Nos final dos anos 90, difícil era não ver a cara de cada um dos Backstreet Boys escarrapachada à nossa frente: em painéis publicitários, em posters de revistas para jovens, na MTV. Ligava-se a rádio e lá estavam eles; ia-se a uma festa de fim de ano do liceu e lá estavam eles; pedia-se o discman do amigo emprestado e lá estavam eles, bonitos, cheirosos, as vozes a debitar canções românticas e xaroposas, R&B de fazer saltitar as hormonas de milhões atrás de milhões de millenials adolescentes. De lá para cá, passaram-se quase trinta anos. Esses adolescentes – ou talvez seja melhor usar pronomes femininos – são hoje casados, pais de filhos, prisioneiros num emprego das nove às cinco e das contas por pagar ao fim do mês, pessoas que se esqueceram de que, nesses anos áureos e despreocupados, estava ou parecia estar a liberdade.
Ver os Backstreet Boys hoje em dia parece um simples exercício nostálgico. Até algo ridículo, na sua génese: à nossa frente estão, não cinco Backstreet Boys, mas cinco Backstreet Men, a cantar as mesmas coisas que cantavam aos vinte anos, a encetar as mesmas coreografias, sempre com cuidado para que a voz não se finde ou a anca salte para fora. Mas talvez haja aqui algo mais que nostalgia. É certo que não existe, no seu espetáculo ao vivo, absolutamente nada de novo. Porém, existe também uma certa ideia de que os Backstreet Boys, uma das mais consagradas boy bands da história das boy bands, foram capazes de envelhecer da forma que uma pessoa melhor envelhece, que é rindo de si própria.
Isso esteve bem presente quando, a dada altura, Brian Littrell coloca aspas com os dedos à frente da expressão boy bands. Esteve presente quando, antes de 'Passionate', Kevin Richardson e AJ McLean trocam de figurino em palco (rodeados por uns habilmente colocados biombos), acabando a atirar a sua própria roupa interior (autografada, claro) para as filas da frente, numa alusão aos tempos em que eram eles a receber peças íntimas – algo que até aconteceu esta noite. Esteve presente no momento em que recordaram os seus primeiros tempos, e as idades que tinham então, numa espécie de sketch cómico que serviu para transmitir a noção de que, se calhar, um homem cinquentão ou quase não deveria estar numa boy band, a não ser que se arranje outro termo para descrever este tipo de conjuntos pop. Foi como se os Backstreet Boys respeitassem o seu legado e, ao mesmo tempo, numa atitude de irreverência extrema, lhe mostrassem o dedo do meio. O que importa é que nos possamos divertir.
Nesse sentido, o espetáculo que os Backstreet Boys apresentaram ao vivo foi, sobretudo, divertido, ainda que o objetivo primário de todos quantos encheram a Altice Arena fosse o de se cruzar com as suas identidades passadas – algo que não escapou nem escapa, naturalmente, aos próprios membros do grupo, com Littrell a afirmar «vamos fazer-vos sentir como se tivessem dez ou doze anos outra vez» (o que também é uma piadola autodepreciativa, do género: esta música não é para velhos). Pelo meio, conseguiram mostrar o porquê de terem vendido mais de 100 milhões de discos por todo o mundo: a forma como harmonizam as suas vozes não perde para nenhum outro grupo, o que ficou bem patente numa interpretação a capella de 'Anywhere For You'.
Do aspeto visual do espetáculo, para além das coreografias e dos diálogos ensaiados ao pormenor, ficou o duplo ecrã em v que ia descendo ou subindo conforme a ocasião assim o ditava, e onde se começaram por observar uma série de explosões douradas que terminaram com o nome do grupo; mais tarde, passariam também por ali imagens dos seus rostos quando (muito) jovens, fazendo as delícias de uma plateia que cresceu e/ou descobriu a puberdade com os Backstreet Boys. A chave esteve, claro está, nas canções: êxitos como 'Get Down (You're The One For Me)', 'Incomplete' ou 'Quit Playing Games (With My Heart)' não faltaram.
Se os primeiros três temas foram apresentados em registo algo acelerado, sem tempos mortos entre canções, o resto do concerto contou com várias pausas para respirar. Na primeira, Littrell debitou os agradecimentos da praxe, dando ao público a honra de saber que, sem ele, os Backstreet Boys não existiriam. Na segunda, Howie Dorough agradeceu-lhe por permitir ao grupo «construir o seu legado». Pouco depois, um curto momento cinematográfico – um pôr-do-sol, um rio, e a mensagem “BSB Presents: DNA” – serviu de alavanca para uma de muitas catarses, com 'Show Me The Meaning Of Being Lonely', milhares de pessoas a cantar o refrão, casais a abraçarem-se, alguém que fez os corninhos do rock. Uma catarse que não atingiu todos por igual, como também é natural: ao lado, alguém opta por, nesta que foi uma de muitas baladas, jogar xadrez no telemóvel.
«Se não fosse a Europa não seríamos os Backstreet Boys», atirou pouco depois Nick Carter, consciente de que foi o velho continente o primeiro a abrir as portas ao grupo, antes dos seus nativos Estados Unidos (o primeiro single dos Backstreet Boys, 'We've Got It Goin' On', só atingiu o 69º lugar na América mas foi top 5 em países como França ou Alemanha). Portugal, na passada noite, foi o primeiro a abrir-lhes as portas para a segunda etapa europeia da sua nova digressão, e a bandeira nacional conseguiu ter algum destaque em palco através da persistência de uma fã. E foi uma noite de dupla sorte: bateu com a data de aniversário de Kevin Richardson, que contou 51 primaveras com direito a ovação do público, um bolo de chocolate em palco e as supracitadas cuequinhas femininas (uma delas com mensagem de parabéns a condizer).
AJ deixaria depois a garantia: «somos a única boy band que nunca parou [o que é ligeiramente verdade: estiveram em hiato entre 2002 e 2004], e nunca iremos parar [o que teremos que esperar para ver se é verdade]». Na plataforma colocada no centro da Arena, e que foi subindo até deixar o grupo bem perto do céu, teve lugar a secção mais lenta do concerto, com cinco baladas de seguida.
Os ânimos voltariam a aquecer imediatamente a seguir; completamente vestidos de branco, os Backstreet Boys reentraram em palco para a malha gigantesca que é 'Everybody (Backstreet's Back)', a sala inteira a mexer o corpo. Até final, 'I Want It That Way' acabaria a ser cantada mais pelos presentes que pelos próprios norte-americanos, e um encore com 'Larger Than Life', explosão pop que se terá escutado até em Marvila, colocou um ponto final com o rótulo que eles, no fundo, até merecem – ou, pelo menos, os fãs nisso acreditarão: os Backstreet Boys são maiores do que a vida, e o tempo, neste caso, não conta mesmo para nada. Com 20 ou 50 anos, os rapazes continuarão a ser os rapazes.
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