O crowdfunding, que em português pode ser traduzido como "financiamento colectivo", é uma invenção atribuída ao empresário e filantropo norte-americano Michael Sullivan, que cunhou, em 2006, este sistema de angariar capital para projectos que teriam dificuldades de crédito junto de instituições bancárias. Qualquer pessoa pode entrar com um pequeno capital, a troco de depois ter preferência na compra do produto ou uso do serviço. Para investimentos maiores, dependendo do projecto, o micro-investidor até pode receber um dos objectos produzidos.
O termo é de 2006, mas a ideia é bastante anterior e, na verdade, surgiu para financiar artistas nas mais diversas áreas. A banda de rock inglesa Marillion é, por exemplo, apontada como precursora neta forma de angariar financiamento com a iniciativa que lançou em 1997 para fazer um disco e uma tournée. Antes disso, em 1985, Bob Geldof e Midge Ure organizaram o que se pode considerar o primeiro financiamento colectivo em larga escala, com uma angariação de fundos para a Etiópia, a troco de bilhetes para o concerto Live Aid, que arrebatou 80 mil pessoas no estádio de Wembley, em Londres.
Na área da música e do cinema, sobretudo para documentários associados a causas, o sistema tem sido usado um pouco por toda a parte, desde o Brasil à Austrália. No começo deste século, o crowdfunding entrou nos negócios digitais, quer seja para software, quer para hardware. O sucesso varia conforme o caso, mas já há incontáveis projectos realizados ou em produção. Por exemplo, a Pebble, uma empresa norte-americana que queria desenvolver um "relógio inteligente" (smartwatch) no ano passado propôs um modelo chamado Pebble Time e conseguiu um milhão de dólares em quinze minutos.
António Filipe Pimentel, o dinâmico director do Museu das Janelas Verdes (pouca gente lhe chama MNAA), pensou nesta possibilidade quando o quadro de Domingos Sequeira foi colocado à venda pela família proprietária. Afinal eram só 600 mil euros, uma quantia completamente fora das possibilidades do museu ou do escanzelado Ministério da Cultura, mas não impossível num universo teórico de dez milhões de portugueses e das poucas empresas que fazem mecenato. A campanha foi muito bem arquitectada, uma vez que proponha a compra do quadro em pixels, um pixel valendo a módica quantia de 1,5 euros.
Como sabemos, correu muito bem. Houve alguns contribuidores chorudos, não muitos, mas o que aconteceu foi um grande entusiasmo da parte de pessoas que precisam de pensar cuidadosamente nos píxeis que gastam por mês e não se importaram de abdicar de alguns para a Arte. O Sequeira já é nosso e está orgulhosamente exposto nas Janelas Verdes.
Foi este sucesso que levou o Art Fund britânico a fazer idêntica campanha. O objecto de desejo é um icónico quadro de Isabel I, aquela rainha dita Virgem que nos infernizou a vida no século XVI, ao disputar os mares onde dominavam portugueses e espanhóis. No período em que as coroas de Portugal e Espanha estavam unidas sob Filipe I, Isabel emitia as chamadas "cartas de corso" a navios individuais – ou seja, autorizações para roubar e depois afundar os galeões cheios de preciosidades, sem usar a bandeira inglesa.
Foi também durante o seu reinado que a Invencível Armada luso-espanhola levou uma derrota total na Batalha de Gravelines, em 1588. Ora bem, para comemorar a vitória e mostrar a grandeza da rainha, um pintor desconhecido fez-lhe um quadro que ficou conhecido como "O Retrato da Armada" porque ao fundo aparecem os galeões ingleses vitoriosos. Conhecem-se três versões muito parecidas do "Armada Portrait", mas esta, que está à venda por dez milhões de libras (13 milhões de euros) é considerada a original.
E onde se encontra actualmente? Ora, aí é que a História dá uma volta interessante. O quadro pertence aos herdeiros de Francis Drake, o famoso corsário que por acaso até nem esteve em Gravelines. Foi a ele que a rainha ofereceu o retrato, talvez como recompensa pela enorme tonelagem das nossas preciosidades roubadas para os ingleses.
O Art Fund, que é uma entidade privada, especialista em arranjar dinheiro para projectos artísticos, patrocinada por mecenas grandes e pequenos, já ofereceu um milhão de libras, para entusiasmar os beneméritos. Se o quadro fosse a leilão calcula-se que chegaria aos 16 milhões de libras – há sempre americanos com vontade de ter uma rainha verdadeira no salão nobre. Mas os ingleses, sendo mais práticos e rápidos do que nós, trataram logo de arranjar uma isenção de impostos para o vendedor, pelo que a família Tyrwhitt-Drake concordou em fixar o preço nos dez. O Museu da Marinha diz que dá 400 mil libras, uma vez que a obra ficará nas suas instalações de Greenwich. A campanha dura até Dezembro deste ano.
Este sistema de crowdfunding para preciosidades artísticas nacionais que não devem ser vendidas no mercado internacional já provou que funciona. É preciso reunir certas condições; que a obra esteja na mão de um proprietário único e que ele aceite vendê-la sem ir a leilão, o que lhe daria certamente um maior valor; e que haja pessoas interessadas em gastar uns píxeis com o patriótico intuito de preservar o que é nosso.
Vamos a ver qual será a próxima proposta do Museu Nacional de Arte Antiga.
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