Produtor, realizador e diretor criativo dos estúdios Aardman, Peter Lord passou por Portugal a convite do Monstra – Festival de Animação de Lisboa, para uma ‘masterclasse’ sobre cinema de animação e sobre o percurso daquele projeto criativo, fundado nos anos 1970, em Bristol.
Foi dos estúdios Aardman que nasceram personagens como Wallace & Gromit, Morph e Ovelha Choné e filmes premiados como “A fuga das galinhas”, “Piratas!” e “A maldição do coelhomem”. A imagem de marca das produções Aardman é o recurso a figuras de plasticina moldável, conjugadas com a laboriosa técnica ‘stop-motion’.
Em entrevista à agência Lusa no Museu da Marioneta, onde está patente uma exposição sobre os estúdios Aardman, Peter Lord respondeu com uma gargalhada sarcástica ao tumulto político que o Reino Unido vive por causa da saída da União Europeia.
“Pessoalmente fico doente, acho horrível, terrível, é moralmente ridículo. Mais do que isso, é condenável, moralmente e politicamente errado, e acho que também é mau para o negócio. Ao longo dos anos tivemos apoio financeiro de fundos europeus, tivemos mais de um milhão de euros nestes anos. Será que [esse apoio] vai ser substituído por financiamento britânico? Duvido muito”, lamentou.
Peter Lord partilha com alguns britânicos o sentimento de incerteza e insegurança sobre o que virá depois do ‘Brexit’. “As pessoas estão muito relutantes em gastar dinheiro. E o que me chateia mesmo é que isto é sobre política partidária, é sobre a sobrevivência do Partido Conservador. É só o que lhes interessa e o país que vá para o inferno”.
Atualmente com duas longas-metragens de animação em marcha – as sequelas de “Ovelha Choné” e “Fuga das Galinhas” -, Peter Lord recordou que os estúdios Aardman continuam a fazer valer dois princípios desde a fundação, em 1972: ser independente e tentar contar uma boa história.
“Quando começámos éramos dois estudantes [Peter Lord e David Sproxton] e a nossa preocupação era fazer algum dinheiro. A forma como a empresa nasceu e se desenvolveu foi uma coisa independente. Não foi uma opção fazer outra coisa qualquer. Nestes quarenta anos houve uma ou duas vezes em que alguém fez uma oferta para nos comprar”, recordou.
No entanto, os estúdios, que empregam dezenas de pessoas, integram uma academia de formação e produzem conteúdos para diversas plataformas e públicos, têm canais no Youtube, já entraram no domínio da realidade virtual e do ‘gaming’, mantiveram-se independentes. “Não significa que sejamos sempre bem sucedidos, mas é bom sermos donos do próprio destino e gostarmos”.
Além das questões de financiamento e apoio em contexto europeu, Peter Lord recorda que projetos como a Aardman tentam adaptar-se à mudança dos tempos. “Parte do nosso trabalho é para publicidade televisiva e isso tem mudado dramaticamente. E não é culpa do ‘Brexit’, tem a ver com a forma como as pessoas veem animação”.
À parte as preocupações de ordem prática, quem trabalha nos estúdios Aardman quer contar uma boa história, mesmo que seja tenha só trinta segundos de duração. “Passamos muito tempo nas histórias. Cada filme demora cinco anos a fazer, do conceito até à conclusão, e trabalhamos na história durante quase todo esse tempo”, disse, antes de outra gargalhada.
Atualmente, Peter Lord dedica muito tempo a falar sobre o que faz, em conferências e aulas abertas destinadas sobretudo a jovens, estudantes e aspirantes a profissionais de animação. Em todas as sessões, há sempre alguém que pergunta como pode ter um emprego.
“Odeio essa pergunta. É difícil, claro. É preciso ter sorte e estar no lugar certo à hora certa. Se estiver disponível as coisas acontecem”, disse.
Olhando para esse ecossistema do cinema de animação, Peter Lord diz que vê uma “comunidade muito atrativa”. “É cheia de pessoas simpáticas; há alguns lunáticos e egocêntricos, mas não são muitos. [A animação] é uma forma de arte muito privada. Chega ao grande ecrã, mas não conhecemos a cara da maioria delas. Há uma decência, bondade e gentileza nas pessoas que me agrada”.
O Monstra – Festival de Animação de Lisboa termina hoje, mas a exposição “A magia dos estúdios Aardman” ficará patente até 21 de abril.
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