Uma peça com a qual o diretor artístico daquele teatro homenageia a atriz que, apesar de considerar grande, só compreendeu "quão importante era" quando leu as três obras que escreveu e que Diogo Infante acaba por qualificar como "uma biografia".
Esta peça-homenagem serve ainda de pretexto para dar o nome da atriz à sala principal do teatro onde Carmen Dolores se estreou no cinema e, mais tarde, no teatro, assinala Diogo Infante à agência Lusa.
Uma possibilidade que faz com que o também encenador da peça se sinta “muito feliz”, ainda que seja também uma tarefa de “muita responsabilidade", argumenta.
“Porque embora este teatro não tenha o peso institucional de alguns teatros, tenho a sorte de a Carmen ter uma história com o Trindade”, observa, acrescentando que a ideia de pôr em cena esta peça surgiu quando assistiu ao lançamento do último livro escrito pela atriz.
“Vozes dentro de mim”, o terceiro livro de memórias de Carmen Dolores, editado em 2017, foi o ponto de partida para a peça, ainda que Diogo Infante tenha ido “picar” elementos aos dois anteriores volumes da atriz que se estreou no teatro, no Trindade, em 1945.
Uma encenação em que o diretor artístico do Trindade optou pela “ausência de cronologia”, assumindo antes “um lado meio errático e fragmentado e emocional” visível nos três livros editados da atriz.
Porque Carmen Dolores nunca escreveu com intenção de publicar. "Ela escrevia conforme sentia", observa Diogo Infante.
O desafio da construção do texto desta peça residiu, assim, segundo o ator, em juntar os vários registos da escrita de Carmen Dolores, tecendo-os de forma a conferir-lhes uma espessura dramatúrgica.
Trata-se do que designa como "uma viagem" feita com a “bênção e participação da Carmen”.
"Que fez sugestões, deu dicas, fez acrescentos e correções ao seu próprio texto, o que faz todo o sentido já que isto é a voz dela, são as palavras dela, e ela colaborou ativamente como de resto de percebo no final do espetáculo”, indica.
“[Isso] encheu-nos de mais orgulho ainda, porque ela fez parte da equipa”, diz, aludindo ao outro vértice deste triângulo – a atriz Natália Luiza, que, em palco, veste a personagem de Carmen Dolores.
Apesar de tanto a peça como Natália Luiza não fazerem uma “composição da Carmen”, o que Diogo Infante também não pretendia – o objetivo é antes “abraçar o espírito" dela e tentar “honrá-lo" –, Carmen Dolores ainda não viu nada da peça.
Ao mesmo tempo que confessou a Diogo e Natália que nunca se viu “no papel de autora nem de personagem de cena”, com “a simplicidade e generosidade que lhe é reconhecida por todos”, acabou por lhes oferecer "uma das frases mais bonitas" que o encenador sublinha ter ouvido ao longo deste trabalho elaborado a três.
“´Esqueçam-se de mim. Eu podia ser uma autora estrangeira e, portanto, não fiquem agarrados a mim´”, disse-lhes Carmen, que se estreou no cinema em "Amor de Perdição" (1943), de António Lopes Ribeiro, refere Diogo Infante.
Uma atitude que Diogo Infante não estranha vir de Carmen Dolores, com quem contracenara há alguns anos juntamente com Natália Luiza em “Os espetros”, de Ibsen, no Teatro Experimental de Cascais, e a quem reconhece uma alegria especial de ver a vida.
“Este positivismo e esta alegria de [Carmen] ver a vida, como um copo sempre meio cheio. Eu acho que tiramos uma lição daqui”, acentua.
Há “algo nela que é para a frente, que é luz. E mesmo nos momentos mais complicados, e ela naturalmente já os teve, não se deixa arrastar por eles, ou não se deixa demasiadamente. E isso é muito inspirador”, sublinha Diogo Infante.
Por isso, o diretor artístico do Trindade gostava que este espetáculo “vivesse por si, como objeto”. “Mas ele é indissociável da vida, da obra e da carreira da Carmen”, conclui.
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