Este artigo tem detalhes do último episódio da última temporada da Guerra dos Tronos – os chamados “spoilers” –, pelo que, se ainda não o viram, não continuem a ler. Ou continuem, se a vossa “cena” for ler bitaites sobre a série em vez de a ver. Aqui não julgamos ninguém.


Pronto, chegámos ao fim. Foram 73 episódios, repartidos ao longo de oito temporadas, espaçadas durante uma década. Milhões de pessoas, um pouco por todo o mundo, seguiram os passos de dezenas de personagens, as suas vidas preenchidas e mortes cruéis e surpreendentes, naquela que, como muitos já o disseram e escreveram, é provavelmente o primeiro grande fenómeno televisivo (e online) global.

E de facto, mesmo com tudo aquilo que possa irritar os mais acérrimos fãs (aparentemente, mais de um milhão de pessoas assinaram uma petição online para que se faça um remake desta oitava temporada), a verdade é que teria sido difícil fazer um melhor último episódio que este.

Bem sei que, toldado pela “dor” de ter visto personagens fortes como Jaime ou Cersei Lannister serem mortos “à pressa”, possa ter escrito uma ou outra coisa menos abonatória relativamente à forma como a história foi contada, nesta última temporada. Nunca estiveram em causa, pelo menos para mim, as opções acerca do destino a dar a determinadas personagens – o que me incomodou foi antes a forma um tanto ou quanto “apressada” como que esse destino chegou. Foi por isso que escrevi que “merecíamos mais e melhor”. Mas, chegados a este último capítulo, só nos restava colocar tudo para trás das costas e apreciar os últimos 75 minutos da saga dos Sete Reinos.

Este último capítulo começa onde o outro parou: no meio da destruição. Por entre corpos e destroços, Tyrion caminha em direção ao local onde os seus irmãos perderam a vida soterrados, entregando depois a Daenerys o símbolo (aquilo é um pin ou um broche? Nunca sei como chamar...) de Mão do Rei, enquanto esta o acusa de traição e o manda prender. Jon Snow vai visitá-lo, trocam impressões e citações sobre como o “amor é mais forte do que a razão” e, provavelmente também impulsionado pelo “eu reconheço um assassino quando vejo um” de Arya, que voltou sem cavalo branco (?) e escolheu essas palavras para definir Daenerys, percebe que tem de matar a Mãe dos Dragões antes que seja tarde demais.

É possível – e à hora a que escrevo isto ainda não fiz um tour completo pela Internet – que o fim escolhido para Daenerys não seja do agrado de milhares de fãs. Mas, ao contrário do episódio passado, sentiu-se mais “dignidade narrativa” (esta expressão provavelmente não existe, perdoem-me os argumentistas e guionistas) na hora da sua morte do que na de Cersei: ambas personagens fortes e complexas, ambas acabaram mortas, mas, por alguma razão, senti um cuidado maior no traçar do caminho para o destino da tia de Jon Snow do que da irmã de Tyrion.

Não houve pedra da calçada lisboeta que não se tivesse comovido com a morte da Daenerys. Talvez nem tanto pelo momento em que Jon a beija, sussurrando-lhe que será sempre a sua rainha enquanto lhe espeta uma faca no peito; mas aqueles segundos em que o Drogon chora ao perceber que a sua “mãe” está morta, derrete o Trono de Ferro e parte levando consigo o corpo de Daenerys fazem desta uma das cenas mais poderosas do episódio.

“Quem se sentará no Trono de Ferro?” (entretanto derretido, é certo...) foi uma das mais repetidas frases ao longo do último mês e meio. Na verdade, é uma pergunta para a qual existem quase 80 milhões de resultados no Google (se a escrevermos em inglês) e que, depois da morte da Daenerys, teria de ser respondida.

E o escolhido foi Bran Stark – esse mesmo, o Corvo de Três Olhos, o rapaz que foi empurrado de uma janela no primeiro episódio de sempre da série, Bran, o Quebrado. Numa espécie de concílio entre os nobres de Westeros que teve lugar depois da morte da Daenerys e onde Tyrion, não obstante estar agrilhoado, conduziu (ou manipulou, fica ao critério de quem assistiu) magistralmente os homens e mulheres com poder de decisão em direção à escolha do único filho vivo de Ned Stark como futuro Rei. Bran que, de resto, como bom Corvo de Três Olhos, já sabia o que iria acontecer: “Porque achas que vim até aqui?” foi a sua resposta a Tyrion quando este lhe perguntou se queria ser Rei, contrariando a ideia que alguns poderiam ter relativamente às suas pretensões (nomeadamente a sua irmã Sansa).

Numa espécie de final que tentou agradar a todos, Bran é o escolhido porque, segundo Tyrion, a sua história de vida “quebra a roda” que Daenerys tanto queria quebrar, dando o poder a alguém que supostamente vê o mundo melhor do que todos nós, não obstante ter passado grande parte da série como um “deslocado” – uma espécie de triunfo dos incompreendidos; Sansa consegue a independência do Norte (o seu irmão passa a ser o Rei dos Seis Reinos, em vez de Sete), Arya vai procurar o que há para lá do final do mapa de Westeros (e todos vamos querer ver essa série!), Jon Snow tem como “castigo” regressar à Muralha e aos seus Selvagens, Grey Worm embarca para Naath como a sua amada Missandei queria e Tyrion “expiará” os seus pecados servindo como Mão do Rei.

Tudo está “bem” quando acaba “bem”, aparentemente.

É por isso que a frase proferida por Tyrion naquele concílio – “não há nada no mundo mais poderoso do que uma boa história” – tem um duplo significado. O primeiro, dentro da narrativa “throniana”, serve para justificar o facto de Bran Stark ser o candidato ideal para ocupar o trono. O segundo é quase um autoelogio dos criadores da série, como quem diz “vocês, que tanto reclamam, só chegaram até aqui porque nós vos contámos uma grande história”.

E foi isso que, sem agradar a todos, como alguns dirão que uma boa história deve ser, os criadores da Guerra dos Tronos fizeram.

Vamos ter saudades.