CAPÍTULO 19 — Da sociedade à célula: incerteza, conflito e perda de controlo
A história do mundo é a história com dez mil anos de uma guerra de cérebros entre os ricos e os pobres… Os pobres ganham algumas batalhas… mas claro… há dez mil anos que os ricos ganham a guerra.
Aravind Adiga, O Tigre Branco
Sabemos que o stresse crónico, seja qual for a sua origem, leva o sistema nervoso ao limite, perturba o aparelho hormonal, diminui a imunidade, fomenta a inflamação e enfraquece o bem-estar físico e mental. Eu sou testemunha disso diariamente, e concordo com János Selye, o pai da investigação sobre o stresse, que, “sem hesitação”, garantiu que “para os seres humanos, os elementos stressantes mais importantes são emocionais”. Nesta fase do nosso olhar sobre trauma, doença e cura, acrescentaria apenas que os principais determinantes do stresse emocional humano se estendem do pessoal ao social. Somos, na verdade, seres biopsicossociais.
Passando em revista aquilo que já vimos sobre o stresse: em primeiro lugar, a sua fisiologia e consequências incluem a ativação aguda ou crónica, a potencial hiperativação e até a exaustão do eixo HPA (hipotálamo-hipófise-suprarrenais) que liga os centros emocionais do cérebro a todo o aparelho fisiológico. A seguir, há aquilo que Bruce McEwen designou por “carga alostática”: o desgaste sofrido pelo corpo ao ter de manter o seu equilíbrio interno perante circunstâncias em mudança e desafiantes, sendo o trauma uma das mais destacadas. Na nossa sociedade, há muitas pessoas que suportam cargas alostáticas pesadas, com prejuízo da sua saúde física e mental, como ficou demonstrado, se mais provas fossem necessárias, por um estudo recente de Yale que mostra o impacto cumulativo do stresse no envelhecimento biológico acelerado. “A sociedade está a sentir mais stresse do que nunca, o que conduz a consequências negativas tanto psiquiátricas como físicas”, observaram os investigadores.
Claro que no stresse, como na vida económica, não existe “igualdade de oportunidades”. A estrutura de uma sociedade assente no poder e na riqueza, com disparidades incorporadas segundo linhas raciais e de género, deixa algumas pessoas com uma carga fisiológica muito maior do que outras. É verdade que, numa sociedade que recruta indivíduos e grupos para os lançar numa competição assustadora uns contra os outros, os gatilhos psicológicos para o stresse não poupam qualquer estrato social, mas continua a ser um facto que os seus efeitos são distribuídos de forma desigual. E enquanto os stresses pessoais resultantes de uma dissociação do eu e da perda de autenticidade podem atravessar transversalmente linhas de classe, a tensão alostática imposta por desequilíbrios de poder cobra um preço mais alto aos que não têm poder político nem influência económica.
Quais são, na sociedade, os gatilhos de stresse mais generalizados? A minha observação, de mim e dos outros, levou-me a apoiar completamente as conclusões de uma análise da literatura científica sobre stresse, designadamente que “fatores psicológicos como a incerteza, conflito, falta de controlo e falta de informação são considerados os estímulos mais stressantes e ativam fortemente o eixo HPA”. Uma sociedade que alimenta estas condições, como o capitalismo inevitavelmente faz, é um gerador supercarregado de fatores de stresse que cobram um preço à saúde humana.
O capitalismo é “muito mais do que uma simples doutrina económica”, observa Yuval Noah Harari no seu influente best-seller Sapiens. “Neste momento, inclui uma ética – um conjunto de ensinamentos sobre como as pessoas devem comportar-se, educar os filhos ou mesmo pensar. O seu principal dogma é que o crescimento económico é o bem supremo, ou pelo menos um substituto do bem supremo, porque a justiça, a liberdade e até a felicidade dependem do crescimento económico.” A influência do capitalismo é hoje tão vasta e profunda que os seus valores, pressupostos e expetativas permeiam potencialmente não só a sociedade, a política e a lei, mas também subsistemas como a academia, a educação, a ciência, as notícias, o desporto, a medicina, a criação dos filhos e o entretenimento popular. A hegemonia da cultura materialista é hoje total – e os descontentes com ela, universais. Neste e nos capítulos seguintes veremos como influencia a saúde.
Na faculdade de Medicina, fui ensinado a pensar na vida e na saúde em termos puramente individualistas. O facto de termos dificuldade em não ver as coisas desta maneira é, em si, uma característica fulcral da visão do mundo “normal” gerada pelo capitalismo.
