Ouça aqui o episódio do podcast Um Género de Conversa:
"Procurei manter alguma alegria de viver. Até em nome deste amor. Não foi fácil, mas eu não me queixei. Não tive acompanhamento familiar, fiquei sozinha, com dois gatos, os meus enteados estavam crescidos. O que mais impressão me fazia não era deitar-me na cama, onde ele morreu, mas comer à mesa, de repente estava sozinha a comer numa mesa com quatro lugares. Comprei uma mesa para duas pessoas. Tive necessidade de fazer essa reconstrução". Desempoeirada e dona de uma certa rebeldia, Maria João Martins conta algumas das reações que mais a surpreenderam: " Aos 49 anos de idade, as pessoas perguntavam-me porque é que não voltas para casa do teu pai? Porque é que não vais cuidar dos pais do teu marido que só tinham aquele filho?”. Ela apostou na alegria. Os poucos homens que entraram em sua casa interrogam-se sobre a existência da fotografia do marido. "Parece que as pessoas têm de perguntar: E porque é que se mantém viúva? E sem filhos? E, no entanto, não tem um ar infeliz. As mulheres devem rasgar as vestes eternamente, ou arranjar outro marido. Devemos dar uma solução à sociedade para o nosso problema".
Maria João Martins nasceu em Vila Franca de Xira há 55 anos, é amiga da Cinemateca e sócia do Benfica.Trabalhou durante 20 anos no Jornal de Letras, mas também trabalhou no jornal Sete e na RDP - Antena 2, onde foi responsável por um programa sobre História. Foi distinguida com vários prémios de Jornalismo. Hoje colabora com a Visão, DN, Mensagem de Lisboa e Máxima. Já foi livreira e é autora de vários estudos sobre História e de duas obras de ficção, Escola de Validos e Como o Ar que Respiras. Presentemente, dá aulas de História da Moda na Universidade de Carlos III, de Madrid, onde se doutorou. Para ela, não se entende Portugal sem Espanha e vice-versa. "Fui dar aulas para Espanha depois de ficar viúva. Tenho duas pátrias. Quando estou zangada digo que Portugal é o sítio onde pago impostos. E tenho a pátria de adoção que talvez tenha mais ver com uma certa parte de mim. Em Madrid ninguém pergunta nada a ninguém, aceitam-te como és e isso ajuda imenso. Abrem os braços. Os espanhóis olham muito nos olhos, têm esse hábito. Não perguntam se precisas de ajuda, entram pela tua casa adentro e começam a fazer coisas".
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