira ia recompondo os mapas. Se calhar, esta rua dos Mártires da Liberdade pode antes ir desaguar à praça dos Leões. E o Douro pode muito bem correr para o Bom Jesus. Ou então, refaça-se tudo e a Torre dos Clérigos que acabe dentro do Estádio Municipal de Braga.
Nada disto existe de facto. Quer na geografia, quer na cartografia que acabou fixada na parede. Mas o exercício, que combina o valor estético das ruas e não a sua função viária, é o mesmo: ponderar o que se altera quando as cidades se partem e multiplicam em objetos misturados entre a verdade, a mentira (ou imaginação); a plausibilidade e o surrealismo de os rios virarem avenidas.
As formas como estas cartografias ganham vida são também variadas. De rolos de cartolina a pequenos molhos de madeira prensada colados em altura, as propostas de Queiroga questionam também aquilo que é um mapa e as maneiras como a informação que neles se procura pode ser mostrada — ou usada para a criação artística.
"Ver e Sentir através do toque" patente no Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro; ou a exposição "Ah, Molécula" no Museu do Amanhã, também no Rio de Janeiro, são algumas das mostras mais importantes da artista brasileira.
Aqui Suzana Queiroga explora mapas inventados, estuda as diferentes regiões, plantas citadinas e tecidos urbanos, traduzindo-os em materiais como o papel, guache e recortes. A exposição estará até ao dia 16 de março na galeria Sputenik the Window, junto ao Marquês, no Porto.
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