Neste aspeto, como em muitos outros, o sistema médico reflete e reforça a ética prevalecente. Numa sociedade atomizada e materialista, as pessoas são levadas a tomar tudo pessoalmente, a olhar os seus próprios problemas mentais e físicos como infortúnios ou até falhas apenas suas. Repare no retrato pintado pelo antigo primeiro-ministro britânico Tony Blair, que continua a ser um porta-voz muito procurado e bem remunerado da ética dessocializante – isto é, que quer limpar da sociedade a vertente “social”. Muitos problemas de saúde, afirmou Blair, “não são de todo, estritamente falando, problemas de saúde pública. São questões de estilo de vida: obesidade, consumo de tabaco, abuso de álcool, diabetes, doenças sexualmente transmitidas… Não se trata de epidemias no sentido epidemiológico – são o resultado de milhões de decisões individuais, de milhões de pontos no tempo.” Esta perspetiva mostra uma descontraída falta de noção dos muitos estudos que ligam todos estes “milhões de decisões” ao trauma e ao stresse, incluindo os stresses impostos por baixo estatuto socioeconómico ou ocupacional e pela pobreza – uma ferida purulenta na sociedade britânica desde o desmantelamento do Estado de “bem-estar social” e de instituições comunitárias, em conjunto com a perda de poder dos sindicatos. Apesar das provas consideráveis, parece não ter ocorrido ao Sr. Blair que o sublinhar de tais “decisões individuais” é o meio social promovido pelo capitalismo tardio. Não é uma surpresa: a recusa em reconhecer as mais abrangentes condições económicas e políticas como relevantes para a saúde e a felicidade individuais é uma característica nuclear da ideologia materialista. Nunca se deve confiar as chaves do reino a alguém que mostre inclinação para estabelecer essa relação.
A sociedade influencia o nosso bem-estar por todo o tipo de vias biopsicossociais, incluindo causas epigenéticas; inflamação provocada pelo stresse; enfraquecimento de telómeros e envelhecimento prematuro; como e o que comemos; toxinas que ingerimos ou inalamos. Também exerce a sua influência via muitos outros mecanismos que atuam de fora para dentro: através de elementos que passam de pais para filhos; de uma pessoa para outra; de condições sociais, políticas e económicas para corpos individuais – “da sociedade para a célula”, nas palavras do cientista molecular e investigador Michael Kobor. Ao contrário da perspetiva de Blair, também influencia de forma muito importante, e constrange, quase todas as “decisões individuais” que a maior parte de nós toma sobre o seu bem-estar.
Todos os fatores stressantes representam a ausência, ou a ameaça de perda, de qualquer coisa que um organismo percebe como necessário para a sobrevivência. Uma perda iminente do abastecimento alimentar, por exemplo, é um grande fator de stresse para qualquer ser. Como também é, para a nossa espécie, a ausência ou a ameaça de perder o amor, o trabalho, a dignidade, a autoestima ou o sentido.
Em 2020, poucas semanas antes de as metástases do novo coronavírus terem devastado a economia mundial, uma figura com a posição de Kristalina Georgieva – a chefe do Fundo Monetário Internacional, essa comissão executiva de planeamento do capital internacional – já alertava que a economia global corria o risco de regressar às condições terríveis da Grande Depressão, por causa da desigualdade e da instabilidade do setor financeiro. “Se eu tivesse de identificar um elemento principal no começo desta nova década”, afirmou, “seria a incerteza crescente.” A maioria da população do meu país não precisou desta previsão alarmante para saber que as coisas não pareciam correr bem. Apenas um mês antes de a chefe do FMI ter feito a sua previsão, quase 90 por cento dos canadianos manifestaram preocupação por os preços dos alimentos estarem a subir mais depressa do que os seus rendimentos. No ano anterior, cerca de um em cada oito lares canadianos tinham referido sentir insegurança alimentar. Em 2017, na minha província, a Colúmbia Britânica, 52 por cento das mulheres referiram sentir “stresse emocional extremo” com a sua situação financeira. São tendências internacionais e estão a crescer há décadas.
