“Amon: O meu avô podia ter-me matado” é editado pela 2020 e chega às livrarias portuguesas no dia 19.

Jennifer Teege é filha de mãe alemã e pai nigeriano, mas foi criada num orfanato, recebida por uma família de acolhimento, aos três anos, e adotada definitivamente aos sete.

Apesar de ter mantido algum contacto com a mãe e a avó materna, estas nunca lhe contaram a verdade acerca do avô, Amon Göth, o comandante nazi do campo de Plaszow, interpretado por Ralph Fiennes no filme de Steven Spielberg, “A lista de Schindler”, e que veio a ser enforcado em 1946, por crimes contra a humanidade.

Foi só aos 38 anos que, casualmente, num livro de capa vermelha aninhado numa estante da Biblioteca Central de Hamburgo, Jennifer Teege reconheceu o nome da mãe biológica, Monika Göth.

O livro resultara de um documentário sobre o Holocausto, em que o realizador, numa entrevista a Monika Göth, a confronta com os crimes do pai e depois transcreve a conversa para um livro intitulado “Tenho de amar o meu pai, não é?”, e com o subtítulo “A história de vida de Monika Göth, filha do comandante do campo de concentração de ‘A Lista de Schindler’”.

A primeira reação foi de “choque” e posteriormente de depressão – perturbação a que a autora sempre foi propensa -, acompanhada de um desejo de desenterrar toda a história, conduzindo-a numa demanda que a levou até Cracóvia, onde ficava o gueto que o avô “limpou” de judeus, e o campo de concentração que dirigia, contou a autora.

“A depressão é genética por vezes, quando há predisposição na família. No meu caso, acho que tem a ver com a privação, mas também é em parte devido ao segredo da família, que é tóxico. Acho também que geneticamente algo foi transmitido do meu avô, não é um gene nazi, não acredito em genes nazis, mas confesso que no início tive essas dúvidas”, acrescentou, em entrevista à Lusa.

Na busca pelo passado, Jennifer Teege regressou ainda a Israel, onde vivera alguns anos na juventude. Aí conheceu a realidade judaica, trabalhou com alguns sobreviventes do Holocausto e fez amigos judeus, sempre sem saber do seu passado.

Isto fá-la pensar na predestinação, porque o facto de ter tido este passado, e depois de saber quem foi o seu avô, bem como a descoberta casual de um livro que a leva até ele, forma-se uma linha de “coincidências impressionantes, que talvez sejam formas simbólicas de mostrar que tudo tem um certo significado”, e não propriamente acreditar que o destino já está escrito.

A autora procura, ao longo de toda esta pesquisa, perceber quem é, na realidade, por que foi adotada e por que nunca lhe contaram a verdade (manteve contacto com a mãe, cada vez mais esporádico até aos 20 anos, e com a avó até aos 13, altura em que esta se suicidou).

Para encontrar respostas, leu bibliografia sobre o Holocausto, pesquisou fotos antigas, regressou ao orfanato, procurou e reencontrou a mãe biológica, o pai nigeriano (com quem a mãe tivera apenas um relacionamento fugaz), visitou campos de concentração, viu documentários e sentiu-se cada vez mais assolada por uma certeza: se soubesse que tinha uma neta negra, Amon Göth tê-la-ia matado.

“É claro que isto não poderia ter acontecido porque ele desapareceu muito antes de eu ter nascido, mas eu acredito que me mataria, porque não represento a ideia ariana, e ele era muito aleatório em relação a quem matava, ninguém estava a salvo do seu temperamento”, disse.

Os vários relatos que recolhe, com a ajuda da jornalista Nikola Sellmar, dão conta de um homem, apelidado de “carniceiro de Plaszow”, “irascível, cruel, descontrolado”, que matava a partir da varanda por divertimento, acicatava os seus cães contra pessoas, batia nas criadas e atirava-as pelas escadas abaixo, punha a tocar música clássica enquanto executava prisioneiros ou quando retirava as crianças de Plaszow em camiões para os levar para as câmaras de gás de Auschwitz.

Jennifer Teege tem ainda de se confrontar com a realidade de uma avó que ela amava, e de quem tinha boas memórias, que foi conivente com o sistema e com os “assassínios em massa” cometidos pelo marido, a quem amava acima de tudo.

Na sua demanda, a autora percebeu que a avó sempre se recusou a ver a realidade, esteve sempre em negação, até que não aguentou e se suicidou, ao passo que a mãe, Monika, sempre viveu revoltada contra os pais.

O segredo que mantiveram foi para poupar Jennifer a um passado terrível, e do qual elas próprias evitavam falar, como, aliás, é característica das gerações descendentes de criminosos nazis: o tema Holocausto tornou-se tabu, ninguém queria aceitar ser filho ou neto de um criminoso, conforme atestam historiadores e documentos referidos no livro.

Contudo, Jennifer Teege, apesar de ser neta de um nazi, sente que não se enquadra neste perfil.

“No meu caso, sou parte do sistema, mas foi fácil de romper e sair, porque o facto de ser neta de Göth, eu não [o] sabia, não havia uma identidade antes. Eu acho que é quase impossível abandonar essa parte atrás de nós. Para mim, [a descoberta] foi uma longa viagem, e ainda é, mas acho que é mais fácil sair e voltar à identidade que sempre tive”, explicou.

Escrever “não foi terapêutico”, o que foi importante foi “fazer terapia e os encontros emocionais” que teve com as pessoas.

“Não é assim: escrevo o livro e depois é um alívio, tudo se foi. O livro foi uma maneira de partilhar a história com outras pessoas, porque a abordagem é pessoal, mas os temas são muito universais”, diz, confessando-se pessimista e preocupada com a atual situação internacional, como o crescimento dos ideais e movimentos neonazis.

“Assusta-me. Mostra que ainda não aprendemos o suficiente com o passado”.