[O Francisco tem 19 anos, estuda nos Países Baixos e está em viagem com um passe de Interrail que o vai levar por esta Europa fora e este é o seu diário de viagem publicado no SAPO24]
Dia 15 (23 de julho) Dica #17 para futuros viajantes: o ideal é fazer uma viagem tão longa quanto possível. Não é à toa que o passe de Interrail da DiscoverEU é de um mês para sete dias de viagem. Claro, nem todos temos a mesma pedalada, mas gostaria muito mais de ter ficado três a cinco noites em cada local, não fossem as limitações orçamentais (e alguma forretice). É como diz Amelia, no momento em que começamos a interiorizar uma cidade, já estamos a fazer as malas para a cidade seguinte. Ainda assim, fizemos imenso nesta viagem, muitas coisas inesquecíveis.
De manhã, recebo um aviso da Interrail: há greve de comboios em... Portugal. Quem tiver planos para viajar no país deve procurar alternativas. A mensagem é mais uma prova da utilidade da aplicação (que funciona). Fico com pena dos turistas que estão em Portugal a precisar da CP, mas, felizmente, este não é um problema com o qual eu tenha de lidar.
A rede de transportes holandesa serve muito bem a população, com muitas cidades e vilas ligadas por comboio ou autocarro (ao contrário de certos países. Para quando uma boa rede de transportes, Portugal?)
Partimos rumo a Maastricht pelo início da tarde, pelo que decidimos dar um pulo ao centro de Vinkeveen antes disso. Paula, que vive há 30 anos nos Países Baixos, não nos deixa sair sem alguma coisa para comer pelo caminho. A vila cresceu imenso nos últimos anos, construíram um bairro novo inteiro, mas não é muito grande. Ainda assim, é um local bastante bonito e com alguns pontos de interesse que seria uma pena não visitar, como as Vinkeveense Plassen, os lagos e ilhas locais, onde é possível passear de barco e mergulhar, ou a Igreja do Sagrado Coração de Jesus, a noroeste, visível ao longe, da autoestrada.
O local é calmo, muito verde, muita água. Passeamos pelos bairros e reparamos em paragens de autocarro com linhas que nos levam até Amesterdão. De facto, a rede de transportes holandesa serve muito bem a população, com muitas cidades e vilas ligadas por comboio ou autocarro (ao contrário de certos países. Para quando uma boa rede de transportes, Portugal?).
No regresso, um grupo de adolescentes grita frases feitas, mas não é um protesto, são escuteiros. E gatos. Não quero prender o leitor à conta de gatos fofinhos, mas encontramos vários a caminho de casa, que vêm ter com Amelia para receber festas. E patos também. E gansos, mas esses não querem nada connosco.
Espera-nos um almoço à holandesa, que é como quem diz sanduíches e tostas
Harry já está acordado quando tocamos à campainha. Enfim, mais ou menos, parece que dormiu mal a noite. Espera-nos um almoço à holandesa, que é como quem diz sanduíches e tostas. Já estou habituado a ver os meus colegas passear com um "broodje kaas" (pão com queijo) para o almoço, mas o português que há em mim ainda tem dificuldade em fazer o mesmo. Paula diz que ao longo dos anos se rendeu ao costume, embora faça um jantar mais composto.
Mas só posso agradecer, aliás, há muita coisa boa na mesa, de queijo holandês a chouriço e presunto ibéricos, uma mistura que se reflete subtilmente pela casa inteira. Apesar da refeição não ser pesada, é muito completa e mais do que suficiente. Que bem tratados somos nós!
É hora de levar as malas para o carro e fazer o caminho para Utrecht. À chegada, parece que teria sido mais fácil fazer o caminho a pé, tais são os desvios que Harry é obrigado a fazer. A cidade pede menos carros a circular e o sítio mais perto da estação em que acabamos por ficar, numa paragem improvisada, ainda fica a alguma distância.
Entrar em casa é um misto de alívio e pena. Em breve estarei a dizer adeus a Amelia
Despedimo-nos com fotografias para mais tarde recordar, abraços e sorrisos. Muito obrigado, Paula e Harry, pela forma como nos receberam e por todo o cuidado que tiveram connosco. Daqui para a frente já estou na minha praia. Agora, é apanhar o comboio para Maastricht, a cidade onde estou a fazer a minha licenciatura. Na verdade, parece que ficamos em Sittard, por causa de um problema com os carris naquela secção. Nada que uma transferência em Roermond não resolva. A comparar com tudo o que já fizemos, a viagem é rapidíssima, um descanso.
Chegamos a Maastricht e sou atropelado pela realidade. Estou de volta ao sítio para onde vim há quase um ano. O apartamento onde moro fica bem perto da estação, num instante estou a sacar das chaves para abrir a porta. Entrar em casa é um misto de alívio e pena. Em breve estarei a dizer adeus a Amelia e num par de dias de regresso ao restaurante de sushi onde trabalho algumas horas para ajudar a pagar as contas, coisa que em Portugal seria muito difícil (no mês passado recebi mais de 1.500 euros). Agora é a minha vez de ser guia turístico de Amelia, que parece estar a gostar do que vê. Diz que é "humano" na forma como funciona. E é mesmo.
