O ensaísta espanhol, diretor da Fundação César Manrique e especialista na obra de José Saramago, acaba de publicar o livro “José Saramago. El pájaro que pía posado en el rinoceronte” (“José Saramago. O pássaro que chilreia empoleirado no rinoceronte”), no âmbito da comemoração do centenário do nascimento do Prémio Nobel da Literatura, português.
Fernando Gómez Aguilera assinalou, em entrevista à Efe, que o estudo da obra literária de José Saramago mostra que “as suas ideias e a sua disposição intelectual mantêm uma vigorosa capacidade de questionamento e de diálogo com o nosso tempo”.
Neste sentido, cita o caso do romance inacabado “Alabardas, alabardas...” que, na sua opinião, “dialoga com a abominável guerra na Ucrânia promovida pela Rússia e a corrida aos armamentos em curso”.
Além disso, “a sua grande convicção de que prioridade nenhuma está acima do ser humano é mais atual do que nunca”.
Fernando Gómez Aguilera alude à capacidade de Saramago, como intelectual e contador de histórias, de “nos alertar para os desvios do sistema e questioná-lo”, algo que considera ocorrer tanto na sua literatura como no seu ativismo público, enquanto cidadão e intelectual comprometido com o seu tempo, que “implantou uma vigilância crítica muito dinâmica, característica da sua personalidade, longe da indiferença e do isolamento estético”.
O poeta e ensaísta espanhol, que é também curador da Fundação José Saramago, foi um grande amigo do Prémio Nobel da Literatura e é um dos principais estudiosos da sua obra, tendo publicado os livros “José Saramago en sus palabras” (2010) e “José Saramago. La consistencia de los sueños” (2008 e 2010, edição ampliada), e uma cronobiografia com o mesmo nome da exposição de grande escala que comissariou sobre o escritor em 2008, que foi exibida em Lanzarote, Lisboa, Cidade do México e São Paulo.
De acordo com o autor, o título escolhido para “José Saramago. O pássaro que chilreia empoleirado no rinoceronte” vem de uma expressão do conhecido professor, filósofo, ensaísta e crítico literário franco-americano George Steiner, em referência a uma experiência que teve durante uma viagem a África numa reserva onde observou “aqueles preciosos passarinhos amarelos que se empoleiram no rinoceronte e chilreiam como loucos para avisar que o rinoceronte se está a aproximar”.
O livro, com prefácio de Pilar del Río, presidente da Fundação Saramago, foi publicado pela Editorial La Umbría y la Solana, Madrid, e inclui estudos literários dedicados à maioria dos livros de Saramago escritos em Lanzarote desde 1992, quando estabeleceu a sua residência nas Ilhas Canárias acompanhado pela sua mulher, Pilar del Río.
Também trata dos títulos publicados após a sua morte e, especificamente, das leituras interpretativas dos livros “Ensaio sobre a Cegueira”, “Cadernos de Lanzarote”, “Todos os Nomes”, “Ensaio sobre a Lucidez”, “As Intermitências da Morte”, “As Pequenas Memórias”, “A Viagem do Elefante”, “Caim”, “A Estátua e a Pedra”, “Claraboia”, “Alabardas” e “Último Caderno de Lanzarote: o diário do ano do Nobel”.
Segundo Fernando Gómez Aguilera, os livros abordados foram publicados durante o seu período de residência em Lanzarote ou surgiram após a sua morte, ou seja, no período entre 1992 e 2010, um período na vida de José Saramago “em que imprimiu um sinal diferente no seu estilo, influenciado talvez pela paisagem de Lanzarote e pelo novo tema que abordou, ligado aos conflitos dos seres humanos contemporâneos e à análise da realidade”.
O autor sublinha que esta análise da realidade significa analisar “a desumanização causada pelo capitalismo, a violência, a irracionalidade, a crise da democracia, o amor, a identidade pessoal, as sombras lançadas pelo mercado e pela sociedade de consumo”, embora o Prémio Nobel da Literatura também reflita sobre o mal, sobre os desvios do nosso tempo, “e [os] resuma numa questão substantiva: o que é ser humano?”.
Aguilera concilia as abordagens literárias com as observações do autor sobre os seus objetivos e ideias criativas e sociais.
Inclui também um estudo do segundo romance do escritor, “Claraboia” (1953), que foi publicado após a morte do Prémio Nobel, e que Gómez Aguilera usa como argumento para rever e divulgar um corpo da produção do autor desconhecido a que chama o “período arqueológico”, e que se refere a contos, romances incompletos, peças de teatro, poemas e notas que foram escritos por Saramago entre meados dos anos 40 e meados dos anos 50, “quando estava a trabalhar arduamente para ser escritor, sem muito sucesso”, conclui.
Comentários