O crescimento em muitos países, nas últimas décadas, dos problemas de saúde crónicos, mentais e físicos, da depressão à diabetes, não pode ser uma coincidência. “O neoliberalismo (1) tornou o mundo do trabalho muito menos seguro e, por causa disso, mais stressante e causador de danos à saúde”, escreveram dois académicos britânicos da área da saúde, “…resultando numa quantidade de doenças crónicas, incluindo dor musculoesquelética e doença cardiovascular.” Não vejo aqui qualquer surpresa, já que vivemos sob um sistema que fomenta em geral o stresse da incerteza maciça. A globalização, com as suas políticas ruinosas impostas a chamados países em desenvolvimento por organismos como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial – como o corte de apoios sociais, supressão dos direitos dos trabalhadores e encorajamento das privatizações – também permeou os países industrializados. É aquilo a que o filósofo político canadiano John Ralston Saul chamou “a teoria económica da crucificação: é preciso ser morto económica e socialmente para poder renascer limpo e saudável”.
Os impactos do sistema económico na saúde nem são complicados de perceber nem difíceis de identificar. Um estudo de 2013, no período de catástrofe financeira que estava a asfixiar a Grécia, a comparar o grau de saúde e de stresse de jovens suecos e de jovens gregos, mostrou que estes últimos se encontravam em clara desvantagem. Apresentavam níveis superiores de stresse, revelavam “uma esperança no futuro mais baixa” e mostravam “sintomas significativamente mais generalizados de depressão e ansiedade”, bem como níveis mais baixos de cortisol, o que é um mau indicador. Trata-se de um marcador de stresse a longo prazo: um sinal de que os mecanismos saudáveis de proteção ao stresse estão a consumir-se. É um prenúncio frequente de doenças. (2) “É legítimo suspeitar que a crise social na Grécia está a começar a ter efeitos biológicos nos seus habitantes”, avisava o estudo. No Canadá, uma investigação realizada no mesmo ano determinou que quando as mulheres se encontram sob pressão económica os níveis de hormonas de stresse dos filhos aumentam de forma acentuada pelos 6 anos, aumentando o risco de doença mais tarde.
A existência de muitas pessoas está à mercê de forças que existem completamente à margem do seu poder de influenciarem, quanto mais de controlarem. Quem sabe quando chegará a próxima recessão cíclica ou quando é que outra megaempresa vai entrar em processo de downsizing, fusão ou relocalização, pondo em perigo, de um dia para o outro, o modo de vida de muitas pessoas. Mesmo antes da devastação económica provocada pela Covid-19, já quase passava despercebida a notícia de que mais uma empresa tinha declarado redundante uma grande fatia dos seus trabalhadores. “A crise no comércio torna-se mais profunda e 3150 pessoas perdem o emprego numa semana”, anunciava o Guardian em janeiro de 2020, umas semanas antes de a pandemia chegar à Grã-Bretanha. Apenas uns meses antes, o New York Times dera conta da insegurança cada vez maior das famílias norte-americanas: “Os custos do alojamento, cuidados de saúde e educação estão a consumir fatias cada vez maiores dos orçamentos familiares e têm aumentado mais depressa do que os rendimentos. As famílias de classe média estão hoje a trabalhar mais horas, a gerir novos tipos de stresse e a suportar riscos financeiros maiores do que gerações anteriores.” Como observou recentemente o destacado antropólogo Wade Davis, num artigo para a revista Rolling Stone que foi muito partilhado, “Vivendo embora num país que se celebra como o mais rico da História, a maioria dos norte-americanos vive na corda bamba, sem rede de segurança para salvaguardar uma queda.” Seria difícil imaginar um plano melhor para provocar uma sobrecarga alostática.
Embora o país capitalista mais avançado do mundo mostre a mais crua ética individualista, deixando a maioria da sua população presa na insegurança, não falamos de uma tendência exclusivamente norte-americana. A influência económica e cultural dos Estados Unidos no mundo é de tal modo esmagadora que, como defendeu Morris Berman, “se o século XX foi o ‘século americano’, o século XXI será o ‘século americanizado’”. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico indicou que as pressões sobre a classe média em todo o mundo têm aumentado desde os anos 1980. Ou seja, no mesmíssimo terreno em que o capitalismo reivindica os seus maiores êxitos – a realização económica –, encontramos muitas pessoas num estado de incerteza crónica e perda de controlo, sujeitas a medos indutores de stresse que se traduzem em perturbações do aparelho hormonal, do sistema imunitário e de todo o organismo.