Maastricht, onde em 1992 foi assinado o Tratado da União Europeia como hoje a conhecemos, é uma cidade universitária com uma vida cultural vibrante
Pergunto-me por onde começar. Maastricht, onde em 1992 foi assinado o Tratado da União Europeia como hoje a conhecemos, é uma cidade universitária com uma vida cultural vibrante. Em três horas é impossível mostrar tudo, embora em área seja mais pequena do que Matosinhos, Castanheira de Pêra ou Vila Real de Santo António.
Amelia não vai poder visitar alguns bairros a este da estação ou as caves da cidade ou St. Pietersberg, o Monte São Pedro, na fronteira com a Bélgica, ou Sphinxkwartier, onde está o cinema Lumière. Não vai poder passar pelos clubes e discotecas onde os estudantes festejam (estamos de férias) ou comprar bugigangas e comer uma sanduíche de peixe no mercado local (está fechado). Mas, garanto, há ainda muitas coisas que podemos fazer a partir das seis da tarde.
A rua que vai da estação até ao centro tem bastantes lojas por onde passamos, de uma florista a um take-away que vende uns pedaços de barriga de porco assados no forno brutais. E o café Zondag, favorito entre estudantes para passar o final do dia e início da noite. Em vez de passar pela ponte Sint Servaasbrug (já lá vamos), a mais antiga dos Países Baixos, viramos à esquerda para visitar a Praça 1992, dedicada ao Tratado de Maastricht, onde também se encontra o Centre Ceramique - um centro cultural onde neste momento está exposto o esqueleto de um Triceratops.
Subimos a Hoge Brug (Ponte Alta), que tem uma bela vista sobre a cidade. Os degraus são largos, daqueles em que um passo é pouco, dois é demais. Do topo, a melhor panorâmica sobre o rio Mosa. Do lado oposto também há coisas, como o Bonnefanten, um museu de arte que é uma das principais atrações da cidade, ou o edifício do governo da província de Limburgo (onde foi assinado o Tratado de Maastricht).
Do lado direito - e é nessa direção que vamos -, o Stadspark, o parque de Maastricht, com pontes, caminhos, árvores e o muro da cidade, ainda com os canhões expostos em algumas secções. Continuamos para a Onze Lieve Vrouweplein, a praça do centro histórico, onde se encontra a Basílica de Nossa Senhora e umas filas de cafés/bares, uns ao lado dos outros.
Paramos para carregar baterias (nossas e dos telemóveis) enquanto trincamos alguma coisa. E continuamos para o meu campus - a University College Maastricht, que tem perto uma livraria ótima para estudar, um take-away baratíssimo com comida fantástica que faz as delícias dos estudantes (e não só), o Cato by Cato, e o muro da cidade, que subimos para ter uma boa vista para o Tapijn, um parque com animais e um rio (Jeker) por onde os alunos passeiam para esquecer o trabalho que têm de entregar na quinta-feira que vem.
Gostava de mostrar a Amelia outros locais, Vrijthof e Sint Janskerk, na praça principal, palco para o violinista André Rieu, natural de Maastricht, que todos os anos por esta altura dá um concerto na cidade. É brutal e o preço dos bilhetes pode rondar os 190€. O palco está neste momento a ser desmontado. Ou a Dominicanen, um antigo convento de dominicanas agora convertido em livraria. Seguimos para o Markt, a praça onde fica o bonito edifício da câmara e onde se realizam diversos mercados ao longo da semana. Também aí existem muitos e ótimos cafés/bares, onde é possível beber e comer bem até à meia-noite.
Se para mim é o fim da linha, Amelia ainda terá de viajar até Graz, na Áustria, amanhã de manhã
De regresso a casa, passamos perto do Landbouwbelang (LBB), um centro cultural alternativo, que é ao mesmo tempo um squat ou okupa, local abandonado e ocupado sem autorização por pessoas que tentam criar ali um ambiente libertário/anarquista.
Desta vez calha-me a mim fazer o jantar (tardio). Além de Amelia, um amigo, Mickey, um dos poucos que ficou na cidade nas férias de verão. Invento um prato à medida que exploro opções: numa frigideira, algumas pequenas batatas (krieltjes, tipo batatas novas) com um fio de azeite, uma mistura de vegetais e carne (fingida) picada. À parte, um ovo estrelado. Tempero tudo com sal, pimenta e ervas e ponho o ovo por cima. Feito! Amelia, que nem costuma comer muito, devorou tudo. Fico orgulhoso do meu prato.
Ficamos na conversa até à meia-noite, regada com algumas cervejas. Mickey irá de férias no final do mês, para Itália, onde vive parte da sua família. Como Amelia irá ao México pouco depois desta nossa viagem. Se para mim é o fim da linha, Amelia ainda terá de viajar até Graz, na Áustria, amanhã de manhã. Por isso, boa noite.
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