“Se me preocupasse com a crítica, eu não tinha escrito. A crítica detesta-me, tem por mim um infinito desprezo. Tenho uma péssima crítica, mas vivo bem com ela, porque eu escrevo para os leitores. Sou um escritor de leitores, eu quero ter leitores e isso não é uma vergonha, é um orgulho”, afirmou o escritor.

Falando no auditório do museu da cidade, perante algumas centenas de pessoas, no âmbito da décima edição de Festival Literário Escritaria, onde é protagonista, Miguel Sousa Tavares disse, em tom crítico, haver atualmente livros a mais no mercado português, apesar de haver cada vez menos gente a ler.

“Hoje em dia não há ninguém que não escreva um romance”, criticou, respondendo a uma pergunta do jornalista Juca Magalhães, que foi convidado pela organização para entrevistar o autor.

Dizendo-se “um contador de histórias antes de ser escritor e jornalista”, o romancista lembrou que o ambiente familiar em que cresceu contribuiu para a paixão pela escrita, mas recordou que, no início da sua carreira como escritor, “tinha muito medo de ser um jornalista e dar um passo maior que a perna”.

“Tive um medo horrível, até ao momento em que ganhei confiança e escrevi o Equador”, confessou.

Sobre a homenagem que o Escritaria lhe tem proporcionado comentou: “Nunca esperei, nunca desejei, nunca aspirei uma homenagem, nem sabia bem o que era antes de chegar a Penafiel”.

E acrescentou: “Tudo isso é uma novidade, é muito agradável”.

Miguel Sousa Tavares disse depois não se sentir “autor de uma obra”, mas de “uma série de livros”.

“Não tenho uma obra, tenho o vício de escrever. Escrevo compulsivamente todos os dias”, acentuou.

Além dos livros, o autor falou também da sua atividade de comentador e da importância de poder emitir opiniões sem condicionamentos.

“Eu não consigo ter opinião se ela não for livre. Se eu tivesse uma agenda política própria, se qualquer coisa me limitasse, não faria nenhum sentido”, afirmou, depois de lembrar que, na década de 80 do século passado, quando era jornalista na RTP, não se ter filiação partidária era prejudicial para a progressão na carreira. Apesar disso, afirmou, sorrindo: “O meu trunfo era não ser conotado. Fui ganhando por dentro esse estatuto, hoje em dia digo o que quero, livremente, e devo irritar muita gente”.

A propósito de uma pergunta de Juca Magalhães sobre as dificuldades por que passa o jornalismo em Portugal e a influência que terá na diminuição dos hábitos de leitura de jornais e de livros, Miguel Sousa Tavares admitiu que o país está a “atravessar tempos muito complicados”.

“As pessoas ainda não perceberam que estão a vampirar o jornalismo. O dia em que matarem os jornais e o jornalismo, onde vão buscar as notícias?”, questionou, numa alusão ao facto de as pessoas usarem cada vez mais as redes sociais como fonte de informação.

“O processo da degradação da leitura dos livros é igual ao dos jornais”, lamentou, dando como exemplo a dificuldade de ver atualmente um jovem a ler jornais nos transportes ou no café.

“As televisões começaram a transformar em notícias aquilo que estava nas redes sociais”, criticou depois, enquanto defendia que “o mundo sem jornais e sem livros é fatalmente um mundo pior”.