A publicação, que estará nas livrarias a partir de hoje, descreve ao longo de mais de 400 páginas como a igreja católica lidou com dois mil anos de abusos sexuais, uma investigação que inclui também entrevistas a figuras de topo da hierarquia católica responsáveis pela gestão do problema no Vaticano e em Portugal.

“Na verdade, a pedofilia, os abusos de menores e, de modo geral, um conjunto de comportamentos sexuais pouco consentâneos com o discurso da igreja atravessaram toda a história do cristianismo, dos primeiros fiéis, contemporâneos dos apóstolos, aos dias de hoje”, escreve o jornalista começando por referir que já no século I existiu um primeiro aviso doutrinal contra o abuso sexual de menores.

Este é um problema que todos conheciam, mas de que ninguém falava, sustenta, referindo que o fenómeno começa a ganhar expressão pública nos anos 80 com os primeiros casos mediáticos nos Estados Unidos assim como com as reportagens Spotlight, publicadas em 2002.

Em 2018 e depois de uma sucessão de escândalos o Papa Francisco chamou de urgência os bispos e todo o mundo para dar início a uma reforma interna.

“Só quando a sociedade civil se indignou, a Igreja, conhecedora dos seus próprios pecados, começou a percorrer um longo e ainda largamente inacabado caminho público de purificação”, escreve João Francisco Gomes chamando a atenção de que "em todos os momentos do seu longo percurso, sem exceção, a hierarquia da igreja conhecia o problema e a sua especial gravidade".

Segundo o jornalista, apesar de a história e os arquivos mostrarem que a igreja não só sempre soube do problema como foi repetidamente alertada para a necessidade de o corrigir, os últimos papas, sobretudo João Paulo II e Bento XVI, bem como alguns dos cardeais mais conservadores procuraram várias vezes apontar o dedo à imoralidade do mundo antes de assumir a imoralidade na instituição que comandavam.

“Quando se pronunciavam sobre os abusos que se espalhava na igreja preferiram apontar culpados externos, sobretudo o terrível modernismo, deixando de lado os dois mil anos de abusos sexuais e encobrimentos flagrantes que constam do cadastro da Igreja”, refere.

Em declarações à agência Lusa João Francisco Gomes explica que esta era uma questão que sempre o inquietou, ou seja, ouvir repetidamente os papas, João Paulo II e Bento XVI, a dizerem que era um fenómeno novo, que a igreja só se tinha dado conta nos últimos anos, que era culpa da homossexualidade, da revolução sexual dos anos 60 e que tinham sido causados por um qualquer colapso moral da sociedade.

“Na verdade, a história da própria igreja mostra que isso é uma mentira”, diz adiantando que esta é “uma coisa endémica da igreja com a qual se tem debatido de formas diferentes punindo o crime de forma vigorosa, outras vezes encobrindo, mas sempre teve a noção que tinha membros do clero a abusar sexualmente de crianças".

Questionado sobre a situação portuguesa face a este fenómeno, o jornalista que juntamente com Sónia Simões realizaram para o jornal Observador uma série de reportagens sobre casos de abusos no clero português responde: “o primeiro passo para resolver um problema é reconhecer que existe, enquanto os bispos continuarem a dizer que em Portugal não passou de meia dúzia de casos pontuais não estão a querer reconhecer a possível dimensão do problema”.

No livro, João Francisco Gomes apresenta histórias e estatísticas para dar, como refere, “o retrato possível de Portugal”, reconhecendo, contudo, que em todo o processo da construção do livro a igreja católica portuguesa colaborou, aceitando partilhar informações.

Vários dos importantes líderes da Igreja em Portugal têm referido que no país houve apenas casos pontuais e que o grande escândalo global não atingiu o país.

João Francisco Gomes diz que gostaria que uma investigação abrangente confirmasse que Portugal foi uma exceção porque "onde dizem aqui não há abusos, significa que ali não se fala" tal como referiu o jesuíta alemão Hanz Zollner, especialista no combate aos abusos na igreja.

No livro são apresentados vários casos em Portugal, um retrato que afirma "estar longe de ter a ambição de se apresentar como definitivo", mas que ilustram que a Igreja em Portugal não foi imune ao drama dos abusos "mesmo que a retórica da hierarquia eclesiástica portuguesa nos últimos anos se tenha centrado no argumento de que o país representou uma luminosa exceção".

O jornalista considera também que em Portugal tem havido uma suavização das próprias normas do Papa Francisco, como no caso da comunicação dos casos às autoridades policiais. Em Portugal passa apenas por uma recomendação difusa de colaborar com as autoridades.

Recentemente, a 12 de outubro, a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) confirmou que vai avançar com a constituição de uma comissão nacional de coordenação das comissões diocesanas de proteção de menores e adultos vulneráveis.

No final da reunião do Conselho Permanente da CEP, que decorreu em Fátima, o secretário da CEP, padre Manuel Barbosa, disse que “a Igreja reconhece a gravidade da situação” dos abusos no seio da Igreja e “continua a tratá-la com toda a seriedade”.

João Francisco Gomes defende que "a autoridade moral da Igreja só tem a ganhar quando for a Igreja a desenterrar os arquivos e os eventuais casos para depois a partir daí começar um processo de reconciliação".

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