Não surpreende, pois, que a insegurança quanto ao emprego, ou à sua perda, possa ser causadora de doença. Estudos realizados nos Estados Unidos mostraram que o risco de AVC e ataques cardíacos em pessoas entre os 51 e os 61 anos mais do que duplica na sequência de desemprego prolongado. Os resultados mantêm-se mesmo depois de ser levado em conta o esperado aumento de comportamentos relacionados com o stresse, como fumar, comer e beber. Na verdade, está demonstrado que múltiplas perdas de emprego aumentam o risco de ataques cardíacos tanto quanto os cigarros, o álcool e a hipertensão. Até o medo de perder o emprego é um indicador igualmente forte da saúde de uma pessoa mais velha. Na década e meia entre o fim dos anos 1970 e meados dos anos 1990, quase duplicou, de 24 para 46 por cento, a percentagem de funcionários norte-americanos de grandes empresas que se confessava “frequentemente preocupado com a possibilidade de ser despedido”. Empregos com pressão de prazos, ritmo acelerado e carga de trabalho elevada, em conjunção com uma perda de controlo sobre esses fatores, estão também associados a um incremento do stresse e de problemas de saúde.
A inflamação é um marcador seguro do stresse. Encontrei ligações entre ambos em muitos dos meus doentes. A inflamação está implicada numa vasta gama de patologias, desde problemas autoimunes a doenças vasculares do coração e do cérebro, do cancro à depressão. Uma das entrevistas mais informativas que fiz para este livro foi com o Dr. Steven Cole, um cientista. “Uma questão que surge repetidamente”, afirmou-me, “é este aumento de atividade dos genes inflamatórios em pessoas que enfrentam um sentimento de ameaça ou insegurança por mais do que um curto período. Podemos detetá-lo também em ratos e em macacos. Até em peixes é possível ver que a quanto mais stresse, ameaça ou incerteza se está exposto, mais o corpo aciona este programa de defesa que implica mais inflamação.”
Embora a maioria das pessoas sinta perda de controlo e uma diminuição da segurança, outras desfrutam do seu excesso. Para este estrato da sociedade, nem o conflito constitui uma fonte de stresse tão grande – no fim de contas, em qualquer luta, quanto maior é o poder, menor é a ameaça. Em geral, apenas pessoas acusadas de tendências marxistas falavam de “luta de classes”. Mas, nos últimos anos, a realidade do domínio por uma elite e o ataque às classes média e baixa provocou modificações nas linhas ideológicas. O investigador e magnata multibilionário Warren Buffett, nada mais nada menos, viu isso com extrema clareza. “Há luta de classes, sim”, afirmou em 2006 ao New York Times, “mas é a minha classe, a classe dos ricos, que está a fazer a guerra, e estamos a ganhar.” O milionário da indústria de gelados Ben Cohen, um homem rico com consciência social, falou com uma franqueza ainda maior quando, em 2020, declarou ao mesmo jornal: “Aquilo que temos nos Estados Unidos é uma democracia que é governada para o benefício das empresas. Isso é um desastre. Estamos a olhar para o que se passa, estamos a vivê-lo e continua a piorar.” No mundo globalizado de hoje, a maneira de os Estados Unidos fazerem as coisas é o modelo para muitos países.
Até economistas que já ganharam o Nobel, como Joseph E. Stiglitz, juntaram a voz a este coro. Dificilmente há um especialista com mais credenciais do que Stiglitz: além do Nobel, foi economista principal no Banco Mundial e chefe da equipa de conselheiros económicos do presidente Bill Clinton. Como tal, costumava formular muitas das políticas cujos efeitos tem vindo agora a deplorar. Hoje professor na Universidade de Colúmbia, tem documentado e denunciado os impactos sociais, políticos e na saúde da desigualdade crescente no mundo globalizado governado por uma elite. Lamenta aquilo a que chama a mudança “da coesão social para a luta de classes”.
“O sistema político parece estar a falhar tanto como o sistema económico”, escreveu Stiglitz no seu livro de 2012 O Preço da Desigualdade. Aos olhos de muitos, continua, “o capitalismo não está a ser capaz de produzir o que foi prometido, mas está a proporcionar o que não foi prometido – desigualdade, poluição, desemprego e, mais importante do que tudo, a degradação de valores até um ponto em que tudo é aceitável e ninguém é responsável.” (Os itálicos são do original.)
