Não há como negá-lo: era expectável que os Pearl Jam dominassem por completo o último dia da edição deste ano do NOS Alive. Primeiro, porque eram a banda que mais festivaleiros queriam ver (os bilhetes para este dia não esgotaram em dezembro por um qualquer motivo aleatório). Segundo, porque os norte-americanos continuam a gozar de um respeito incomensurável em Portugal, tendo feito por cá várias amizades e inspirando dezenas de jovens crianças e jovens adultos, nos idos anos 90, a formar as suas próprias bandas em garagens ameaçadas pela raiva dos pais. Fugir-lhes era impossível; restava-nos resignarmo-nos, sermos engolidos pela força bruta das suas canções.
Uma força que nem começou sendo força, com os Pearl Jam – que mudam o alinhamento em cada um dos seus concertos – a começar o espetáculo no Passeio Marítimo de Algés com a suavidade de 'Low Light', tema retirado a “Yield” (1998), quando passavam quinze minutos da hora indicada. Foi como se quisessem preparar o público para o que aí vinha, não querendo gastar de uma vez só todos os seus grandes trunfos. Público esse que, ainda o sol raiava no céu, já tinha preenchido por completo a zona em frente do palco principal, algo que não é conseguido por qualquer cabeça de cartaz do NOS Alive; o festival esgota todos os anos, mas não necessariamente devido aos pratos principais.
Não foi assim com os Pearl Jam, que ao longo de duas horas e pouco levaram milhares de pessoas a reviver uma adolescência que não voltará, quando nos liceus se entoava 'Better Man' com o acompanhamento acústico daquele colega musicalmente mais dado, ou quando no ensino básico havia colegas de turma a mostrar o vídeo para 'Do the Evolution' nas aulas de ciência. Mas que não se pense neste concerto como um exercício de nostalgia; os Pearl Jam continuam a golear muitas boas bandas rock, tendo há muito ocupado o seu lugar devido no panteão da eletricidade. A sua entrada recente no Rock And Roll Hall of Fame pode não querer dizer muito a muita gente (porque o Hall of Fame em si não quer dizer quase nada), mas poucas bandas merecê-lo-ão tanto quanto eles.
Mais que nostalgia, houve sobretudo as lágrimas de quem julga – com ou sem razão, fica ao critério de cada um – ter assistido ao concerto das suas vidas. Eddie Vedder, que tantos anos depois continua a ser um verdadeiro animal de palco, foi agradecendo como pôde a resposta que obteve. Normalmente, este género de frases-feitas é apenas mais uma vertente do espetáculo rock; com ele, acreditamos piamente que se sente de facto agradecido, aos fãs, aos colegas, a Deus, a oportunidade que teve de tocar em tantos palcos e tocar tanta gente de tantos credos, raças e orientações diferentes.
O que se retira da presença dos Pearl Jam no NOS Alive é sobretudo a simbiose que existiu entre público e banda, uns alimentando-se de outros e vice-versa; à festa, ajudou o português de Eddie Vedder (com cábula à mistura, mas ainda assim português), a dedicatória a um certo Miguel, as lembranças dos seus primeiros concertos em Portugal (Cascais, 1996), e temas como 'Even Flow', 'Daughter', 'Jeremy' ou 'Black', esta última pontuada por um solo de guitarra irrepreensível. Entre canções, Vedder foi lembrando diversas questões sociais, na demanda por um mundo perfeito – o mesmo que é sonhado em 'Imagine', de John Lennon, canção que interpretou já no encore. E deixou para memória futura a visão de dois monstros no mesmo palco: Vedder e Jack White, que se juntou aos Pearl Jam para tocar 'Rockin' In The Free World', clássico de Neil Young que já é mais dos norte-americanos que do canadiano. O mundo é de facto mais livre do que aquilo que julgamos, e é capaz de ser, pelo menos por uma noite, todo ele dos Pearl Jam.
E podia também sê-lo de Jack White, que teve a difícil tarefa de abrir para os Pearl Jam. Não que para ele tenha sido “tarefa”; vimo-lo nos bastidores, poucos segundos antes de entrar em palco, a pular e berrar que nem uma criança com demasiado açúcar no sangue. Gigante do rock do século XXI (inspirado sobretudo pelo do século XX), o guitarrista deu ao público um concerto soberbo não necessariamente alicerçado em “Boarding House Reach”, o seu novo álbum.
De facto, aquilo a que se assistiu foi a um Jack White em modo best of, repescando temas de toda a sua carreira, não só aquela a solo mas também a das suas muitas bandas: Racounters, Dead Weather e, muito naturalmente, os White Stripes – que ainda motivam muitos suspiros de saudade. O termo técnico para aquilo que Jack White fez em palco é jarda; uma coisa acelerada e violenta, incapaz de deixar alguém indiferente ou quieto num só sítio. A dada altura, pediu aos presentes para que fossem seus amigos; o mais certo é que estes tenham saído do recinto sentindo-se como irmãos do guitarrista. E, claro, não faltou aquele grande hino da bola: 'Seven Nation Army', prontamente entoada por todos.
Falávamos de sol a raiar e de público a encher o recinto, e podemos até apontar a hora exata: 19h30, hora em que os Franz Ferdinand sobem ao palco e se deparam com uma multidão que não esteve no NOS Alive propriamente para os ver. O que não quer dizer que os escoceses não tenham sabido conquistar o seu espaço, sobretudo através dos seus temas mais antigos, como 'Take Me Out' ou 'This Fire', com a banda agachada em palco e a pedir para que o público fizesse o mesmo (o que foi cumprido). Eram talvez o nome mais deslocado do cardápio de hoje no Palco NOS, mas acabaram por chamar todos à sua festa.
Uma festa que também se fez sentir durante o espetáculo dos Alice In Chains, que recusaram desistir face à morte do seu icónico vocalista, Layne Staley, em 2002. William DuVall não faz esquecer o original, mas consegue substituí-lo com distinção. O som pantanoso dos Alice In Chains, que sempre foi o mais “metaleiro” dentro da cena grunge, nada perdeu ao longo dos anos; canções como 'Them Bones' ou 'Man In The Box' ainda fazem abanar muitas cabeças. Mais que abaná-las, os Last Internationale procuraram educá-las, através de um blues rock potente com mensagem de fundo: quem nos controla deve ser derrubado do seu pedestal. A banda de Nova Iorque já não conta com Brad Wilk, dos Rage Against the Machine, na bateria, mas continua a erguer bem alto o seu punho na terra da hipocrisia. E até já se sentem portugueses: o guitarrista Edgey Pires disse-nos isso mesmo, tendo envergado uma camisola da seleção nacional durante o concerto e exclamado, até, um salutar força, c...
O festival NOS Alive regressa em 2019, não havendo para já nomes anunciados para o cartaz mas sim datas: entre 11 a 13 de julho, no mesmo Passeio Marítimo de Algés.
Comentários