O último dia do NOS Alive começa com uma notícia que é capaz de derreter até o coração mais rochoso: uma das festivaleiras grávidas que até aqui veio para apreciar a música que se fez ouvir, ao longo de três dias, deu à luz após lhe rebentarem as águas durante a segunda noite do evento, batizando o futuro “cliente” do festival de Rodrigo. O Rodrigo não viveu, evidentemente, o tempo em que os Depeche Mode rebentavam com os topes de vendas, à força de temas como “Enjoy The Silence” e “Personal Jesus”, mas dentro de alguns anos terá, suponhamos, a oportunidade de assistir in loco àquilo que o NOS Alive apresentar nos seus palcos.
Mas falávamos dos Depeche Mode, que muitos poderiam supor anacrónicos num contexto como o do NOS Alive, ainda que haja disco novo – "Spirit" – a alimentar a sua mais recente digressão. O facto de boa parte dos seus temas de maior sucesso terem ficado retidos nos anos 80 não ajuda. Mas a banda britânica veio até aqui para tentar alimentar uma revolução, eles que se viram, nos últimos tempos, enredados numa teia perfeitamente dispensável: a da alt-right, que supostamente os tem como banda-sonora.
Para tal, recorrem não só ao “politiquismo” de "Spirit" como até a canções como “Revolution”, dos Beatles, que se faz ouvir no PA antes da banda de Dave Gahan subir ao palco. Sim, “de” Dave Gahan: ainda que Martin Gore e Andy Fletcher tenham o seu quinhão de importância no vasto currículo dos Depeche Mode, é o vocalista aquele que mais concentra as atenções sobre si, ele que expulsou todos os seus anteriores demónios (drogas, divórcios) para agora se pavonear pelo palco em celebração da vida.
Mesmo assim, são as canções mais “negras” dos Depeche Mode as que melhor soam naquele que foi o seu regresso ao NOS Alive, nomeadamente aquelas presentes em "Songs Of Faith And Devotion", de 1993: “I Feel You”, “Walking In My Shoes” e “In Your Room” à cabeça. Claro que outros relativos sucessos, como “Everything Counts” e “Stripped”, não poderiam faltar àquilo que foi, essencialmente, uma exaltação dos Depeche Mode enquanto banda ainda capaz de fazer mover multidões.
Uma movida que não existiu, por exemplo, em Duquesa, alter-ego de Nuno Rodrigues, dos Glockenwise, que essencialmente apresentou as canções do novo "Norte Litoral" perante os seus amigos de sempre, entre jornalistas e promotores – mesmo que um ou outro fã mais acérrimos tenha apreciado a sua candura lo-fi durante os vinte minutos que a ele foram destinados. Ou em Filipe Sambado, que aqui mostrou o seu bom ouvido enquanto compositor, ele que é responsável, enquanto produtor, por alguma da melhor música que tem saído das muralhas de Lisboa.
Ambos atuariam no Coreto, amiúde algum ruído que se fazia ouvir nas barraquinhas promocionais em redor (o que foi criticado por Nuno, durante o seu espetáculo). Um ruído que não existiu, por exemplo, em Spoon, regressados a Portugal para apresentar o novíssimo "Hot Thoughts", álbum editado este ano e cujo tema-título é, essencialmente, um das melhores canções já criadas pela banda norte-americana; sexo puro, ou o desejo de sexo puro, misturado com o ritmo muito próprio que fez deles um dos nomes cimeiros do indie. Cimeiros foram também os Fleet Foxes, que já mereciam, definitivamente, um concerto em nome próprio e em sala fechada. Se é verdade que no Heineken conseguiram mover – e construir, por força do sonho – montanhas banhadas por rios límpidos numa América que só encontramos nos livros, por outro há sempre algo que se perde na sua folk imaculada e angelical. O mote era "Crack-Up", o seu novo trabalho de originais, mas não pôde faltar “White Winter Hymnal” que, como o título indica, é o verdadeiro “hino” dos norte-americanos, já órfãos de Father John Misty.
Já depois dos Cage The Elephant levarem à loucura os muitos fãs - e muito jovens - que vieram até ao NOS Alive para captar, uma vez mais em Portugal, todas as nuances do indie rock apunkalhado da banda norte-americana, os Avalanches apresentaram-se perante uma horde de melómanos mais "sintonizados": foi hip-hop, foi house, foi dança e foi, acima de tudo, uma hora de tudo aquilo que na música nos excita. Não faltou "Frontier Psychiatrist" nem "Since I Left You", anti-êxito e êxito de outros tempos, assim como "Frankie Sinatra", êxito de agora. Fenomenal, apenas e só.
O NOS Alive regressa no próximo ano para aquela que será a sua 12ª edição, nos dias 12, 13 e 14 de julho.
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