Neste ponto, a análise de Stiglitz e de outros críticos-dos-últimos-dias do capitalismo revela as suas limitações. A pergunta que lhes faço é esta: e se o sistema não estiver a falhar, mas antes a ter um êxito estrondoso? Supor que os seus males demonstrados representam um “fracasso” é ignorar que, para alguns – que por acaso são a classe que ganha a maior parte da riqueza e detém a maior parte do poder –, o sistema está a funcionar mesmo muito bem. O banco suíço UBS comunicou em outubro de 2020 que, no período de tumulto nos mercados provocado pela Covid-19, entre abril e junho desse ano, o estrato dos bilionários internacionais tinha aumentado as suas fortunas para mais de dez biliões de dólares. A pessoa mais rica do mundo, o fundador da Amazon Jeff Bezos, tinha aumentado a sua riqueza em 74 mil milhões de dólares; o dono da Tesla, Elon Musk, em até 103 mil milhões. “No conjunto, os 20 maiores milionários do Canadá tornaram-se 37 mil milhões de dólares mais ricos”, anunciou o jornal Toronto Star. “E isto aconteceu no meio de uma crise económica que deixou milhões de canadianos desempregados ou a trabalhar um número reduzido de horas e com problemas para pagar contas, enquanto o governo pede empréstimos para prestar ajuda financeira de emergência para auxiliar pessoas e empresas a evitarem dificuldades ainda maiores.”
A noção de que o capitalismo se destina a proporcionar igualdade e oportunidade para todos tem de ser olhada como uma questão de fé, já que a história e a realidade material não fornecem qualquer prova disso.
No reino da tomada de decisões políticas, um estudo realizado nos Estados Unidos e muito partilhado mostrou que as opiniões das pessoas comuns não fazem qualquer diferença para a definição de políticas públicas: ou seja, há uma ausência de controlo numa escala maciça.(3) “Quando uma maioria de cidadãos discorda de elites económicas ou de interesses organizados, em geral perde”, concluíram os autores, acrescentando: “Mesmo quando há maiorias razoavelmente grandes a favor de mudanças políticas, em geral não as obtêm”.
“Porque é que os ricos têm tanto poder?”, perguntava um artigo no New York Times escrito por outro Nobel da Economia, Paul Krugman – que também já foi um defensor, entretanto reformado, do ímpeto de globalização que alimentou o domínio das empresas multinacionais sobre os governos e a sociedade. Porque, afirmou ele, respondendo à sua própria pergunta, os Estados Unidos “são menos uma democracia e mais uma oligarquia”. Sob esta luz, encontro poucas razões para pôr em causa a afirmação perspicaz do defensor dos direitos dos consumidores e ativista de causas sociais Ralph Nader de que os dois principais partidos políticos nos Estados Unidos são, na prática, “um partido empresarial com duas cabeças e maquilhagens diferentes”. Também em muitos outros países, por trás da fachada democrática, o verdadeiro poder é exercido pelos poucos que têm dinheiro.
E nós, os outros, onde ficamos? Quando se tornou reitor da Universidade de Glasgow, em 1972, o animado líder trabalhista escocês Jimmy Reid fez uma declaração a que o New York Times chamou “o maior discurso desde a Proclamação de Gettysburgo do Presidente Lincoln”.(4) Reid pode não ter estudado a psicologia ou a neurobiologia do stresse, mas entendia tudo sobre incerteza, perda de controlo e conflito nas vidas das pessoas que representava. “Alienação é a palavra precisa e corretamente aplicada para descrever o principal problema social na Grã-Bretanha de hoje”, afirmou. “As pessoas sentem-se alienadas pela sociedade… Deixem-me desde já definir o que quero dizer com alienação. É o grito dos homens que sentem ser as vítimas de forças económicas cegas para além do seu controlo. É a frustração de pessoas comuns excluídas dos processos de tomada de decisões. O sentimento de desespero e falta de esperança que invade as pessoas que sentem, justificadamente, que não têm uma palavra real na definição ou determinação dos seus próprios destinos.”
Tenha isto presente: o discurso de Reid foi feito na ponta final de uma breve era no pós-guerra de programas sociais relativamente esclarecidos, num momento em que o sistema que ele deplorava mostrava a sua face mais benevolente. O que diria ele hoje?
Notas
- Embora o termo “neoliberalismo” seja hoje usado principalmente por críticos da erosão dos programas sociais, do poder crescente das empresas, da ideologia de “laissez-faire” destas, e da sua influência sobre os governos nesta fase de capitalismo tardio, ele foi originalmente cunhado nos anos 1930 por defensores destacados daqueles mesmos programas. Eu uso o termo nem com um significado crítico nem laudatório: refiro-me a uma realidade objetiva cujo impacto sobre a saúde estamos a investigar.
- Para esclarecer: níveis de cortisol cronicamente elevados e baixos indicam uma sobrecarga do aparelho de stresse do organismo; no primeiro caso, é um sinal da sua ativação excessiva, no segundo, da sua debilitação.
- O estudo foi largamente mencionado no New York Times, na New Yorker e em muitas outras publicações, para não referir revistas académicas.
- Tenho um amigo escocês que me disse que o Times foi lisonjeiro para o presidente dos EUA.
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