Podia ter-se feito silêncio, já que habituada a cantar o fado está ela. Mas conversou-se, porque Gisela João diz que não gosta de entrevistas, mas sim de conversas. “Desbocada” - confessa -, frente-a-frente com Mariana Cabral, afirma-se a “poesia” na vida do namorado, ela que não bebe café - se não seria ainda mais "elétrica" - e que nem sempre mede as palavras.
Assim se pinta o quadro do quarto episódio do RESET, com pronúncia de Barcelos, em bom português, porque "o inglês não tem tanta palavra como o português tem" e porque essa era a pior nota da fadista na escola. O objetivo desta conversa, como sempre, é falar do fracasso. Apesar do enorme sucesso, Gisela João também tem os seus tropeções na vida profissional. Já perdeu um sapato a cantar em cima de uma jangada, já partiu um dente durante uma tour fora do país, já se esqueceu de que, mesmo no estrangeiro, é preciso ter cuidado quando se fala português, e já se enganou numa letra e disse “defecar” em palco.
Em letras não se costuma meter, por achar que já há alguém que lhe “dê voz”. Escreve “há muitos anos”, mas nunca mostra. E porquê? “Se eu cantar uma coisa minha mais nua ainda eu vou estar", responde. Não se considera a nova Amália, como já lhe disseram, mas sim a “primeira Gisela João”. Contudo isso não impede a fadista de ter receios e de ficar “deprimida” depois de uma boa crítica, pela expectativa que cria, ela que afirma que foi duro gravar o segundo disco porque a pressão era muita.
Mas não só de música se faz Gisela João, até porque a cantora crê que todos nós somos mais do que uma coisa, e, no RESET, há espaço para falar dos momentos maus de todas as facetas da sua vida. Das paixões assolapadas que correram mal, passando pelos dates em que foi preciso abortar missão e por um problema de saúde tão desesperante que valeu uma ida direta para o hospital. Depois do susto, seguiram-se os meses de pausa na carreira, em que os pesadelos com as luzes do teto dos corredores da urgência entraram pelo sono adentro de alguém que tem muito medo da morte e que nunca teve uma cama “com espaço por baixo”.
“Eu sou muito! Eu sou muito! Eu canso-me a mim própria”, confessa. De sangue quente, admite ter um conjunto de pratos destinados a tornarem-se cacos em dias daqueles em que o remédio é comer bombons e batatas fritas e ficar no sofá a ver “qualquer-coisa”. Mas, acima de tudo, Gisela João descreve-se como “livre” e acredita que “ser bem resolvido é um trabalho diário” de saber lidar com os “próprios fracassos".
Marcar na agenda:
Gisela João foi a escolhida para falar de fracasso neste quarto episódio de RESET. O primeiro foi com Ricardo Araújo Pereira, o segundo com Carolina Deslandes e o terceiro com Rui Maria Pêgo. As conversas estão todas disponíveis em vídeo no canal de Youtube e em formato de áudio no Spotify. A primeira temporada deste podcast tem 8 episódios. Os convidados são sempre surpresa, por isso é mesmo preciso esperar para descobrir o próximo.
Para além de promover testemunhos honestos, este projeto procura ainda apoiar causas sociais à escolha dos entrevistados. Desta vez, Gisela João decidiu dar a mão à Acreditar. A Delta Q vai, por isso, doar 500 euros à organização que ajuda pais de crianças que estão a fazer tratamentos relacionados com doenças oncológicas.
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