São 2h40 da madrugada, passa a 'Cavalgada das Valquírias' de Wagner misturada com a 'So Get Up' dos The Underground Sound of Lisbon, e os Gin Party Soundsystem preparam-se para entrar em palco e fechar, de forma gloriosa, o último dia do Festival Ponte d'Lima.
Juntam-se umas quantas dezenas de pessoas, em frente ao palco, para levar de frente com o melhor do eurodance – começam com Vengaboys, we like to party, camisas berrantes balouçando com a dança. “Como é que é, Ponte de Lima?”, grita Amílcar Rodrigues, o único membro do coletivo que é de facto local – com ressalvas, pois é da Correlhã, freguesia que poderá ter, ou não, uma rivalidade com a sua sede de concelho.
Passámos o dia com alguns dos membros dos Gin Party Soundsystem – primeiro num almoço no Eido do Bispo, restaurante de Refoios que tem como cartão de visita o já famoso “frango tipo leitão”, que é exatamente isso, um frango com o molho de pimenta típico do leitão. Ouvimo-los preparar as projeções de vídeo para o seu set, inúmeras referências a vários ex libris de Ponte de Lima, de Daniel Campelo ao queijo.
Vimos Amílcar Rodrigues a tentar safar uma camisola da Associação Desportiva da Correlhã, mais tarde uma das Jornada Mundial da Juventude, no entretanto uma de Morrissey – e os Smiths são a sua banda de eleição – desenhada como se pertencesse aos Mayhem. “Vamos partir tudo, c...!”, grita, e os presentes respondem com gritos, à medida que os demais membros dos Gin Party Soundsystem se dedicam às danças (a maior parte deles) e às transições entre canções (muitas vezes só um deles, pois este é um coletivo com muitos Bezs e poucos Shaun Ryders).
Já não são dezenas, são centenas, e tudo isto parece a melhor forma de acabar com um festival que, ao longo de três dias, procurou colocar Ponte de Lima no mapa dos festivais de verão. Procurou? Não, colocou mesmo, um sucesso retumbante, a segunda edição já anunciada: 1, 2 e 3 de agosto de 2024. As primeiras confirmações: Mão Morta, Unsafe Space Garden, Surma e os Kamikazes, banda com culto local. De Ponte de Lima para o resto do país: mais de 70% dos presentes vieram de fora do concelho de Viana do Castelo, afiança Jorge Dias, um dos organizadores, em conferência de imprensa. O festival, garantiu, sucedeu “as suas melhores expetativas”. Ao longo destes três dias, passaram pela ExpoLima cerca de 10 mil pessoas, o que em 2024 significará um reforço das infraestruturas, sobretudo ao nível do campismo.
Com Fafe ninguém fanfe
O último dia, como se pretendia, foi sobretudo dedicado à paródia. Começou cedo, com os Jepards, banda rock de garagem cheio de palavrões pelo meio – ou não fossem eles de Fafe, e com Fafe ninguém fanfe. Há um regionalismo muito bonito dentro de todas estas expressões, houve elogios aos campistas que com eles pernoitaram ao longo destes três dias. O nome do disco que vieram apresentar, editado em outubro do ano passado, é “A Study on the Behaviours of the Inebriated”, e ao longo da noite foi difícil encontrar alguém sóbrio.
Foi difícil porque o último dia de um festival é sempre o mais agreste, é o dia em que são queimados os últimos cartuchos e se tentam construir memórias para os anos futuros. Como foi o caso de David Bruno, diretamente de Vila Nova de Gaia para o Alto Minho, que deixou a Ponte de Lima uma memória para mais tarde recordar: o momento em que um rapazito, Tiago, sobe ao palco para cantar 'Interveniente Acidental', a letra bem na ponta da língua, e o remate final: “De onde és, Tiago?” “Sou de Miramar!”. Ao longo do concerto, por entre já clássicos como 'Bebe e Dorme' ou 'Lamborghini na Roulote', gritaram-se nomes de freguesias várias e locais diversos, e David Bruno diz exatamente aquilo em que estávamos a pensar: “Isto parece um comício”...
No meio de tamanha falta de seriedade (é um elogio), tiveram que ser os australianos Wolfmother a “estragar” tudo e a assinar um concerto de extrema competência, muito bem acolhido pelos fãs – e houve muitos que estiveram em Ponte de Lima apenas e só para os ver. Desde 2012 que os australianos não picavam Portugal continental, tendo atuado na Ribeira Grande, em São Miguel, em 2017, e o seu roteiro não dava a entender passagem pelo país: na véspera, estiveram na Noruega.
Ao longo de hora e pouco, fizeram por matar as saudades do seu rock psicadélico reciclado, onde todos estes riffs já foram escutados nas mãos de gente melhor (Mike Patton que o diga), o que ainda assim não é impeditivo de festa. Uma incursão por 'Rock and Roll', dos Led Zeppelin, foi bastante bem recebida, bem como o final com 'Joker'. Final? Não. Ainda voltariam para tocar 'Paranoid', dos Black Sabbath. Para quê, não se percebeu muito bem.
São 16h20 do dia seguinte, a televisão mostra o Arsenal x Manchester City para a Supertaça inglesa, e estamos com três membros dos Gin Party Soundsystem no Caçana, café em Montaria (Espantar) conhecido pelo já famoso champarrião (vinho misturado com canela e sabe-se lá mais o quê) e por ser local de paragem obrigatório para quem aprecia uma boa tainada. Ressacados (foi o gin), felizes porque o set correu bem, o coletivo vai degustando caracóis e rojões e aproveita para fazer um balanço, pela voz de Amílcar: “Correu muito bem. Temos as infraestruturas certas, as melhores condições para bastidores – eram incríveis... [O festival] tem tudo para crescer”, atira.
No próximo ano tirar-se-ão essas teimas.
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